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5. ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

5.8 DOS LOCAIS E ENUNCIADOS

Outro ponto que considero importante ser mencionado são os locais onde ocorreram as entrevistas, pois esses ao meu ver estão ligados a todo uma gama discursiva e dispositivos que serão melhor desenvolvidos no transcorrer desta pesquisa.

Alex chegou em um dia nublado, em que posteriormente a esse compromisso comigo ele tinha orientação referente ao término do TCC. O local escolhido foi o Centro de Reabilitação no qual trabalho como fisioterapeuta e no qual Alex já fora usuário. Esse centro situa-se dentro da universidade, no mesmo bloco em que os cursos de Fisioterapia e Educação Física estão alocados. Nossa entrevista aconteceu no 3º andar e sua orientação ocorreria no 1º andar. Foi escolhido esse lugar devido à comodidade que Alex teria para realização de seus compromissos posteriores. Contudo, torna-se interessante quando descrevo o cenário em volta. Nossa entrevista ocorreu em uma sala com uma ampla visão panorâmica do campo de futebol e da pista atlética onde Alex realiza suas atividades acadêmicas. E nesse momento o time de futebol estava treinando. Então Alex tinha durante toda a entrevista o cenário que mais lhe agrada e é corriqueiro: o campo de futebol.

Em relação à Frida, foi escolhido um local também bastante familiar para ela e para mim, o bloco dentro da universidade onde atualmente se situa o Mestrado e que também abriga os cursos de Administração. Eu já havia trabalhado nesse bloco por um longo período, pois antes de trabalhar como fisioterapeuta na universidade eu desempenhei as funções de secretário nesse local, o que me traz muitas recordações e um lado afetivo bastante forte, pela trajetória profissional que construí e também pelos inúmeros professores que passaram por ali em tal período que tive a oportunidade de dialogar - inclusive foi num desses corredores que meio sem querer conheci minha orientadora de maneira despretensiosa.

Mencionei esse contexto para expor que Frida e eu marcamos a nossa entrevista próximo às 14h00, também em um dia nublado. Ela estava em um compromisso com seu grupo de pesquisa e fiquei a sua espera sentado em um banco no corredor, enquanto me perdia em lembranças. Frida aparece com sua mãe. Não sabia ao certo onde seria a entrevista, se em uma sala de aula ou em outro local do bloco. Segui Frida e sua mãe e percebi que elas se aproximavam de uma porta que fica no fundo do corredor, quase desapercebida. Este local na minha época de secretário era pouco utilizado e um dos que quase não adentrei. Para minha surpresa vi que esta sala agora havia se transformado na sala da Frida. A universidade havia cedido esta sala para Frida e sua mãe como uma forma de acolhimento e suporte para suas necessidades. Durante um compromisso e outro era ali que Frida e sua mãe podiam descansar. Minha surpresa era ver que tal sala antes esquecida e desabitada agora tinha um tanto de vida, um sofá no qual me sentei para realizar a entrevista, uma mesa para estudos ao lado de onde a mãe de Frida ficou acomodada, e Frida a minha frente. Esquecemos de ligar a luz e fizemos a entrevista a meia sombra.

Onde estávamos, me veio em mente, um espaço heterotópico, que jamais havia vislumbrado estar assim. Em meio a todo um contexto acadêmico de produtividade e de aceleração estava ali no fundo do corredor essa caixa. Chamo de caixa porque entendo que esse espaço onde se realizou a entrevista pode ser utilizado de uma forma análoga à caixa que Frida confeccionou para a sua dissertação. Nessa caixa, que resultou de sua pesquisa, Frida colocou objetos que remetiam às mulheres artesãs, fez alguns recortes de papel, de tecido e colagens com gravuras e textos. Através dessa caixa e das articulações teóricas a ela relacionadas se pode ver como o trabalho das artesãs fora redimensionado pelo olhar de Frida.

Assim como essa sala que por hora pertencia à Frida (fora lhe concedido a chave da sala), era uma caixa aonde Frida estava colocando suas coisas, escrevendo e rescrevendo sua trajetória como sujeito, redimensionando as experiências vividas no afora, tendo um espaço no meio das bases sólidas e concretas do meio acadêmico para observar, sentir e retomar o fôlego

para, de certa maneira, acarinhar e dar abrigo àquilo que por muitas vezes pode ser insuportável, sua própria condição de existência.

Brigitte foi a última entrevistada, ainda não sabia como proceder à entrevista pois ela era dos três a única que residia fora de minha cidade. Foi a única também a não ser entrevistada dentro de uma universidade. No final de maio de 2019, em uma sexta-feira, consegui agendar a entrevista com Brigitte presencialmente, marcamos de nos encontrar após sua aula de inglês em um café próximo ao local onde havia tido aula. Já estava quase escurecendo, adentrei o café a procura de Brigitte um tanto nervoso, pois diferentemente dos outros participantes, Brigitte também era a única que eu não conhecia. Ela me esperava sentada em uma mesa mais ao fundo do café. Não era um local escondido, mas também não tão aparente. Foi uma entrevista muito interessante, eu sou um principiante no oficio de entrevistador, também não sou muito afeito a locais públicos onde circulam muitas pessoas. Deslocar-me a outra cidade e conhecer alguém para entrevistá-lo, em um local igualmente desconhecido, não é algo que me deixe confortável. Contudo, Brigitte sabe se expressar muito bem, sua forma de falar torna o enredo que já é cativante ainda mais interessante, o que me fez esquecer do que me cercava, das pessoas, dos seus modos de agir, de suas reações.

Falo isso porque, como veremos a seguir, assim como Brigitte, fico atento às reações, à forma como as pessoas nos olham, se comunicam, pois, ao entrar em algum lugar, causamos um misto de sensações. Não vi Brigitte entrar no local, quando cheguei ela já estava sentada, sua prótese estava meio encoberta pela mesa, tampouco a vi sair. Mas o que mencionei me faz lembrar da minha própria condição, quando estou sentado pareço um sujeito “normal”, contudo quando me levanto e me movimento, quando círculo, a minha condição “anormal” fica aparente e desperta reações distintas de quando estou sentado.

Desse modo, além de dar mais características ao cenário no qual realizei as entrevistas, o intuito desta exposição também é demonstrar as suas relações com certos enunciados regulares nos discursos desses estudantes, a saber: O futebol para Alex, a caixa para Frida e as reações para Brigitte. Nas análises poderemos observar melhor esse movimento que os enunciados citados realizam. Por vezes, servem a um processo de normalização e otimização, em outros se colocam em um campo crítico, de possibilidades de criação, de uma certa escandalização de suas condições de existência e uma atitude de coragem de colocar suas verdades, às vezes necessária para conviver com aquilo que pode ser insuportável.

6. ENTRE VERDADES, AGONÍSMOS E SUBJETIVAÇÕES: A CONSTITUIÇÃO