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Documentação: o imprescindível papel do Diário de Campo

Dentre as inúmeras atividades que constitui o exercício pro- fissional de educadores e trabalhadores sociais, em especial aquelas relacionadas aos instrumentais técnicos que atravessam o cotidiano do trabalho, daremos ênfase ao papel da Documentação e particular- mente do Diário de Campo.

É imprescindível destacar que tal instrumental não pode ser en- carado como elemento neutro e livre das nossas concepções teórico-fi- losóficas, ou seja, da nossa visão de mundo, homem e sociedade. Nossos registros estão impregnados da nossa interpretação, do nosso olhar, da forma como qualificamos nossa escuta e nossa intervenção por meio da relação teoria e prática – já destacada anteriormente nesse texto.

A complexidade que reveste o exercício profissional de edu- cadores e trabalhadores sociais acaba por exigir um requinte na for- ma de tratar e elaborar a Documentação da rotina de trabalho. So- mente um trabalho com rigor crítico e bem organizado, registrado e sistematizado poderá culminar numa intervenção verdadeiramente propositiva e transformadora. Assim, cabe o registro detalhado das ações que constitui nosso cotidiano, através da descrição e análise de nossas aulas, palestras, reuniões pedagógicas e administrativas, en- contros e reuniões com famílias e grupos, e demais atividades do dia a dia. Ou seja, independente do espaço e dos sujeitos que constituem nossa complexa atuação político-pedagógica, o processo de observa- ção, anotação, descrição, análise e avaliação do cotidiano profissional deve atentar-se para a contraditória realidade social e o conjunto de fenômenos sociais que se expressam das mais variadas formas, bus- cando sempre compreender criticamente as diversas situações numa perspectiva de totalidade, para fazer dos nossos registros verdadeiros instrumentos de qualificação do nosso trabalho, e também de fonte para elaboração de outros documentos, com destaque para o Pla- no de Ação, destacado anteriormente (TRIVIÑOS, 1987; LIMA, MIOTO, PRÁ, 2007)

Lewgoy e Arruda (2004, p. 123-124) ao tratarem sobre o im- prescindível papel da Documentação do dia a dia em forma de Diá- rio de Campo, apontam que o exercício e sistematização de registros podem oportunizar uma reflexão madura e mais transparente sobre a ação profissional cotidiana e consequentemente possibilitar também uma auto avaliação sobre os limites e desafios profissionais. Para as autoras, o Diário de Campo é um documento que pode apresentar tanto um conteúdo “descritivo-analítico”, como também um conteú- do “investigativo e de sínteses cada vez mais provisórias e reflexivas”, em outras palavras, o Diário de Campo traduz “uma fonte inesgo- tável de construção, desconstrução e reconstrução do conhecimento profissional e do agir através de registros quantitativos e qualitativos”,

que deve ser compreendido e adotado como exercício profissional corriqueiro, independente do cotidiano corrido, do excesso de tra- balho e das atribulações que revestem todo espaço institucional – ou não – da atividade educadora.

O diário de campo registra a ação diária individual do profissional. No entanto, ele não pode ser apenas um registro da ação; ele deve conter, também, as im- pressões, a análise do trabalho do dia, as sugestões de mudança, as tarefas do dia seguinte etc. Esse é um recurso técnico geralmente pouco utilizado na prática profissional, porque o cotidiano nos absorve, deixando pouco espaço para sua elaboração. Contu- do, como ele possibilita uma riqueza muito grande de informações do trabalho como um todo, é impor- tante que vençamos as dificuldades para adquirirmos o hábito de priorizá-lo. Em pesquisas cientificas, ele é um recurso técnico da maior relevância

(MARCONSIN, 2010, p.73).

A autora chama atenção ainda para a importância da qualidade comunicativa e nosso protagonismo como receptores das mensagens que podem constituir-se em Documentação e registros em nossos Diários de Campo:

A transmissão de informações e/ou mensagens a que nos referimos pressupõe a existência de emissores e receptores. Esses dois polos se relacionam codificando e decodificando as mensagens em forma permanen- te. Contudo, para que essa relação se concretize, deve existir estímulo e interesse entre eles e o interesse só vai ocorrer, ou seja, uma mensagem só será recebida quando o receptor puder entendê-la de alguma forma, quando puder formar uma imagem dela

(SARMENTO, 1994). Portanto, no momento de veicularmos e organizarmos a informação, por meio da documentação, devemos nos atentar para a impor-

tância do modo como o fazemos, porque, tradicional- mente, a documentação tem sido utilizada como um

filtro de informações que costuma atender apenas aos

interesses institucionais. Além de ter uma intencio- nalidade política, essa forma de utilização da docu- mentação tem feito com que ela seja empobrecida no campo do trabalho. Não colabora para a construção teórica do real. De toda a maneira, devemos caminhar para a superação dessa situação (p.69-70).

Assim, ao decidirmos fazer da nossa intervenção profissional uma intervenção verdadeiramente educadora, com propostas de mu- danças e superação da realidade indesejada, é preciso entendermos o rico papel que o Diário de Campo ocupa na nossa vida profissional e até mesmo pessoal. Nesse sentido, cabe destacarmos e defendermos que o Diário de Campo – assim como o Plano de Ação – não possui receituário e regras rígidas, sua redação e formato são determinados pela criatividade do seu elaborador.

Para finalizar, chamamos atenção mais uma vez para as ar- madilhas que o embrutecedor cotidiano promove em nossas vidas e principalmente nas nossas escolhas políticas no campo profissional. Por isso, a práxis transformadora exige profissionais comprometidos com a construção de uma outra sociabilidade, engajados com sua éti- ca profissional e com um projeto de mundo que busque eliminar a barbárie e as variadas formas de opressão, somente “quem traz, na pele, esta marca possui a estranha mania de ter fé na vida”34, afinal

“nós podemos tudo, nós podemos mais, vamos lá fazer o que será...”35

34 Trecho da música “Maria, Maria”, letra de Milton Nascimento e Fernando Brant. 35 Trecho da música “Nunca pare de sonhar”, letra de Gonzaguinha.

Referências

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MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, Vol. I. 24ª ed. Trad. Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

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PARTE III

Práticas educativas e indicadores para