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Dos conceitos de aglomerações industriais ou redes de cooperação produtiva

CAPÍTULO 1. Das aglomerações industriais produtivas aos Arranjos

1.8 Dos conceitos de aglomerações industriais ou redes de cooperação produtiva

Esta parte do capítulo destina-se a apresentar os principais conceitos relativos às aglomerações produtivas industriais. É enfocada a análise sobre os arranjos produtivos locais, clusters produtivos e dos distritos industriais.

A partir dos últimos anos, se formou no Brasil, particularmente, um consenso com respeito à importância adquirida pelos Arranjos Produtivos Locais (APLs) para o desenvolvimento econômico e social de cidades e regiões. Como observa Santos (2005, p. 49), “a tendência de fazer dos APLs um dos focos das ações das políticas de desenvolvimento econômico e social do país, fundamenta-se em alguns interessantes elementos de plausibilidade”. Contudo, observa o autor, “como todo o consenso corre o risco de resvalar para a moda e conseqüente banalização, é sempre conveniente checar os elementos que compõem um APL e verificar sua racionalidade, seu alcance e possibilidade de eficácia” (Ibid, p. 49).

Nesse sentido, se faz necessário esclarecer que nem toda aglomeração de empresas pode ser considerada um APL. Conforme a Redesist (Rede de Pesquisa em

Sistemas Inovativos Locais da Universidade Federal do Rio de Janeiro), arranjos produtivos locais são aglomerações territoriais de agentes econômico, políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades econômicas – que apresentam vínculos mesmo que incipientes (Albagli e Brito, 2003, p. 3). Os APLs podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos, dentre outros. Inclui diversas outras instituições públicas e privadas voltadas para a formação e treinamento de recursos humanos, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, consultoria, promoção e financiamento (Cassiolato e Lastres, 1999; Vargas, 2002; Cassiolato e Szapiro, 2002; Albagli e Brito, 2003; Santos, 2005).

Contudo, vale ressaltar que para uma aglomeração produtiva ser considerada um APL, não necessariamente deve apresentar um nível elevado de relações entre os agentes públicos e privados, etc.; mas sim, que as empresas do aglomerado estejam próximas territorialmente, agrupadas com o objetivo de realizar atividades produtivas em comum, onde se observa uma interação mesmo que incipiente, entre empresas, governo, universidades, centros de treinamento, órgãos de pesquisa e financiamento. Pois, como analisado por Santos (2005, p 50), “esse tipo de interação rende aos participantes benefícios como redução de custo na produção, acesso a novos mercados e tecnologias, aumento do poder de barganha e troca de experiências”.

Adicionalmente, para os aglomerados de empresas com um nível expressivo de interação, cooperação e aprendizagem entre o conjunto de atores econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território14, a Redesist adota a terminologia de Sistemas produtivos ou Sistemas Produtivos Inovativos Locais. E de modo menos complexo, os APLs “são aqueles casos fragmentados e que não apresentam significativa articulação entre os atores” (Redesist, 2005 apud Matos, 2007, p. 20-21).

Em síntese, de acordo com Santos (2005, p. 51 apud Cassiolato e Szapiro, 2002; Vargas 2002), os elementos de caracterização que devem existir na aglomeração industrial produtiva para que seja considerado como um arranjo produtivo local são: a diversidade de atividade e atores econômicos, políticos e

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O território não se reduz à sua dimensão material ou concreta, apresentando uma variedade de dimensões, tais como: física; econômica; sócio-política; simbólica (incluindo ligações afetivas, culturais e de identidade do indivíduo ou grupo social); e cognitiva (referentes às condições para a

sociais; a proximidade territorial; a importância associada ao conhecimento tácito; a existência real ou potencial de processos de inovação e aprendizados interativos; as formas de governança inerentes às relações entre diferentes segmentos de atores.

Já com respeito aos clusters, Altenburg e Meyer-Stamer (1999, p. 1964 apud Santos, 2005, p. 52) afirmam que “em sentido amplo, o termo cluster apenas retrata concentrações locais de certas atividades econômicas”, sendo que “aglomerações puras de empresas não relacionadas não dão origem à eficiência coletiva”. Pois, “dada à complexidade de padrões de interação em clusters (...) é impossível formular uma definição precisa de cluster ou estabelecer uma separação clara entre aglomerações puras (sem cooperação) e clusters complexos, com fortes externalidades”.

No entanto, para estabelecerem essa relação, Altenburg e Meyer-Stamer formulam o que chamam de definição operacional de cluster, “baseada em variáveis mensuráveis” (Santos, 2005, p. 53). Pois, para aqueles autores, “um cluster é uma aglomeração de tamanho considerável de firmas numa área especialmente delimitada com claro perfil de especialização e na qual o comércio e a especialização inter-firmas é substancial (Altenburg e Meyer-Stamer, 1999, p. 1964).

Para Porter, autor que estuda os clusters e grande propagador de sua definição, relata, em sua análise sobre a vantagem competitiva das nações, que os clusters podem ser considerados como um motor da economia capitalista moderna. Para este autor, cluster pode ser entendido como uma “concentração geográfica de empresas inter-relacionadas, fornecedores especializados, prestadoras de serviço, empresas em setores correlatos e outras instituições específicas (universidades, órgãos de normalização, associações comerciais), que competem, mas também cooperam entre si” (Porter, 1999, p. 209-210).

Nesse sentido, autores que se preocuparam com a caracterização de um cluster e sua comparação com outras terminologias de aglomerados industriais (Amaral, 1999; Santos, 2005), se depararam com a interpretação de que “a idéia de cluster está mais próxima da idéia de um ‘modelo’ propriamente, que assume um caráter mais normativo15 (...) não existindo consenso sobre as características principais de um cluster” (Santos, 2005, p. 53). Os autores dão destaque à questão dos laços históricos do aglomerado e ao papel da cooperação na geração de

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Santos (2005, p. 53) relata que o indicador claro desse aspecto é o fato de se encontrar com

freqüência na literatura sobre cluster a solução do “diamante” proposto por Porter, “uma solução forte e

competitividade; outros apenas ao papel da concentração das empresas que geram externalidades.

Outro ponto de debate entre os autores se refere ao tamanho das empresas que se inter-relacionam no aglomerados para que este seja caracterizado como um cluster. Conforme Amaral (1999 apud Santos, 2005, p. 54), a estratégia, aparentemente proeminente de um cluster, está muito mais próxima da grande empresa, com produção flexível, que propriamente da pequena produção flexível. Do mesmo modo, existe um corrente marshalliana de autores que utiliza também o conceito cluster para tratar aglomerações de pequenas e médias empresas, independente se há apenas a inter-relação entre essas empresas, ou se também há a relação de cooperação entre as pequenas empresas com uma grande empresa âncora do aglomerado.

Com relação aos Distritos Industriais, utilizando o conceito de Distrito Industrial Italianos, são caracterizados por um grande número de empresas envolvidas em vários estágios da produção de um produto homogêneo, com forte participação de empresas de pequeno porte. De acordo com Pyke, Becattini e Sengenberger (1990), muitos desses distritos foram encontrados no norte e nordeste da Itália, região posteriormente denominada de Terceira Itália, com especialização em diferentes produtos, de maneira que essa experiência inspirou pesquisas em distritos industriais em diversas regiões de países desenvolvidos, primeiramente na Europa e posteriormente no Japão e Estados Unidos.

Ainda conforme estes autores, a grande identidade no modelo destes distritos industriais italianos está na adaptabilidade e na capacidade de inovação articulados à capacidade de satisfazer rapidamente a demanda, com base numa força de trabalho e redes de produção flexíveis. Desse modo, no lugar de estruturas verticais tem-se um tecido de relações horizontais, no qual se processa a aprendizagem coletiva e o desenvolvimento de novos conhecimentos e combina-se concorrência e cooperação. Pois, a interdependência orgânica entre as empresas origina uma coletividade de pequenas empresas que se credencia à obtenção de economias de escala, somente permitida a grandes empresas (Ibid, 1990).

Porém, como apontou Markusen (1995) a diferença substancial entre os distritos industriais marshallianos do final do século XIX e os italianos do período recente é que, na experiência italiana, percebe-se a importância do estabelecimento de ações conjuntas deliberadas entre os diversos produtores especializados e

concentrados. No caso dos distritos ingleses do final do século XIX, a competitividade dos produtores estava mais associada às externalidades positivas geradas pela aglomeração. Todavia, a despeito da importância da recuperação dos pressupostos dos distritos industriais marshallianos, e a versão contemporânea da Terceira Itália, os autores não restringiram a análise a experiências com essas características. Isso significa que os estudos, empíricos ou conceituais, admitiram a insuficiência da abordagem dos distritos industriais para a investigação das diversas experiências de aglomeração de produtores. Markusen (1995), inclusive, procurou avançar no sentido de apresentar uma morfologia de redes locais de empresas, partindo das principais diferenças que marcam cada uma das diversas experiências empíricas. Na verdade, o pressuposto da análise da autora é que o caso dos distritos industriais é insuficiente para abarcar um extenso conjunto de experiências em que a aglomeração dos produtores exerça um papel importante. (Garcia, 2001, p. 59).

Já com respeito à formação dos distritos industriais, Garcez (2000, p. 357) considera que surgem quando uma aglomeração produtiva desenvolve mais que a especialização e divisão do trabalho entre empresas. Ademais, existe a emergência de formas implícitas e explicitas de cooperação entre agentes econômicos locais no interior dos distritos, que levam ao incremento da produção local e, em alguns casos, da capacidade de inovação, e a manifestação de fortes associações setoriais que ensejam o desenvolvimento da eficiência coletiva.

Sobre a caracterização das diversas incidências dos distritos industriais em diferentes países e épocas, Markusen (1995, p. 18) sugere a seguinte tipologia:

a) Com respeito aos Distritos Industriais Marshallianos, referem-se a regiões com uma estrutura econômica onde preponderam pequenas empresa locais, nas quais as economias de escala são poucos significativas, o que limita o tamanho do negócio; b) Sobre os Distritos Industriais Italianos, caracterizam-se pelo elevado nível de intercambio de pessoal entre os atores envolvidos, pela cooperação entre os competidores visando à estabilização dos mercados e pela definição conjunta das estratégias;

c) Os Distritos Industriais Centro-Radicais são aqueles nos quais toda a estrutura da região gira em torno de uma ou mais empresas ou unidades industriais, denominadas firmas-chave. Elas congregam em torno de si fornecedores e outras atividades correlatas e é alto o grau de cooperação entre as firmas-chave e os fornecedores locais. Esse tipo de distrito gera uma especialização regional, com baixa taxa de

renovação no rol de empresas-chave. Nesse tipo de distrito, a região é muito dependente do dinamismo das firmas mais importantes para a manutenção de capacidade de reinvestimento.

d) Os Distritos Industriais Plataformas Satélites resultam da congregação de filiais de multinacionais ou grandes corporações, instalados em regiões com baixos salários e baixa carga tributária. Nesse tipo de distrito, há uma reduzida vinculação entre as firmas da localidade, sendo que as decisões mais importantes de investimentos são tomadas fora do aglomerado de empresas; e

e) Por fim, os distritos Industriais Ancorados pelo Estado, que são estruturas cujo dinamismo é dependente de uma ou mais instituições públicas, isto é, há a participação incisiva de universidade, centros de pesquisa, base militar, etc. para a gestão e gerenciamento deste distrito, de modo que toda a estrutura dos negócios do aglomerado local é dominado por essas instituições.

No caso brasileiro, vale ressaltar a alerta para a interpretação e análise dos distritos industriais. Pois há uma grande diferença entre a definição de distrito industrial europeu e o que é geralmente denominado de distrito industrial nas cidades brasileiras. No caso do Brasil, um distrito é definido por “um conjunto de lotes com empresas de vários setores”, sem nenhum comprometimento nas suas relações de cooperação, apoio ou inovação (Meyer-Stamer, 2003, p. 06).

Já o distrito industrial como um conceito de aglomeração industrial produtiva, que prega pelas vantagens competitivas através da atuação conjunta das empresas de um mesmo segmento ou de segmentos complementares; traz uma característica essencial: da concentração geográfica; da especialização setorial; bem como da forte presença e influência do entorno sócio-cultural comum.

Nesse contexto, apresentados os conceitos de arranjos produtivos locais, clusters produtivos e distritos industriais, faremos uso do mesmo questionamento proposto por Santos (2005, p. 56): esses conceitos são distintos ou formas alternativas de nomear o mesmo fenômeno? Esses conceitos envolvem, em maior ou menor grau, concentração de pequenas e médias empresas em um território geograficamente delimitado; os conceitos assumem que uma aglomeração produtiva envolve um conjunto específico de atividades econômicas correlacionadas e apoiadas sobre uma extensa teia de relacionamentos. Adicionalmente, a análise dessas definições mostra que as mesmas “designam diferentes formas de cooperação entre firmas e outras instituições (...) atendem a uma mesma necessidade: corrigir, por meio da ação

coletiva, as diferentes falhas que prevalecem nos mercados em que elas atuam” (Santos, 2005, p. 57).

É pela proximidade dos elementos que caracterizam os diferentes conceitos de aglomerações produtivas, que se torna difícil a diferenciação inequívoca dos mesmos. Pois, é comum entre os autores a referência aos APLs, de maneira indistinta, como cluster ou distrito industrial.

Também, como observa Santos (2005), tanto nos APLs como nos distritos industriais italianos, um ponto específico está no fato de que grande parte da produção e do emprego é gerado por empresas de pequeno e médio porte.

Em síntese, a interpretação realizada por Santos (2005, p. 57) sobre esses conceitos de aglomerações produtivas, traz o entendimento de que:

“(...) cada uma das definições enfatiza determinados aspectos das aglomerações produtivas. Porém, no que concerne ao eixo de análise pode-se afirmar que são conceitos diferentes, que estão ligados às várias abordagens existentes, ou seja, depende do referencial teórico que está sendo utilizado. Independente da nomenclatura ou da metáfora que se utilize, seja cluster, distrito industrial ou arranjo produtivo local, parece não haver dúvidas de que, qualquer que seja o referencial teórico utilizado, trata-se de um fenômeno identificado com um sistema social de produção, com menor ou maior complexidade, que se reproduz sobre certo território”.

Assim, para o estudo descrito nessa dissertação – que incorporou a dimensão territorial como uma unidade própria de análise que define o espaço onde processos produtivos têm lugar – o conceito que servirá de base para a descrição empírica apresentada nos próximos capítulos é o de arranjo produtivo local.

CAPÍTULO 2. Políticas para o fomento dos Arranjos Produtivos Locais no