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dos projetos, idéias e temas

No documento Olhar (-se): pela poética na arquitetura (páginas 164-170)

Existe uma identificação entre os meus projetos e os dos arquitetos aqui observados na ênfase dada à luz. Mas assim como o espaço intersticial é hoje valorizado, a luz difusa é preferida em relação à luz direta.

A continuidade visual entre o exterior e o interior tão apreciada pelos arquitetos modernos – presente também em meus projetos – parece ter perdido o valor na arquitetura mais identificada com o Minimalismo dos anos 90. Nela, os materiais translúcidos apenas sugerem a transparência. A visão é parcial, tanto de dentro para fora quanto de fora para dentro.

O espaço interno transforma-se numa espécie de limbo, que não parece pertencer ao exteri- or nem ao interior. Assim etérea, a luz desmaterializa o edifício. A visão parcial tem a ver também com a ambigüidade, valor caro ao pensamento pós-moderno.

Arquitetura é o jogo sábio e magnífico dos volumes sob a luz.

Le Corbusier

Como observou Le Corbusier, a luz natural realça o volume que, por sua vez, a torna visível para nós. Assim, acostumamo-nos a vê-lo como um objeto iluminado. A luz interna, vista de fora através da superfície translúcida, torna-o luminoso como uma lanterna – imagem usada por Herzog & de Meuron para descrever sua galeria Goetz, em Munique. Isso também significa desmaterialização: na lanterna, o que importa é a luz que ela produz, não ela em si.

A fluidez interna – poderíamos dizer a transparência interna – da arquitetura moderna, desvalorizada pelos pós-modernos é hoje retomada tanto no edifício como na cidade. A continui- dade espacial é, além disso, reforçada pelo movimento das pessoas – como para criar a imagem da metrópole. A visão do movimento dos corpos parece ser tão importante quanto a percepção do espaço pelo corpo em movimento, que se dava na promenade corbusieriana e em meus edifícios. Os espaços intersticiais concentram as pessoas, para a criação da imagem da massa.

O espaço teatral de certas obras já foi observado na história da arquitetura, mas o “espaço

cinematográfico” é uma novidade. Talvez ele tenha sido sugerido pelos desenhos facilmente gera- dos a partir de inúmeros pontos de vista, pelos programas de computador.

Os recuos obrigatórios apropriados em meus projetos poderiam ser chamados de residuais. Eles se assemelham aos atuais espaços intersticiais de que falam os arquitetos. Estes ficam entre a

pele do edifício e um volume interno ou no interior de uma pele dupla, onde podem se instalar equipamentos, ou por onde a ventilação natural é forçada pela diferença de temperatura entre o piso e a cobertura do edifício. A estrutura aloja-se muitas vezes nestes espaços, como se quisesse

transformar-se também em pele.

A composição de volumes é substituída pelo bloco discreto e de forma pura nas obras ditas minimalistas. Em outras, os volumes se articulam, mas não pelo critério da harmonia. A forma de volumes compostos é às vezes substituída pela forma contínua, que reforça a idéia de pele.

Meu segundo projeto para o Itaú em Presidente Prudente, com revestimento em blocos de concreto em todas as fachadas, antecipa a idéia da simplicidade da arquitetura dita minimalista, assim como a de pele.

Quanto à forma, podemos dizer que ela vem sendo abandonada como ponto de partida do projeto, e que não é mais determinada pelo tradicional critério da harmonia: Siza faz a abstração de formas conhecidas; nos projetos de Bolles e Wilson, Koolhaas e MVRDV ela, muitas vezes irônica nos dois últimos, é inspirada no programa – embora não determinada por ele. Em Mendes da Rocha a forma nasce de uma visão poética da técnica. Tschumi, Herzog e Toyo Ito encontram- na a partir de um conceito. Foster e Rogers justificam-na pelo comportamento ecologicamente correto. Em Moneo a forma é às vezes metafórica. Gehry combina racionalismo e formalismo. Zaha pode ser considerada a mais formalista, por partir da forma.

Nos meus projetos, em geral, o espaço e a promenade são mais importantes que a forma.

A referência a tipologias antigas ou vernáculas, advinda da concepção da arquitetura como linguagem, só aparece nos projetos de Alvaro Siza e de Bolles & Wilson. Entretanto, Koolhas alerta para a necessidade de invenção de novas tipologias para os complexos programas que se apresen- tam na atualidade e o grupo MVRDV preocupa-se com tipologias que atendam ao adensamento populacional urbano. Portanto, a questão da tipologia, embora pouco presente no discurso atual, parece ainda inesgotada.

A estrutura quase nunca é mais vista como a expressão da técnica, e apresenta-se de maneira discreta, na maioria das vezes confundida com a pele ou com os espaços servidores. Siza – em um único projeto – e Mendes da Rocha tratam a estrutura poeticamente. A evolução dos meus projetos pode ilustrar a crise que antecedeu a essa mudança.

A maioria dos arquitetos continua fiel ao tectônico: Siza, Gehry, Herzog e de Meuron, Bolles e Wilson, Mendes da Rocha, Moneo, Foster, Rogers e Ito. Koolhaas, o MVRDV e Zaha não o problematizam e Tschumi, Nouvel o negam.

A idéia de sistema, cara à Arquitetura Moderna e presente em meus projetos, permanece nas obras de Gehry, Herzog e de Meuron, MVRDV, Foster e Rogers.

A sedução da matéria está presente na maior parte da produção da década de 90, com uma intensidade inexistente em toda a história da arquitetura. Entre as razões possíveis para esse fenôme- no, sem dúvida está o nosso desconforto diante da hegemonia da imagem no nosso mundo.

O ressurgimento das questões da percepção visual – outro tema que merece um estudo mais aprofundado – parece ser o resultado da observação de alguns arquitetos de uma mudança em curso considerada muito importante: já acostumados à onipresença da imagem, nossos sentidos estariam não só se satisfazendo com a bidimensionalidade, como também a exigindo. É como se a imagem para nossos sentidos já fosse tão material quanto as coisas tangíveis.

A estética do sublime ressurge com a valorização do acachapante, pelo uso de materiais que confundem o olhar, destruindo com seu brilho as referências de distância e profundidade. A emo- ção que eu buscava em meus projetos com as mudanças bruscas de pés-direitos parece hoje não satisfazer às expectativas de alguns arquitetos, como Jean Nouvel, Zaha Hadid e mesmo Frank Gehry, cujas obras chegam a provocar desconforto.

A dimensão social da arquitetura parece estar localizada hoje principalmente na preocupa- ção em gerar espaços públicos através da forma e da implantação dos edifícios. Essa preocupa- ção, que pode ser notada em Gerhy, Siza, Foster e Rogers, aparecia em alguns de meus projetos – mesmo que timidamente. Bolles e Wilson expressaram a crença na capacidade catalisadora do edi- fício nos processos de revitalização e criação da cidade.

Mas a cidade é também imagem poética para o edifício, em obras de Nouvel, Ito, Koolhaas e Zaha. A procura consciente dessa imagem no projeto parece ser um dos procedimentos novos da arquitetura.

Conclusão

7.1. RESUMO

No capítulo 1 condensei as entrevistas publicadas com os 14 arquitetos (ou duplas), destaquei delas idéias e temas, que foram intercalados com pequenos textos de esclarecimento e alguns co- mentários.

No capítulo 2 refleti sobre os temas recorrentes, destacando os polêmicos, os que se apresen- tavam como uma reinterpretação de temas caros à Arquitetura Moderna e os novos.

Considerei como temas polêmicos os da disciplinaridade, do tectônico e da forma. Como temas reinterpretados, os da materialidade, de uma nova percepção visual, da ambigüidade, da bidimensionalidade, do espaço, da perspectiva, da escala, da relação entre arquitetura e natureza, da representação da natureza e da relação entre o edifício e cidade.

No capítulo 3 analisei pelo menos uma obra de cada arquiteto, procurando correspondências com seu discurso.

No capítulo 4 apresentei meus projetos, reportando-me ao momento de sua elaboração. No capítulo 5 fiz uma reflexão sobre meus projetos à luz dos valores da Arquitetura Moder- na, destacando algumas reinterpretações pessoais dos mesmos.

No capítulo 6 fiz uma análise comparada entre projetos, idéias e temas contidos nos meus projetos realizados entre 1970 e 1990 e os dos arquitetos realizados a partir de 1990.

7.2. RESULTADOS

A hipótese de que as poéticas – alojadas no discurso e nas obras dos arquitetos – sejam importantes para a elaboração de uma teoria da arquitetura no momento atual parece ter sido comprovada. Esta conclusão baseia-se na constatação de que todos – ou quase todos – demonstra- ram estar empenhados na elaboração de critérios e objetivos legitimadores da sua arquitetura.

Poderíamos falar também de uma tendência para o conceitual. Mas uma arquitetura conceitual não necessariamente resulta de uma teoria ou de conceitos predeterminados.

Podemos chamar de conceitual as arquiteturas que adotam para cada projeto uma idéia norteadora particular, como as de Herzog & de Meuron e Rem Koolhaas, ou aquelas em que alguns conceitos direcionam todas as obras de uma determinada fase, como as de Jean Nouvel e Bernard Tschumi.

Todos os arquitetos aqui estudados têm em comum o abandono do determinismo no pro- cesso de projeto. No seu lugar, a poesia aparece, propondo novas maneiras de ver a natureza e a

cidade, desestabilizando os valores herdados. Mesmo os que ainda celebram a tecnologia, como Norman Foster, Paulo Mendes da Rocha e Richard Rogers o fazem através da poesia.

7.3. CONTINUIDADE E CONSEQÜÊNCIAS

DO TRABALHO

No documento Olhar (-se): pela poética na arquitetura (páginas 164-170)

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