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1.1 Dança e movimento: Luz ás aproximações teóricas

1.1.1 Duo: Antropologia e Dança

Dentro das temáticas abarcadas pela antropologia, a dança15 se coloca como um ponto ainda pouco estudado, se a relacionamos com outros campos de saber contemplados por esta

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Estou entendendo que uma dada atividade se caracteriza como dança através da definição de Kealinohomoku (1998). Esta antropóloga definiu a dança como o modo de expressão efêmero, executado numa forma e num estilo determinado pelo corpo humano que se desloca através do espaço. Para ela o resultado de uma atividade para ser considerada dança, deve ser vista como tal pelo dançarino e pelos membros do grupo que a integram e a observam em uma dada situação. Essa ressalva se faz importante no sentido de que estou partindo do entendimento do nativo do que se configura como dança, visto que, como afirma Kaeppler (2013) muitas sociedades realizam dinâmicas que ao modo de ver ocidental poderiam ser colocadas como dança, mas para a população que a vivencia tal atividade pode não ser considerada como tal, ou ainda o contrário, uma atividade entendida como dança no olhar do nativo, pode não ser entendida desta forma dentro dos parâmetros ocidentais.

disciplina16. Entretanto é notável, que da década de 1960 até os dias atuais, haja um crescente interesse por esta linguagem, seja por intermédio das chaves analíticas da performance e do corpo, bem como de um aumento considerável de congressos, discussões e debates acerca deste tema. (ACSELRAD, 2012).

No percurso destes estudos nota-se um diálogo com a trajetória histórica dos paradigmas da disciplina antropológica. Nos primeiros trabalhos percebe-se uma preocupação com um pensamento mais universalizante, propondo um desenvolvimento da dança dado através de uma evolução unilinear, levando a escritos, que apesar de sua importância para a reflexão atual, buscavam explicar as danças de outros povos por meio de um pensamento etnocêntrico, visualizando estas danças como primitivas e num estágio primário de sua evolução Sachs (1937 apud Youngerman, 2013). Este pensamento difunde-se até aproximandamente a década de 1950, onde cada vez mais é combatido dentro da disciplina antropológica que versa sobre dança.

A partir da década de 1960, os trabalhos que se seguem passam a ser cada vez mais influenciados pelas ideias de Franz Boas (1858-1942), partindo de sua reflexão que considera a dança como uma possibilidade para entender as culturas não de maneira generalizada, universal, mas como uma vertente que poderia dizer algo sobre a cultura em que se estabelecia. E de uma maneira geral, o início do reconhecimento da dança enquanto importante instrumento de análise das sociedades se dá de fato a partir da década de 1960 e é encabeçado por Gertrude Kurath (1960), através de sua publicação “Panorama of Dance

Ethnology”. (KAEPPLER, 1997; CAMARGO, 2011; CITRO, 2012). Os primeiros trabalhos

datados deste período buscavam relacionar a descrição do movimento e das danças através de seus antecedentes históricos, numa perspectiva difusionista e por meio de modelos advindos dos estudos do folclore e da própria antropologia. Também na década de 1960 os trabalhos comparativos entre danças de povos diferentes, ou de um mesmo povo em diferentes

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É certo que antropólogos como Marcel Mauss (1935), através do pensamento da dança como uma tipologia das técnicas do corpo e Evans-Pritchard (1928), Gregory Bateson (1958) e Margareth Mead (1939) se detiveram numa investigação da função social da dança. Mas, nestes estudos não se apresenta uma preocupação com a descrição detalhada de como essa dança era realizada e as formas estéticas por elas apresentadas. De uma maneira geral, apontavam para a dança como um elemento que tinha uma função catártica, de válvula de escape e, de compensação ou canalizadora das forças sexuais reprimidas na vida cotidiana (CITRO, 2012). Considero que estes autores, conjuntamente com Franz Boas, que através de sua perspectiva culturalista influencia grande parte dos estudiosos da dança nas sociedades, e são importantes pontos de partida para as produções e os questionamentos voltados para a dança que aparecem de forma mais contundente a partir da década de 1960.

momentos, foram foco de análise com a finalidade de pensar sobre transculturação, mudanças e continuidades17.

Já na década de 1970 surgem os trabalhos que se apóiam nas teorias lingüísticas (e enquadram-se numa abordagem mais estrutural), como também se aproximam de um pensamento da dança enquanto lugar de produção de símbolos identitários e dos aspectos sociopolíticos envolvidos nesta atividade. Dentre as antropólogas que se destacaram neste período estão Adrianne Kaeppler, Judith Lynne Hanna, Drid Williams e Anya Peterson.

Durante os anos 1980, o cunho político iniciado na década anterior passa a dominar boa parte dos trabalhos, dialogando com um pensar as relações entre movimento, corpo e cultura, adentrando em questões relacionadas à construção de identidades nacionais. Também há a preocupação em ir além das conotações etnocêntricas e universalizantes, e nesse sentido as idéias pós-modernas salientam a importância de pensar movimento ao invés de dança, e

performance ao invés de teatro, na tentativa de superar as categorias fundadas tendo como

referencial as artes ocidentais. É nesse período também que aparecem trabalhos focados nas transformações estratégicas, voltadas para pensar a dança em diversos contextos, refletindo sobre os processos de globalização, migrações e diásporas (CITRO,2012).

Nos anos 1990, as produções antes associadas apenas a Europa e América do Norte, passam também a serem elaboradas na América Latina. Ainda de acordo com Citro (2012), os trabalhos aqui desenvolvidos, tentam em sua maioria, pensar a respeito dos aspectos políticos da dança, as vinculações entre movimento cotidiano e movimento dançado, e o diálogo entre corpo e cultura. Tais trabalhos buscaram levar em consideração o processo de colonização sofrido em cada um desses países e as decorrências desses contextos nas danças desta região. Dentre as antropólogas destacadas estão a mexicana Islas (1995) e a própria Citro (2012), que utilizo aqui que é Argentina e possui uma importante produção voltada para a reflexão histórica, teórica e metodológica da antropologia da dança.

No Brasil, entre muitos dos trabalhos recentes, importante destacar as produções de Gonçalves (2010), que versa sobre a construção e transmissão da dança do mestre-sala e da porta-bandeira das escolas de samba do Rio de Janeiro, Acselrad (2013), que dialoga sobre o pensamento do corpo e da performance presente no cavalo-marinho de Pernambuco, e Sabino

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Entretanto, a crítica, liderada pelas antropólogas norte-americanas, em especial Kaeppler (1997), a estes primeiros trabalhos, se dá através da tendência destes estudos a um reducionismo dos dados (coletados de muitas danças e a dificuldade de se obter uma análise confiável diante da grande abrangência destas produções) e da existência de alguns trabalhos que levavam em consideração idéias evolucionistas (como o trabalho de Lomax, Bartenieff e Paulay, 1968) e/ou difusionistas (como os escritos da própria Kurath, 1960), abordagens que foram colocadas em questão de forma crescente pela antropologia (CITRO, 2012).

e Lody (2011), que trazem uma descrição sobre danças de matriz africana, em especial as danças dos Orixás. Também Giselle Camargo que possui uma extensa produção relacionada à dança Sufi e o ritual dos Dervixes (CAMARGO, 2002; 2006) bem como importantes reflexões bibliográficas sobre as produções em antropologia da dança (CAMARGO, 2008; 2013), as quais também me guiam nesta escrita. Além destas, Ribeiro (2011), onde se vê uma rica descrição da dança encontrada no bumba-meu-boi maranhense, e também Albernaz (2010) que versa sobre a estética (da dança, da indumentária e da música) desta mesma manifestação a partir de seu diálogo/conflito com a identidade maranhense, a indústria cultural e o turismo local. Também Zeca Ligiéro (2011; 2012), que versa sobre as danças brasileiras pelo víeis das teorias da performance e do ritual apresentadas por Richard Schechner e Monteiro (2013), que reflete sobre a ideologia que envolveu o processo de formação das danças dos Congos e os Bois-bumbás no contexto urbano setecentista, no intuito de orientar a interpretação dos enredos e dramaturgia das danças populares atuais.

Dessa forma percebe-se o foco de grande parte destes trabalhos voltado para danças encontradas no próprio país, principalmente aquelas advindas de uma motriz cultural afro e/ou ameríndia. O enfoque aponta para um posicionamento político, onde se busca dar maior visibilidade e entendimento tanto à dança, como aos indivíduos que as vivenciam, em sua maior parte colocados à margem da sociedade brasileira, dialogando diretamente com o conceito de nation building18 apontado por Cardoso de Oliveira (2006). Tendo dado esse breve panorama, e levando em conta a pergunta norteadora deste trabalho, passo agora a apresentar alguns dos aportes teórico-metodológicos que o guiam.

1.1.2 Aprendendo a olhar a dança: a importância das categorias de análise nativas e