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Eu conheci D. Cecilia assim como a “parma” da minha mão. Ogan Bobosa67

Nenhuma casa de candomblé se constrói sozinha. Os laços de irmandade e tradição devem ser reforçados e estreitados, como condição para legitimação da tradição que se inicia. É necessário formar a equipe agregando, e recebendo velhas ebomes, ogans que contribuirão na estruturação da comunidade reproduzindo hierarquias, práticas ritualísticas, adaptando-as ao novo contexto. Os novos líderes, durante sua trajetória gradativamente selecionam mesmo que de forma inconsciente a(s) tradição (ões) que deverão ser invocadas pelo grupo religioso. Para além dessas observações, devem também contar com o carisma e confiança daqueles que os procuram. Esses aspectos corroboram com a trajetória de nossa personagem paradigmática, e a razão do assédio era sua inquestionável vidência.

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Entrevista concedida à Autora em 31 de janeiro de 2008, por Ambrósio Bispo Conceição (Seu Bobosa) Ogan do Terreiro da Roça do Ventura, na cidade de Cachoeira-Bahia. Aos seus quase cem anos de idade recordou-se de Cecília e das inúmeras consultas realizadas para sua comunidade, as visitas, o passado que deixou saudades.

Durante os caminhos religiosos percorridos por Cecília, ela pôde construir laços de confiabilidade e amizade com pais e mães-de-santo importantes de sua geração, além de gente do povo, pessoas simples cujas dúvidas eram esclarecidas, aflições tranqüilizadas mediante a assertiva de que sua prática adivinhatória e vidência eram infalíveis. Segundo Eulina Perez eram “pessoas simples, mas com muita fé” 68.

Particularmente as relações com ilustres líderes religiosos, puderam proporcionar à Cecilia referências diversas sobre candomblés, liturgias e ritos que serviram de modelo para a construção de uma nova tradição religiosa.

Um dos entrevistados para composição deste estudo atesta esse trânsito ou proximidade de Cecilia com essas pessoas:

Façanha deles eu não sei porque eu não freqüentava a casa de pessoa nenhuma, conheci D. Senhora de S. Gonçalo que era muito amiga dela, conheci também Menininha do Gantois, também era muito amiga, amigos mesmos, a mãe-de- santo dela Oxafalaqué, seu Bernardino do Bate-Folhas, Bandanguame também do Bate-Folha substitui Bernardino ficou Bandanguame, seu Nezinho de Cachoeira, D. Caetana ali do Bogum esse pessoal da Casa Branca também eram amigos.69

A entrevistada além de citar esses nomes, fez uma classificação em termos de proximidade de Cecilia. Dessa forma, aponta para uma relação de amizade estreita entre Cecilia, Damiana Oxafalaqué, Bernardino e Bandanguame, esses últimos de um terreiro de nação Congo-Angola em Salvador, o Terreiro denominado de Bate-Folha. Segundo recordação de Mãe Olga (Ganguasense) do Terreiro Bate-Folha, o trânsito entre os filhos desse terreiro e os de Cecília era intenso:

68 Entrevista concedida à Autora por Eulina Perez, 1987. 69

Agente ia pra lá, levava as roupas e ficava. Levava os trouxões de roupa. Quando descia a ladeira o povo dizia: Olhe meu povo o candomblé hoje tá bom... o pessoal do Bate Folha tá ai. Era o candomblé que a gente mais ia!!!

Quando ela (Cecilia) fez o santo pegou uma parte aqui. Ela era filha de Damiana... ela tinha uma parte de Jeje.70

Sei que o laço de amizade dela com Tatá Bandanguame era muito grande. Ele ia lá, conversava muito com ela na segunda ou sexta feira. Antigamente não tinha telefone. (risos)71

A entrevista a seguir, de Dona Eulina Perez traz mais detalhes dessa rede religiosa e simbólica construída por Cecília:

Todos, todos os pais de santo, todo mundo tinha axé, mas pra fazer qualquer coisa tinha que consultar Cecilia Brito, todos de Cachoeira, um da Casa Branca, Afonjá, de todo mundo, qualquer coisa pra fazer consultava com ela e vinham tomar a sua opinião. Por que era uma pessoa respeitada no axé e que a palavra dela... hoje é muito difícil apesar das filhas continuar a mesma ai, mas foi um dom que Deus deu a ela, todos os pais de santo, Caboclo de Cachoeira, Pararasi, mãe de santo, as coisas toda, Locossi, Casa Branca, Menininha do Gantóis, Cleusa e todos lá, qualquer coisa, pra arredar uma palha, tinha que

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Entrevista concedida à Autora por Olga Conceição Cruz (Ganguasense), co-responsável peloTerreiro Manso Banduquemque, também denominado de Terreiro Bate- Folha, cedida em 24 de novembro de 2008.

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falar com minha mãe Cecilia, ouvir a opinião dela, os maiorais que eu conheci foram estes e que ainda estão em evidência hoje.72

Recordando aqueles que buscavam os préstimos religiosos de Cecília, nossa entrevistada é contundente em afirmar que sua popularidade entre os “maiorais” pais e mães de santo de então, era pelo Dom que Deus deu a ela, e é essa singularidade por intervenção divina que assegurava que todos os nomes citados procurassem Cecilia.

Na entrevista foi salientado o aspecto moral da clientela e a classe daqueles que freqüentavam a casa, sobretudo pessoas humildes que necessitavam de caridade. Essa deve ser entendida enquanto orientações e conselhos de cunho religioso e social, ou ainda poderia ter o atendimento de necessidades materiais imediatas resolvidas.

Aqui a nossa casa que era a casa de D.Cecilia freqüentava a classe média, todas as pessoas de bom procedimento, era menos pessoas de bom procedimento, as pessoas humildes precisava da caridade ela fazia caridade tinha o hábito mesmo de fazer a caridade.73

Os laços sociais estabelecidos por Cecília, envolviam também a vizinhança, pessoas relacionadas ao universo dos candomblés ou simpatizantes, freqüentadores assíduos das festas públicas, das missas, carurus, rezas de Santo Antônio. Percilia Gomes de Lima, que já residia no local quando Cecília mudou-se para ali, recorda-se da vizinha prestimosa: “D. Cecília era gente muito boa, era uma senhora ótima, quando eu tinha quarquer coisa, que meus filhos ficava doente ela vinha me ajudava em tudo aqui. Ela era uma senhora muito alegre e prestativa”. E recordou-se de um episódio relacionado à saúde de seus filhos e a presença de

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Durante a entrevista, Eulina Perez, (1987), confundiu o posto de Ogan Caboclo (Ambrosio Bispo Conceição, também conhecido como seu Boboso de Sogbo) com o de pai de santo, certamente pelas atribuições que assumiu dentro do sistema religioso chamado de Ogã Kutó, do terreiro Sejá Hundê na cidade de Cachoeira – Bahia. 73

Obaluaê: “eu mermo tive dois filhos que teve... essa... uma febre braba ( Tifo) e quem me socorreu foi ela.... quando ela veio, Omolu pegou ela e ajudou a levar os meninos” (seriedade).