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Já Donald Pierson, em Brancos e Prêtos na Bahia (1971), tentou entender as relações raciais na Bahia, acreditando na brandura da escravidão brasileira, convencido de que vivíamos numa espécie de paraíso racial. Ao tratar da mulher negra, reforça os estereótipos criados pela escravidão, elegendo a mulata como mulher ideal para uniões afetivas. (Pierson,1971: 130, 175, 197).

Destacou que os contatos entre a África e a Bahia apresentavam um caráter “íntimo” desde o Período Colonial, o que diferencia de qualquer outro local do Novo Mundo. (op. cit., p. 275).

Na época de sua pesquisa o comércio entre a Bahia e Lagos permanecia abastecendo o mercado com produtos empregados nos rituais afro-brasileiros tais como: búzios, obis, pimenta-da-costa, orobôs, palha-da-costa e sabão-da-costa, tiras de pano-da- costa.

Quando tratou dos africanos e seus descendentes, descreveu um pouco da história de lideres religiosos, a exemplo de Martiniano Eliseu do Bonfim que durante sua pesquisa revelou informações interessantes sobre as práticas e costumes do seu povo.

Martiniano falou sobre sua família e do seu apego sentimental pela África. Revelou que era filho de dois africanos: sua mãe chamava-se Magebassan, explicou que o nome quer dizer “não deixe eu sozinha”. Era de descendência iorubá e tinha uma cicatriz no rosto, tendo se casado com o pai dele aqui no Brasil. Seu pai era de descendência egbá e negociante de produtos entre a Bahia e Lagos.

O mesmo autor ao abordar aspectos intrínsecos da população negro-mestiça da Bahia, destacou o prestígio do “ofício” de babalaô em três instâncias: o olhador, o curandeiro e o feiticeiro. (op. cit., p. 281-282).

Como olhador, era atribuído ao babalaô o poder de predizer o futuro. O curandeiro através das ervas, orações, dentre outros preparos mágicos, buscava curar e prevenir doenças, adicionando a esses ingredientes as práticas e idéias africanas, indígenas e européias. Como feiticeiro, utilizava-se de práticas mágicas, mediante remuneração. Segundo o autor, o “oficio” de babalaô poderia ser exercido pelo pai-de-santo, embora sua função fosse assessorar os rituais, as cerimônias públicas, assim como cuidar das propriedades sagradas. Em determinadas circunstâncias, desempenhava a função de curandeiro.

Em relação aos pais-de-santo, foram mencionados pelo autor os principais requisitos que conferiam a importância e o prestígio dos pais e mães-de-santo, eram eles: a idade, o tempo de iniciação, o conhecimento profundo das práticas ritualísticas e a “pureza” (Pierson, 1971:309).

Adiante, trata dos papéis desempenhados por pessoas dos sexos masculino e feminino dentro e fora dos candomblés. Os do sexo masculino geralmente não incorporavam um orixá, por isso, o processo de iniciação deles era diferenciado, o que facultava certa mobilidade para o contato com pessoas de cultura européia, fatores, segundo o autor, que facilitavam a apropriação de sentimentos e das idéias dos brancos. As do sexo feminino, geralmente incorporavam um orixá, as obrigações iniciáticas requisitavam maior especificidade nos preparos. Elas, por outro lado, permaneciam identificadas aos costumes e tradições da ancestralidade africana. Por esta razão, concluiu Pierson, que as mulheres chefiavam a maiorias dos candomblés baianos. (op.cit., p.311- 312).

E traçou o perfil de uma das mães-de-santo baianas, de nação Ketu, na época da sua investigação, que se presta, salvo alguns recortes, às demais.

... era uma preta alta e majestosa, cuja a menor insinuação era imediatamente obedecida pelos membros da sua seita. Dizem que era bastante rica. Afirmou uma vez ela, orgulhosamente: “Sou filha de dois africanos, graças a Deus!”, “Aprendeu a falar o quieto com os pais”; o nagô, aprendeu na “seita”. Era analfabeta, mas a respeito do seu conhecimento dos rituais e crenças do culto africano, um ogã disse com orgulho: “Ela conhece as coisas africanas melhor do que qualquer outro na Bahia”. Inteligente, viva de espírito, ágil na conversa, era um dos mais respeitados e obedecidos chefes do mundo afrobrasileiro. Quando em discussão com um padre, este disse que não tendo ela sido ordenada pelo papa não podia ter “autoridade espiritual” para executar os rituais religiosos, ela prontamente perguntou se Moisés, “o grande profeta e chefe do seu povo”, tinha sido ordenado pelo papa. Afirmou que o primeiro homem não pode ter sido um branco, mas de côr, “se não preto, pelo menos vermelho. Não dizem que o homem provém da Ásia? Os brancos não vieram de lá. Afirmou ainda que Jesus também deve ter sido africano, ou “pelo menos um homem de cor”, uma vez que seus parentes o esconderam no Egito. “O Egito não está na África? Se Jesus não fosse escuro, não teria sido possível escondê-lo entre o povo da África?... (Pierson, 1971:318).

Sobre as sobrevivências culturais africanas, afirmou durante seu estudo que “estão e estavam” desaparecendo, encontravam-se esforços esporádicos no sentido de preservá-los e teceu considerações à vestimenta baiana. Indumentária, segundo ele, considerada pelos representantes da cultura européia como traje pitoresco, seu uso estava fadado ao abandono, sobretudo pelos mestiços, e restritos cada vez às cerimônias de candomblés.

Tais afirmativas foram fundamentadas com base nas observações de 500 mestiças e 500 pretas realizadas nas ruas da Bahia, no ano de 1936. (Pierson, 1971:302).

Entre as mestiças apenas cinco vestiam o traje completo; 14 usavam peças avulsas do traje; 481 totalizando 96,2% vestiam somente roupas européias. Para as pretas, 91 ou 18,2% trajavam-se à moda africana; 82 ou 16,4% envergavam peças do referido traje; por outro lado, 327, totalizando 65,4%, trajavam-se à moda européia. (Idem).

Para as transformações decorridas nos modos de vestir dos negros dentre outros aspectos o autor evidenciou:

Essa mudança não e difícil de compreender. Os filhos e netos de africanos , em contato mais direto com as escolas e outros meios de difusão cultural européia , estavam se afastando , numa extensão considerável , das crenças e práticas dos seus antepassados. Na maioria dos casos, chegaram a tomar em relação aos pais e avós as mesmas atitudes que a comunidade européia tomava. O comportamento dêsses filhos e netos estavam gradualmente fazendo desenvolver-se, nos próprios africanos , um sentimento cada vez mais agudo de inferioridade cultural (op.cit p. 303).

Na mesma obra (capítulo XI), Donald Pierson analisou o candomblé e afirmou que durante sua investigação, esse culto afro-brasileiro era uma instituição forte na Bahia, congregava mulheres e homens, muito respeitados nas “classes inferiores” da cidade. Suas lideranças eram constituídas por pessoas capazes e inteligentes, cujo prestígio alcançava até os “círculos superiores”. Seus rituais e cerimônias caracterizavam-se pela seriedade, formas fixas, bem definidas e tradicionais. (op. cit., p. 304).

E também funções sociais, para as quais ele acrescentou:

A função social primária que o candomblé parece servir era a de reforçar, por meio de experiências coletivas e rituais e cerimônias, as atitudes e sentimentos que distinguiam “os africanos” e seus descendentes da população européia e da maior parte dos mestiços; promovendo solidariedade e consciência de grupo, tendia a tornar mais lento o processo de aculturação. Ao mesmo tempo, as experiências do culto tendiam a satisfazer às necessidades humanas básicas de “correspondência” e de “ consideração”.

A solução de várias espécies de problemas pessoais por meio de conselhos e recomendações do sacerdote, ou sacerdotisa, ou do orixá “que se manifesta”, aliviava a tensão pessoal. E as animadoras afirmações, a respeito do destino, fornecidas pela

crenças religiosas, especialmente em momentos de crise, como pela morte de um amigo íntimo ou parente, contribuíam para a necessidade universal de segurança. Além disso, todo corpo de experiências do culto servia como meio poderoso de manter a moral do grupo e reforçar suas sanções.O caráter genuinamente sadio do candomblé na Bahia, ao menos na época (...) com exceção talvez de alguns centros caboclos mais recentemente organizados, contrastava patentemente com a desorganização pessoal que, segundo diziam, caracterizava naquela época, a macumba do Rio de Janeiro, já em tal estado de desintegração que práticas poucos saudáveis constavam do ritual.

(op.cit., p.330).

Pierson refletiu as concepções de seus predecessores e pormenorizou os candomblés de matriz Congo-Angola e os de caboclo. No que diz respeito à organização desses candomblés destacou que o ritual caboclo.

... era uma mistura de rituais de outros cultos de origem africana, juntamente com divindades e danças de origem tupi incluindo Tupã, a divindade tupi, e Tupinambá, que parece ser uma personificação da tribo desse nome, a qual habitava a costa baiana na época da chegada dos europeus . Os candomblés “de caboclo” realizavam suas cerimônias principalmente em português, incluindo certas frases de origem africana, geralmente muito corrompidas, tomadas das seitas gêge-nagô ou congo- angola e algumas palavras de derivação tupi. Penas, arcos, e flechas e

outros elementos culturais indígenas faziam parte do seu ritual. (op.cit.,

p.305).

Quanto ao amalgamento de elementos cerimoniais, para o que muitos integrantes da ortodoxia dos cultos africanos denominavam de “imitadores caboclos”, apontavam que “muitos não foram criados na tradição africana”, e eram desdenhados, especificamente os

de nações jeje-nâgo. Pierson em relação às misturas ritualísticas e cerimoniais, observou que mesmo os grupos mais ortodoxos não escaparam à influência indígena. (1971:305).

Apesar de não constar este trabalho de um estudo exaustivo de todas as obras referentes ao negro na Bahia, as que foram mencionadas mostram as tendências e preocupações que caracterizam os estudos baianos até fins dos anos quarenta do século XX. Estes estudos são fundamentais para a compreensão geral da presença negra em nossa sociedade.

Os estudos apresentados refletem, antes, preocupações nacionais e estrangeiras de entender as questões negras através da montagem de um ideário racial, sobressaindo uma visão em geral amena das relações interétnicas na Bahia. Particularmente, buscavam compreender o significado e os simbolismos presentes na preservação de elementos culturais que relembravam a terra ancestral, ao passo que os re-introduziam a partir de códigos sutis no conjunto das relações de sociabilidade.