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Dos divulgadores e do aumento do dano ao longo do tempo

Conforme preambularmente indicado, o elaborador de conteúdo ofensivo a determinada (s) pessoa (s) nem sempre é o único a responder pelo assedio virtual ocasionado. Juntamente deste, podem ser chamados, pelo lesado, todos os responsáveis pela divulgação e compartilhamento.

Embora não seja o elaborador do conteúdo, o divulgador deve ser chamado para os feitos indenizatórios, vez que este é quase igualmente responsável pelo dano causado. Neste sentido, cabe novamente expor os artigos base da responsabilidade civil contidos no Código Civil Brasileiro:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. [...]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002)

Em se tratando da aplicação dos referidos dispositivos ao caso do presente tópico, resta possível constatar a responsabilidade do divulgador do conteúdo no momento em que incorre em ato – o compartilhamento não autorizado – ilícito, visto que viola os direitos e garantias tratados no tópico 1.2.

De igual forma, existe um transpasse de um limite de ética, do qual o divulgador é sabedor, ao tempo do surgimento da opção de não incorrer no ato, de modo que este passa a ser desprovido de boa-fé. Ademais, trata-se de um ato imprudente e/ou negligente, ambos os critérios sujeitos ao teor do artigo 186 e, consequentemente, do artigo 927.

Assim como o sujeito tratado no tópico 2.1, o divulgador não possui uma vasta gama de pressupostos para se eximir do dever de indenizar, visto que seu ato

é facultativo e dotado de discernimento. Neste último ponto especifico, é possível que, no exercício de seu direito de defesa, argumente acerca de sua lucidez ao tempo da ocorrência do ato. Entretanto, ainda responderia pela não exclusão do conteúdo, matéria fática que ora não se adentrará.

A responsabilidade civil do divulgador pode ser classificada – em aplicação ao presente caso – como jurídica, civil, subjetiva, mediante ação de natureza ilícita, extracontratual e direta.

Trata-se de responsabilidade subjetiva, de forma igual à responsabilidade do agente direto. O ordenamento jurídico e a jurisprudência se utilizam da regra geral da responsabilidade subjetiva quando comprovada a ilicitude do ato, a culpa, o dano devidamente qualificado como tal, e o nexo causal.

Nestes termos, a título exemplificativo, vide o seguinte trecho da decisão proferida na Apelação Cível nº 70074948746, da quinta câmara cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Veja-se que a responsabilidade civil subjetiva constitui regra geral no nosso ordenamento jurídico, fundada na teoria da culpa. Além da prova da culpa ou dolo na conduta, é necessário comprovar o dano patrimonial ou extrapatrimonial suportado por alguém.

As hipóteses em que o ordenamento admite a responsabilização independentemente de se comprovar a culpa (responsabilidade objetiva) ou o dano, sendo este presumido ou in re ipsa, são exceção à regra. (RIO GRANDE DO SUL, 2018)

A divulgação do conteúdo ofensivo se trata de uma ação, não podendo se falar em uma omissão, eis que o compartilhamento somente poderá se efetivar mediante ação direta e dolosa de alguém.

Do mesmo modo, trata-se de uma conduta ilícita, logicamente classificada como tal tendo em vista a ausência de direito ao compartilhamento, ao lado do transpasse do direito de informação e consequente invasão ao direito à intimidade, comumente relacionado ao fato de o conteúdo não se tratar de informação, mas tão somente a mera captura indevida de momento do qual a pessoa lesada não tenha o

interesse em ver divulgado, seja uma imagem, vídeo, texto, dentre outras espécies de conteúdo.

Ao lado da questão do ressarcimento do abalo moral, existe mais um fator que envolve a responsabilidade civil do divulgador, o qual se refere à possibilidade do aumento do dano ao longo do tempo. Tal fator implica no quantum indenizatório, conforme preceitua o Código Civil.

Neste sentido, cabe salientar que a fixação de uma monta indenizatória, a título de danos morais, não é pré-fixada no ordenamento jurídico brasileiro, cabendo assim ao julgador estimar, conforme seu entendimento jurídico, bem como da análise do caso concreto, o valor que poderá proporcionar ao lesado uma situação semelhante a um retorno ao status quo ante em relação ao fato litigioso.

Neste sentido, nas palavras do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 399), “em todas as demandas que envolvem danos morais, o juiz defronta-se com o mesmo problema: a perplexidade ante a inexistência de critérios uniformes e definidos para arbitrar um valor adequado”.

O Código Civil Brasileiro, nos termos do caput do artigo nº 944, dispõe que “a indenização mede-se pela extensão do dano” (BRASIL, 2002). Neste caso, tendo em vista o surgimento de uma situação, na qual ao dano é possibilitado um risco de se perpetuar nas redes virtuais, verifica-se uma extensão gradativa do dano, oportunizando vasta discussão.

Dito de outro modo, no momento em que o conteúdo ofensivo é inserido na rede, inexiste garantia de que eventual condenação indenizatória irá efetivamente suprir o dano causado, eis que incerta a probabilidade de êxito na exclusão. Eis a questão a ser analisada no caso concreto.

Em se tratando do entendimento dos atuais julgamentos, cabe ressaltar, de antemão, que o quantum indenizatório é fixado de forma igualitária para o elaborador e para o divulgador, tendo em vista a natureza do dano causado, de forma que pouco importa a forma com a qual fora causada. Ao passo que ambos os

agentes lesantes possibilitaram que o conteúdo ofensivo fosse inserido no vasto e inalcançável mundo virtual, estes devem arcar com as consequências relacionadas à reparação civil em favor do lesado.

Quanto à aplicação do problema apresentado, verifica-se que tal diferencial permanece no campo abstrato, ao passo que os tribunais preferem se utilizar da fundamentação padronizada, baseada no caráter punitivo-pedagógico da indenização por dano moral, bem como no balanceamento entre os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Neste sentido, segue ementa da Apelação Cível nº 70074948746, prolatada pela desembargadora relatora da quinta câmara cível do TJRS:

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE

CIVIL POR OFENSAS MORAIS. PRELIMINAR

CONTRARRECURSAL DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO

AFASTADA. INOVAÇÃO RECURSAL. RECURSO NÃO

CONHECIDO NO PONTO. OFENSAS COMPROVADAS. DANO

MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO

MAJORADO. [...]. 4. Em relação ao quantum do dano moral, este deve possuir dupla função, qual seja, reparatória e pedagógica, devendo objetivar a satisfação do prejuízo efetivamente sofrido pela vítima, bem como servir de exemplo para inibição de futuras condutas nocivas. Nesse sentido, a reparação deve ser fixada com base nos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como nos elementos que devem ser considerados na quantificação, tais como a gravidade do fato, a intensidade e duração das consequências, a condição econômica das partes e o duplo caráter (compensatório e punitivo) da medida. [...]. (RIO GRANDE DO SUL, 2018)

Diante do acima exposto, verifica-se que o fator que acaba por acarretar na majoração do quantum, em verdade, é o elemento da extensão do dano, o seja, o tamanho do conteúdo divulgado. Ao levar em conta o fato de o dano ser de igual natureza entre o elaborador e o mero divulgador, o julgador não dá, em regra, tratamento diferenciado, o que não obsta a análise de eventuais peculiaridades.

A questão do aumento do dano, pela extensão gradativa do risco de permanência do conteúdo ofensivo na rede, mesmo após a determinação judicial para que este seja retirado, se equipara ao básico fundamento do dano moral

adotado pela doutrina e recepcionada pela jurisprudência, no sentido de que este não pode ser estimado, ao passo que a pessoa não detém a certeza de que o conteúdo será efetivamente apagado de sua biografia.

Assim, ambos os fundamentos geram a mesma incerteza, de modo que o julgador passa a fixar o quantum conforme a “gravidade do fato, a intensidade e a duração das consequências” – ocasião na qual se presume que ali estão computados os riscos em comento – e os elementos econômicos limitadores que levam em conta as condições do condenado.

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