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Uma visão pessoal

No documento Olhar (-se): pela poética na arquitetura (páginas 170-172)

Posso dizer que embora tenha me afastado do tectônico no final do percurso analisado, não compartilho a idéia de que ele está morto. Mas para mim a arquitetura não se esgota na construção, só se completando no encontro com a poesia.

A obra de Herzog e de Meuron me parece muito rica, por responder a inúmeras questões colocadas, desde os anos 60, em vários campos da cultura, especialmente pelas artes plásticas, sem, ao mesmo tempo, abandonar as especificamente arquitetônicas. É uma resposta interessante justa- mente porque consegue aliar a transdisciplinaridade sugerida pelo nosso tempo e a necessária auto- nomia da arquitetura.

Como os artistas do Minimalismo e da Arte Conceitual, nas artes plásticas, Herzog & de Meuron abandonaram todo o formalismo da arquitetura moderna. A arte conceitual, na década de 60, não só o abandonou, mas, na esteira de Marcel Duchamp, também outros valores ligados à modernidade, como a obra de arte como um objeto aurático e único, e conseqüentemente o artista como um gênio criador que se expressa na obra, por sua vez legitimada pelas instituições galeria e museu. Nos Estados Unidos, onde se iniciou, a arte conceitual rejeitou o expressionismo abstrato, movimento importante que deslocara o centro da arte da Europa para os Estados Unidos na década anterior. Com isso, a pintura de cavalete cedeu lugar às performances, às instalações e a uma arte fortemente marcada pela linguagem. Houve, portanto, uma tendência à desmaterialização do objeto. No caso do Minimalismo, a presença do objeto foi mantida, até mesmo com muita ênfase, embora numa escala e numa relação com o espaço que o afastava das noções clássica e moderna de escultura como objeto autônomo. Podemos dizer que, como os minimalistas, Herzog e de Meuron reforçam a presença do objeto arquitetônico e, como os artistas conceituais, procuram critérios não formais para a sua invenção. Mas a sua obra recusa, além do formalismo, “qualquer ideologia, religião ou seita”. A idéia e o conceito partem de outras motivações. O “motivo conceitual” pode vir da arte, das ciências, da fotografia.

Herzog e de Meuron, embora se inspirem em questões e procedimentos de áreas externas à disciplina, produzem uma obra de reconhecido valor arquitetônico. A meu ver isso se deve em parte ao caráter tectônico da sua obra: a ênfase na sua materialidade, mas também a expressão da articulação dos materiais e dos espaços, a necessária presença na cidade pelo volume discreto, mas carregado de contaminações do exterior, a questão da contradição entre a tendência à permanência e a transitoriedade, que a arquitetura compartilha com a fotografia.

Jacques Lucan, no texto Architecture face à face avec la matière, afirma que a arquitetura de Herzog e de Meuron é uma tautologia e não uma tipologia. Isso porque – paralelamente à mesma tendência nas artes plásticas contemporâneas – a obra é que diz o que é arte, o que é arquitetura. Os arquitetos confirmam:

Nós encaramos a arquitetura como a pintura ou a escultura, porque não tratamos um piso, uma parede ou um teto como dados auto-evidentes.

Os arquitetos também confirmam seu interesse pela mistura de disciplinas, quando falam da influência do artista alemão Joseph Beuys:

Ficamos fascinados com a mistura de ciência e humanidades, religião, escultura, pintura, medicina, beleza e feiúra.

Sobre a necessidade da materialidade, a presença da obra, como forma de sobrevivência da arquitetura:

A experiência no local, a confrontação com esses edifícios são essenciais. Nossa arquitetura é sempre baseada na experiência física. Aliás, essa é a única maneira que tem a arquitetura de sobreviver. A arquitetura mais fotogênica – e nós fazemos esse tipo também – é mais vendável. O contato físico é prioritário e é a única maneira de a arquitetura competir com outras medias. Por que as pessoas visitam a catedral em Colônia? Porque ela propicia uma experiência do espaço que você jamais teria num filme de Spilberg, não importam quão espetaculares sejam seus efeitos especiais. É absolutamente essencial continuar aspirando essas qualidades intrínsecas da arquitetura.

No nosso trabalho tentamos refletir sobre o mundo existente incorporando-o no que fazemos. Apropri- ação no sentido de adoção de estilos, formas de conduta, modos de funcionamento, que apontam para o desejo de fazer uso do mundo existente. Essa atitude é fundamentalmente diferente do enfoque da tabula

rasa. Até um certo ponto, portanto, nossa estratégia é oposta à do enfoque modernista, embora não seja

nem anti nem pós-moderno. Poderíamos falar em uma estratégia depois do moderno. Propomos temas que foram eclipsados e em parte proibidos pelo modernismo, como o ornamento, por exemplo.

Em 1968, quando tínhamos dezoito anos, o espírito da época era uma mistura de radicalismo e ceticismo. Os anos 60 na Suíça, a rigidez original da arquitetura moderna começou a enfraquecer. A beleza cristalina miesiana perdeu seu apelo e deu lugar à fase “pop” tardia do modernismo. Nos 70, apareceram as cores suaves, o beige, o verde oliva e o ubíquo laranja, quebrando a monotonia do cinza. Nós odiávamos aquilo, instintivamente, embora não tivéssemos a consciência de que já estávamos afastados no tempo do moder- nismo e de que não voltaríamos para ele. Ao contrário: o modernismo, especialmente a arquitetura de Mies, com seu idioma formal, nos fascinava. Mas não estávamos tentando achar um lugar na tradição do modernismo, mas muito mais interessados em explorar todas as possibilidades da arquitetura, inclusive o vasto campo da arquitetura do passado, como a medieval e a renascentista. O Modernismo era parte de nossa herança. Nós não o rejeitamos inteiramente, apenas não o adotamos inteiramente. Quanto ao pós- modernismo e emergente deconstrutivismo, nós os abandonamos não porque seus idiomas fossem estranhos para nós, mas mais por serem obstáculos ao desenvolvimento do nosso próprio.

[URSPRUNG, Philip. Herzog & de Meuron. Natural History. Montreal: Canadian Centre for Architecture. 2002. p. 80]

No documento Olhar (-se): pela poética na arquitetura (páginas 170-172)

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