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Segundo Sinal de Revelação: Presença dos Espíritos de Maria Madalena e Maria

Segundo conta Mãe Pastôra, Cecília tentou tratar-se em casa de parentes. Dias estava bem, dias contemplativa, desligada e triste. Seu estado era um enigma para seus conhecidos. Passou por médicos e rezadeiras, sem resultados. A primeira luz veio quando, em lugar público, incorporou o espírito de Maria Madalena.

Era dia oito de dezembro, festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia em Salvador. No sincretismo popular Nossa Senhora da Conceição está associada a Iemanjá no candomblé. Gente de várias classes, cor e crenças se misturavam do lado profano e sagrado das comemorações. Todos

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Idem.

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Devemos observar que naquela época era comum às meninas pobres deixarem suas famílias para trabalhar em casa de outras, quase sempre, vinham do interior para capital e logo cedo também iniciavam suas famílias, geralmente casando-se com homens mais velhos.

punham suas melhores roupas para saborear as frutas da estação, beber e sambar no largo da Igreja. Mas também participar da missa. Cecília tendo princípios de educação católica, foi à Igreja nesse dia assistir a missa das 8:00 horas da manhã. Rezava a Deus que lhe restituísse a saúde, pois precisava trabalhar. No momento da elevação da hóstia, subitamente se viu cantando, em voz alta, um cântico religioso. As pessoas estranharam, evidentemente, mas houve quem acolhesse sugerindo estar ela tomada por um “espírito de luz”.24

Já Alzira Lacerda, cliente, posteriormente filha de santo de Cecília, cujo Orixá era Oxum, nos seus depoimentos em 08 de maio de 1987, acrescentou:

Recebeu primeira Maria Madalena, Maria Madalena era mãe dela, era mãe de Cecília, ela foi um dia na missa na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, quando estava o cálice suspenso o espírito pegou ela lá na igreja.

Mãe Pastôra informou que sua mãe foi acolhida por estranhos e, a partir de então começava sua saga religiosa:

Acomodaram-na a uma cadeira, e ela continuou a cantar até que, aos poucos, parou de cantar. Ainda permaneceu algumas horas na Igreja e depois levantou-se e saiu. A partir daquele dia, ela se transformara em “médium de transporte” do espírito de sua mãe.

Mas Cecília ainda não tinha consciência plena de sua situação espiritual. Os achaques físicos continuavam a persegui-la. Incapacitada para trabalhar, recorreu a amigos, que a acolheram. Muitos médicos a examinaram e nenhum conseguiu fazer um diagnóstico seguro. Ela

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se sentia um peso para as pessoas que a acolhiam, pessoas sem dinheiro para cuidar de alguém, jovem e incapaz de trabalhar.

Quando todos os recursos da medicina pareciam esgotados, levaram-na a centros espíritas e candomblés começou aqui sua peregrinação religiosa. Num certo terreiro ela seria submetida a métodos brutais que, segundo diziam, eram necessários à expulsão dos “maus espíritos” e Exus. As agressões físicas e outros maus tratos não conseguiram liberá-la, e restaurar-lhe a paz. Mãe Pastôra lembra que sua mãe:

... mostrava as marcas no pulso de quando ela foi amarrada para expulsar os Exus.

A peregrinação em busca de cura levou Cecilia a outras casas de candomblés, cujos “trabalhos” também não surtiram efeito. Os parentes e conhecidos já não sabiam o que fazer. Os recursos eram escassos e os “aviamentos” elementos ritualísticos religiosos para os “trabalhos” exigiam grandes somas.

Nos candomblés por onde andou, em geral ficava por alguns dias em tratamento, aliás, é ainda hoje um procedimento corriqueiro a permanência de dias nos terreiros para rituais religiosos. A dona de uma dessas casas, que não nos foi possível identificar, recebeu a visita de uma outra mãe-de-santo, chamada Maria Plácida, que ali fora porque soubera da presença de uma pessoa sofrendo muito. Ouvindo isso, Cecilia ficou abalada emocionalmente com a presença desta senhora, e implorou que a ajudasse. Cecilia seguiu com Maria Plácida, após essa ter conversado com a dona da casa em que Cecilia estava se cuidando. Esta seria uma experiência definitiva em sua vida. Se livraria das influências consideradas negativas, ficando eternamente grata àquela mãe-de-santo. Como demonstração de gratidão, Cecília tornar-se-á guardiã dos pertences religiosos de Maria Plácida. Posteriormente, o vodum dela, “Sergi”, será uma das divindades cultuadas, quase que em segredo no terreiro por ela fundado em 1943.

Mãe Plácida conseguiu afastar a presença de forças consideradas negativas, Exus e espíritos, de Cecília, abrindo caminho para que o espírito de Madalena se manifestasse

tranqüilamente. Quando o espírito de Madalena se manifestou nessa segunda vez, disse claramente que tinha a missão de praticar a caridade por 21 anos, a fim de ganhar a luz25.

Agora, com plena consciência dos porquês desses transes com o espírito de sua mãe, Cecília compreenderia melhor sua responsabilidade mediúnica. Ingressaria no espiritismo, começando a trabalhar em mesa de sessão espírita, no centro liderado por senhor Ovídio da Silva Brito – recebendo não só o espírito de Madalena, mas também de Maria Sofia, presumidamente sua avó. Tudo indica que se tratava do espírito da mesma pessoa que muitos anos antes, em São Gonçalo, identificara a pedra de Iemanjá.

Sobre o espírito Maria Sofia, também informa-nos Alzira Lacerda, que:

Era um espírito que trabalhava com ela, tinha vidência e ajudava ela, que ela era vidente e Maria Sofia também, ela olhava e fazia caridade26.

Cecília continuava a freqüentar centros espíritas, segundo nossa principal informante, mas permanecia também próxima dos candomblés. Ela contava que numa dessas visitas a uma casa de candomblé, procurou se aconselhar com Obaluaê27, divindade da doença, porque algumas mães- de-santo, durante sua fase mais crítica de peregrinação religiosa já insistiam que ele era seu orixá. Perguntou a Obaluaê, manifestado numa pessoa, se conseguiria trabalho, pois sua atuação como vidente espírita não era remunerada e precisava se manter. O orixá teria lhe dito que não queria vê-la trabalhando empregada, que botasse um copo e sentasse para falar até que ele dissesse basta.28

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Conforme relato de Mãe Pastôra, 1985. 26

Entrevista concedida à autora em 08/05/1987. 27 Divindade responsável pela cura e difusão da doença. 28

3.3 Espiritismo, Catolicismo, Candomblé e Práticas Mágicas: A Primeira Consulta