• Nenhum resultado encontrado

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2 Dor, Nocicepção e Inflamação

Definida por Merskey (1979), a dor é “uma experiência sensorial e

emocional desagradável associada a um dano tecidual real ou potencial, ou descrito em termos de tal dano”. Essa definição foi adotada pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (I.A.S.P.) e permanece até os dias atuais no contexto da prática clínica (Le Bars et al, 2001; Loeser e Treede, 2008; Porto e Porto, 2014).

A dor é uma experiência subjetiva difícil de definir de modo exato e inclui um forte componente emocional. Tipicamente se expressa como uma resposta direta de um evento desfavorável associado a um dano tecidual, como lesão, inflamação ou câncer (Rang et al, 2003; Porto e Porto, 2014). A manifestação dolorosa pode ser modulada por uma série de experiências comportamentais, pois não envolve somente a transmissão do estímulo nocivo, mas também fatores genéticos, sociais, culturais, ambientais e cognitivos (Julius e Basbaum, 2001; Porto e Porto, 2014) e nem sempre está associada com nocicepção (Rang et al, 2003). Além disso, envolve funções cerebrocorticais com ativação dos componentes discriminativo e locomotor (Riedel e Neek, 2001).

Nocicepção é um termo neurofisiológico que se refere somente à percepção sensorial do sistema nervoso central (SNC), evocada pela ativação de receptores sensoriais especializados, os nociceptores, existentes no local do estímulo (Furst, 1999). Experimentos com animais para avaliar amostras com possível potencial analgésico, chamado nesse contexto de substâncias como potencial antinociceptivas, medem a nocicepção e envolvem a avaliação da reação do animal a um estímulo doloroso (hipernocicepção), com frequência mecânica ou térmica (Verri et al, 2006; Rang et al, 2003).

A dor, enquanto modalidade de percepção, promove ao animal pela resposta nociceptiva, um controle da homeostasia. O sistema sensorial, que engloba visão, olfato, tato, audição e gustação, tem função de informar ao cérebro sobre os ambientes externo e interno do corpo. Assim a manifestação dolorosa funciona como um sistema de alarme que protege o animal contra uma lesão prejudicial (Le Bars et al, 2001; Quintão et al, 2011), através da ativação de mecanismos que envolvem vias reflexas medulares e supramedulares (Le Bars et al, 2001; Julius e Basbaum, 2001; Quintão et al, 2011).

Há mais de um século, Sherrington (1906) sugeriu a existência de nociceptores, representados por neurônios sensoriais primários, ativados por estímulos periféricos capazes de gerar danos teciduais, transformando estímulos em impulsos nervosos. Desta forma, calor, frio, pressão, distensão, traumas, estímulos químicos, dentre outros, podem ativar os nociceptores direta ou indiretamente (Bessou e Perl, 1969; Quintão et al, 2011).

Os nociceptores são considerados como moléculas de sinalização bidirecional, sendo que os estímulos podem ser transmitidos tanto a partir de terminais nervosos centrais, quanto periféricos (Bessou e Perl, 1969; Quintão et al, 2011). São portanto, terminações nervosas sensíveis a estímulos

mecânicos e ou térmicos (relacionados às fibras Aδ) e estímulos químicos

(relacionados às fibras C não-mielinizadas) (Porto e Porto, 2014). Em condições normais, a dor está associada com a atividade elétrica em fibras aferentes primárias de pequeno diâmetro nos nervos periféricos. Estes nervos

possuem terminações sensoriais nos tecidos periféricos e são ativados por estímulos mecânicos, térmicos e químicos (Rang et al, 2003).

As fibras C não-mielinizadas possuem baixa velocidade de condução (inferior a 1m/s) e são conhecidas como nociceptores polimodais C. (Rang et al, 2003) devido à sua habilidade de responder a estímulos nociceptivos mecânicos (pressão dolorosa, distensão, corte tecidual), térmicos (calor ou frio) ou químicos. No entanto, sua ativação por estímulos mecânicos depende das substâncias químicas liberadas como resultado da lesão tecidual (Davis et al, 1993; Kidd e Urban, 2001).

As fibras mielinizadas finas (Aδ), de condução mais rápida, mas que

respondem a estímulos periféricos semelhantes, são conhecidas como mecanotermo nociceptores, visto serem responsivas às estimulações nociceptivas mecânicas e térmicas (Julius e Basbaum, 2001; Rang et al, 2003). Finalmente, existem as fibras Aα e Aβ da terceira categoria, mielinizadas de largo calibre e de condução rápida (100m/s), responsáveis pela informação proprioceptiva (toque leve e pressão) (Davis et al, 1993; Rang et al, 2003). As fibras Aβ, numa proporção substancial nos aferentes sensoriais da pele, músculos, articulações e tendões, geralmente são unimodais e respondem a estímulos de baixa e alta intensidade (Julius e Basbaum, 2001; Rang et al, 2003).

Na maioria dos casos, o estímulo das terminações nociceptivas de regiões periféricas é de origem química (Rang et al, 2003). Os estímulos mecânicos e térmicos dolorosos, além de excitarem os nociceptores a eles sensíveis, promovem dano tecidual e vascular local, causando liberação ou formação de uma série substâncias tais como os íons hidrogênio e potássio, serotonina, histamina, cininas (exemplo, a bradicinina e calidina), leucotrienos, prostaglandinas e substância P (neuropeptídeo), que atuam nos nociceptores sensíveis a elas (fenômeno denominando transdução: detecção do estímulo). A liberação dessas substâncias ocorre por mecanismos de ação direta (potássio, hidrogênio, cininas, serotonina e histamina), por sensibilização (cininas,

prostaglandinas e substância P) e por extravasamento do plasma (substância P e cininas) (Rang et al, 2003; Porto e Porto, 2014).

Além da transdução citada anteriormente, o fenômeno chamado de transmissão, representa o conjunto de vias e mecanismos que permitem o impulso nervoso, originado nos nociceptores, sejam conduzidos para estrutura do sistema nervoso central comprometidos com o reconhecimento da dor. Outra fase desse processo, a modulação da dor, contempla centros e vias responsáveis por sua supressão, sendo essas vias modulatórias ativadas pelas próprias vias nociceptivas (Porto e Porto, 2014).

No contexto dos estudos da dor e nocicepção, sabe-se que a ausência de comunicação verbal em animais é, sem dúvida, um obstáculo para a avaliação da manifestação dolorosa em condições comuns. Há circunstâncias de clara percepção de que um animal manifesta um sinal doloroso. Por outro lado, torna-se difícil a certificação de que em um dado momento, um animal não sinta dor por não apresentar nenhum sinal físico típico ou comportamento ostensivo. A imobilidade e/ou prostração são por vezes, as únicas respostas que acompanham essa manifestação. Em animais faz-se a identificação e quantificação da manifestação dolorosa pelas reações avaliadas após um estímulo nociceptivo padronizado em ensaios experimentais (Le Bars et al, 2001).

Os estímulos excessivos, mecânicos ou térmicos, podem obviamente causar dor aguda, mas a persistência de tal dor após o estímulo ser removido, ou a dor que resulta das alterações inflamatórias ou isquêmicas nos tecidos, geralmente refletem um ambiente químico alterado dos aferentes da manifestação dolorosa (Rang et al, 2003).

As principais substâncias que estimulam as terminações nociceptivas são as cininas, tal como a bradicina. Esta é uma importante indutora de dor, agindo parcialmente pela liberação de prostaglandinas, que aumentam a ação da bradicinina nas terminações nervosas. As prostaglandinas (PGs) não causam dor, no entanto aumetam fortemente o efeito produtor da dor de outros

agentes como a 5-HT (5-hidroxitriptamina ou serotonina) ou a bradicinina. As PGs da série E e F são liberadas no processo inflamatório, derivadas da cascata do ácido araquidônico pela ação das ciclo-oxigenases. Outros

eicosanóides, incluindo a Prostaglandina I2 (PGI2), os leucotrienos (derivados

da ação da Lipo-oxigenase) e dervidados do HETE (ácido hidroxi- eicosatetracético) também acompanham esse quadro (Kidd e Urban, 2001; Rang et al, 2003).

Vários metabólitos e subtâncias são liberados de células lesadas ou isquêmicas, ou tecidos inflamados, incluindo a 5-HT, ácido lático, ATP

(trifosfato de adenosina) e K+, muitos dos quais afetam as terminações

nociceptivas (Rang et al, 2003).

Documentos relacionados