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3. OS CRITÉRIOS TELEOLÓGICOS DE INCLUSÃO DOS ANIMAIS

3.1.3. A doutrina de Richard Ryder

Naconecy sintetiza o pensamento de Ryder numa tentativa de conciliar a ênfase no so- frimento que se encontra no Utilitarismo, com a preocupação individualista da teoria dos di- reitos272. A partir desta síntese, já se extrai que Ryder cria uma teoria sincrética, motivo pelo

qual há certa dificuldade em classificá-lo no espectro Abolicionismo-Benestarismo. Resta pa- tente, entretanto, que Ryder é consequencialista. Isto depreende do fato de lhe ser caro a análi- se das repercussões dos atos no mundo concreto273.

Ao contrário dos autores antecedentes, Ryder não formulou uma teoria exclusivamente voltada para a resolução dos problemas éticos que envolvem animais. Com efeito, sua contri- buição nesta seara é inquestionável. Entretanto, o pensamento de Ryder pretende ter uma apli- cação universal, que transpassa nossa realidade cósmica e temporal. Isso significa que Ryder, ao elaborar sua teoria, prevê a possibilidade de seres hipotéticos capazes apenas a dor e, igual- mente, aqueles incapazes a dor274.

A preocupação de Ryder, portanto, vai além: para ele é importante que se construa uma teoria ética capaz de ser aplicável a todos, inclusive seres extraterrestres e novos seres huma- nos275. Por certo, tal posicionamento pode parecer estranho e é único ao psicólogo britânico.

Entretanto, não é destituído de razão.

De fato, o reconhecimento de Ryder quanto ao fato de mudanças da qualidade de ser hu- mano deriva-se da sua análise do especismo. Conforme já sedimentado, Ryder compreende

272 NACONECY, 2014, p. 184. 273 RYDER, 2003, p. 41.

274 LEUVEN; VIŠAK, 2013, p. 413. 275 RYDER, 2011, p. 89.

que o especismo faz parte de um continuum de preconceitos, dos quais fazem parte o sexismo e o racismo. Atento a mudanças tecnológicas que podem mudar a face da humanidade, não se- ria estranho se supor a existência de uma nova humanidade, ou mesmo robôs e extraterrestres capazes de sentir dor276.

A resposta do pensamento de Ryder é justamente que a dor, que pode ser experimenta- da, teoricamente, inclusive por alienígenas, é o fator suficiente para tornar qualquer um mo- ralmente relevante em si mesmo. Logo, não importa se a humanidade mudar, ou determinados elementos das comunidades humanas forem melhorados geneticamente. O fator de todos os humanos serem dorentes se releva como suficiente para esse autor277.

Internamente, a teoria ryderiana refuta a agregabilidade generalizada do Utilitarismo278,

sendo essa rejeição o ponto de partida para a criação desta teoria própria279. Ryder reconhece

que não é possível compensar a dor com um estado subjetivo positivo, entre indivíduos – a princípio. Esta posição se fundamenta no fato de que cada tipo de dor não é exatamente a mesma para cada indivíduo, sendo que a consciência de cada um deles experimenta a dor de uma forma distinta e própria. Haveria somente comunicações de dor, que não permitem a ver- dadeira apreensão da dor alheia280. Por isso, é possível, para Ryder, que haja a agregação de

bem-estar dentro de um indivíduo281 – isto é, compensa-se a dor atual e momentânea por sua

ausência no futuro, como o caso de procedimentos médicos.

A despeito de sua posição inflexível, baseada na não compensabilidade da dor, Ryder não adere se forma integral a uma teoria de direitos, como já se apontou anteriormente. Para ele, a teoria de direitos é falha na medida em que não consegue explicar, por si só, a resolução do conflito entre direitos282. A mensuração da dor, individualmente considerada, seria um me-

canismo para se avaliar o conflito no exercício do direito entre indivíduos283.

276 RYDER, 2009, p. 86.

277 Questionável a possibilidade de se abolir o sofrimento, inclusive a dor, como uma obrigação moral. Nesse sentido, há o movimento do Imperativo Hedonista, cujo principal representante é o filósofo britânico David Pearce. Para ele, é uma obrigação moral se abolir o sofrimento do mundo, uma vez que, tal como com - preende Ryder, o sofrimento é o mal universal por definição. Cf. PEARCE, David. Hedonistic Imperative, [s.l.]: David Pearce., 2004, p. 28. 278 RYDER, 2011, p. 75–76. 279 RYDER, 2009, p. 88. 280 Ibid., p. 89. 281 LEUVEN; VIŠAK, 2013, p. 414. 282 RYDER, 2011, p. 71. 283 Ibid., p. 84.

3.1.4. Críticas

A doutrina de Ryder, por se tratar de um pensamento menos conhecida que os demais, não é objeto de grandes considerações por outros autores. Com efeito, as pontuações realiza- das ao cunhador do termo especismo se dirigem, em geral, à refutação de críticas que o mes- mo lança a outros pensadores e escolas.

Fischer compreende que o dorismo de Ryder se compatibiliza com o discurso da maio- ria, segundo ele, dos defensores dos direitos animais, posto que os mesmos não demonstram nenhuma preocupação na promoção do aumento da felicidade na população de determinados animais, em especial peixes silvestres284.

Vicente-Arche, apesar de compreender que há uma visão mais realista e acertada sobre a situação enfrentada, delimita Ryder como um autor benestarista285. Esta autora reputa como

fundamentalistas os autores e o movimento a eles vinculados, que são filiados a corrente con- trária ao Benestarimo, o Abolicionismo Animal286 – cujo estudo fora realizado anteriormente.

Uma análise mais aprofundada do Benestarimo será feito mais adiante, quando do estudo das críticas enfrentadas por Peter Singer. Comporta afirmar, neste momento, que esta posição atrai entendimentos deslegitimadores, a exemplo do de Gary Francione, que compreende que o Be- nestarimo é uma posição moralmente indefensável e estrategicamente equivocada287.

Por fim, em uma atenta análise, pode-se questionar o fato de que a proteção que Ryder dá – sobre a dor – é fraca e não soluciona todos os problemas enfrentados pelos animais, bem como auxilia de forma ineficiente a concretização da vedação da crueldade. Certamente, quando se compreende que se é cruel quando se promove – desnecessariamente – a dor a al- guém, perde-se de levar em consideração outros aspectos da vida daquele alguém senão a dor imediata ou possível.

Trata-se o caso da liberdade ambulatorial e do convívio comunitário. Estar preso não causa dor. Pode causar sofrimento a alguém, que vê sua liberdade de locomoção e o acesso a seus iguais ceifados de si, mas não dor. E por conta disso, não haveria de se visualizar o erro

284 FISCHER, Bob. Wild Fish and Expected Utility, Bangladesh Journal of Bioethics, v. 8, n. 1, p. 1–6, 2017, p. 4.

285 VICENTE-ARCHE, Ana Recarte. The animal rights movement in the United States : some thoughts about a new ethics, REDEN : revista española de estudios norteamericanos, n. 21–32, p. 159–180, 2001, p. 165. 286 Ibid., p. 166.

nesta conduta. Entretanto, como se pode verificar na literatura especializada, a privação de certos animais a estes bens da vida possuem repercussões no seu bem-estar que são inegáveis.