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A Trajetória Eclesiástica de Mato Grosso

3.3 Dom José Antônio dos Reis: Primeiro Bispo de Cuiabá

A importância do desempenho de Dom José Antônio dos Reis, particularmente patenteada na construção do Seminário Episcopal da Conceição, veio refletir-se em toda a História Eclesiástica de Mato Grosso. Assim sendo, impõe-se o levantamento de alguns dados biográficos para que possamos conhecer melhor essa ilustre figura que, por quase meio século, foi responsável pela gestão da Diocese da Província.

Mulato e órfão, nasceu em São Paulo a 10 de janeiro de 1798. Viveu a sua infância e adolescência em situação de extrema pobreza, tendo que pedir esmolas para conseguir sobreviver, principalmente após a morte de seu tio, Cônego da Sé paulistana. Apesar das dificuldades enfrentadas, Dom José prosseguiu os seus estudos, vindo a matricular-se no curso de Filosofia sob a regência de Frei Francisco de Mont’Alverne. A esse respeito, Dom Aquino Corrêa teceu o seguinte comentário: “Foi nesta escola, onde se lhe deparou palestra mais alta e vasta, para exibir melhor os seus dotes intelectuais e morais, a ponto de atrair a atenção do próprio Bispo diocesano, Dom Mateus de Abreu Pereira”.155

Dom José Antônio dos Reis, amparado pelo Bispo diocesano de São Paulo, Dom Mateus de Abreu Pereira, foi por este nomeado altareiro da Sé, função que consistia em zelar os altares da Catedral, da sua arrumação e limpeza. Tal vivência, no interior da Igreja, motivou o jovem José para a vida sacerdotal. Assim, após o curso de Filosofia, entrou para o de Teologia, ordenando-se Padre no ano de 1821, com 23 anos de idade. Participou de forma ativa e intensa, porém discreta, no movimento da emancipação política nacional.156

O seu sustento passou a depender, desde então, do vencimento que auferia como professor em Minas Gerais. Em 1825, o Presidente da Província de São Paulo e Visconde de

155 CORRÊA, Francisco de Aquino. D. José Antônio dos Reis: primeiro Bispo de Cuiabá. Rio de Janeiro: Jornal

do Comércio, 1954, p. 14.

Congonhas do Campo, Monteiro de Barros, solicitou ao Bispo Dom Mateus de Abreu Pereira, protetor do então Pe. José, a indicação de uma pessoa habilitada para cuidar de uma biblioteca pública que pretendia instalar naquela Província. Dom Mateus lembrou-se de novo do seu pupilo e indicou-o para o desempenho de tal tarefa, o que levou a que fosse novamente chamado de Minas Gerais para São Paulo, onde por muitos anos dirigiu zelosamente a primeira biblioteca pública paulistana.

Ocupou ainda outros cargos importantes, nomeadamente, o de Capelão do Convento de Santa Teresa, Juiz de Paz da Sé e até mesmo o de Deputado pela Província de São Paulo, chegando a presidir àquela Casa de Leis. A sua nomeação para ocupar o Bispado de Cuiabá, deu-se por ato Imperial de 1830, tendo a sua confirmação ocorrido no ano de 1832, como antes mencionamos. Dom José foi assim, o primeiro paulista a ser nomeado Bispo e, o primeiro aluno da Faculdade de Direito de São Paulo a alcançar semelhante posto. A sua sagração ocorreu a 8 de dezembro, pelas mãos do Bispo Diocesano de São Paulo, Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, data em que se comemora o dia de Nossa Senhora da Conceição, protetora maior do Seminário Episcopal, posteriormente construído por Dom José, em Cuiabá.157

Na Rusga que, a 30 de maio de 1834 eclodiu em Cuiabá, a sua postura foi extremamente branda, tendo saído pelas ruas a apelar aos revoltosos que depusessem as armas, o que não foi de todo acatado pelos insurretos. A sua imagem manteve-se no entanto intacta, o que lhe valeu respeito e consideração cujo contributo foi assaz importante para que chegasse a Deputado Geral como representante de São Paulo, naquele mesmo ano de 1834, cargo que desempenhou até 1842, tendo residido no Rio de Janeiro até àquela data, regressando depois a Cuiabá.

No período em que permaneceu no Rio, onde encontrou sede vacante, prosseguiu na formação de candidatos da sua Diocese, por ele levados para aquela cidade. Conferiu ainda ordens aos candidatos da Diocese da Corte do Império, tanto seculares como religiosos, que o procuraram com esse objetivo, entre eles os padres Benedito de Araújo Filgueira, Manuel da

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AMARAL, Leopoldino Marques do. D. José Antônio dos Reis. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Cuiabá: IHGMT, 1996, p. 103.

Costa e Silva, Bernardino Rodrigues Nunes, José de Vasconcelos Castelo Branco, Joaquim José Ferreira da Cunha e Manuel Pereira Mendes, os quais se dirigiram para a Diocese de Cuiabá logo após a sua ordenação.158

Regressado a Cuiabá, após o término do seu mandato, Dom José Antônio dos Reis logo tratou da organização do ensino eclesiástico, objetivando a fundação de um Seminário e enfatizando a sua necessidade no seu relatório anual apresentado à Presidência da Província. Recorrendo para tal aos parcos recursos disponíveis, encetou, na sua própria residência as aulas de Teologia, continuando a preparação de aspirantes ao estado clerical, enquanto aguardava que fossem criadas as necessárias condições para a edificação do tão almejado Seminário.

Através da Portaria de 18 de julho de 1844, Dom José nomeou o Pe. Manuel Simões Pires de Miranda, por ele ordenado, professor público de Teologia Moral, alargando, desse modo, a estrutura do ensino eclesiástico até então somente por ele ministrado, tendo nesse empreendimento alcançado grande sucesso, não obstante a conjuntura desfavorável, porquanto conseguiu ordenar um número bastante expressivo de clérigos. Em 1845, eram já 26 os sacerdotes formados em toda a Província de Mato Grosso.159

O Seminário mato-grossense, obra tão sonhada por Frei José Maria de Macerata, ganhou forma na administração de Dom José Antônio dos Reis que, para tal, se rodeou das mais altas figuras do clero, com destaque para o Padre Ernesto Camillo Barreto. Porém, o Bispo Dom José veio a falecer em Cuiabá, no ano de 1876, aos 78 anos de idade, sem ter tido a possibilidade de ver plenamente concluído aquele Seminário, especialmente no que concerne ao internato, pelo qual tanto batalhou. Foi a Dom Carlos Luiz D’Amour, sucessor de Dom José e posteriormente primeiro Arcebispo de Cuiabá, que coube a responsabilidade de garantir

158 Carta Pastoral escrita pelo Arcebispo Metropolitano de Cuiabá, Dom Orlando Chaves, por ocasião do

Centenário do Seminário Episcopal da Conceição de Cuiabá – Mato Grosso (1858-1958), p. 8. ACBM – Acervo do IPDAC, Pasta 150, Doc. 3086.

o prosseguimento e acabamento das obras do Seminário que, desde a sua morte, estiveram suspensas.160

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A 5 de abril de 1810, pela Bula Novas Constituere, o Papa Pio X elevou a Diocese de Cuiabá a Arquidiocese e Sede Metropolitana, sendo seu primeiro Arcebispo, Dom Carlos Luiz D’Amour.