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2. MOVIMENTOS NO ESPAÇO: ENTRE A RUA E O PALCO

2.3 Cortejado pelo Palco

2.3.2 Pensando o palco

Ao olhar estes dois espetáculos, e assistir a vídeos de outras comparsas na competição do teatro, percebo a existência de um estabelecimento de quadros que são realizados por todas as agrupações nesta situação. Ainda que a ordem dos atos seja trocada há nestas comparsas uma forte ligação com uma estrutura narrativa que deve ser apresentada, e que fica em conformidade com as diretrizes do concurso do palco. Assim tanto na comparsa Cuareim

1080 como em Senegal inicia-se o espetáculo introduzindo a narrativa que será estabelecida.

No caso da primeira comparsa o fio confutor se baseia em um ambiente fantástico, enquanto na segunda em um tema atual, mas que ao mesmo tempo dialoga com a fantasia (através dos animais personificados).

Uma questão ainda a ser ressaltada é que diante da restrição ao número de integrantes, máximo de 60 componentes, um mesmo partcipante poderia ocupar no espetáculo diferentes funções. Assim por vezes, foi possível ver tamborileros, mamas viejas, gramilleros e

escobero se colocando como atores, realizando dramatizações para a narrativa sem vinculação

com os personagens de candombe e vedettes se colocando como bailarinas (no sentido ocidental, como profissional da dança cênica).

Por meio de uma ordem aleatória as comparsas também apresentam atos específicos para a mama vieja e o gramillero, para o escobero, para a vedette, e para os tamborileros e um quadro afro. As bailarinas e bailarínes por sua vez, apesar de não possuírem um quadro próprio estão presentes em quase todos os atos. E, no caso específico destes, as características e significados a eles atribuídos como personagens da comparsa confundem-se com o conceito de bailarina e bailarín ocidental.

Também uma cena de encerramento da narrativa e por fim o descenso ou despedida da comparsa (onde a mesma sai em cortejo do espaço do palco em direção às arquibancadas) se colocam como quadros finais da estrutura narrativa apresentada pelos lubolos.

No que diz respeito à dança apresentada fica evidente que as categorias de análise do conscurso são levadas em consideração pelas agrupações. O brilho, a criatividade, as

inovações na forma de apresentar os personagens em conjunto com o cenário e a narrativa

estabalecida se apresentam como prioridades em todos os quadros.

Na dança a forma de avaliar no concurso parece ser ainda mais ressaltada. Mamas

viejas e gramilleros iniciam suas apresentações respeitando a característica nativa e do

concurso de bailar cadenciado o milongón. Mas no decorrer do ato o toque se acelera e a rapidez e grande amplitude na movimentação começam a tomar forma. O drama antes

encarnado entre o casal passa a ser de competição de gramilleros e mamas viejas entre si. Também a narrativa contada exerce influência no drama apresentado por estes personagens, ficando o coqueteo do gramillero e da mama vieja como pano de fundo em relação à história contada pelo espetáculo.

O escobero por sua vez, assim como no Desfile de Llamadas explora o virtuosismo e a destreza com a escoba. Entretanto chega a passar muito tempo parado em determinados pontos do palco, dando prioridade aos malabarismos, e por vezes esquecendo-se de movimentar-se ao ritmo dos tambores. Assim, tanto a diretriz do concurso como as categorias nativas que avaliam o bom desempenho deste personagem são contrariados. Entretanto, a resposta do público a esse tipo de desempenho é positiva, e neste caso o concurso também pontua através do diálogo e animação da platéia.

Também a narrativa estabelecida pode-se sobrepor aos significados atribuídos a este personagem, como no caso da comparsa Cuareim 1080, onde o jogo do pega-varetas se sobrepôs à movimentação encenada.

Os tamborileros por sua vez apresentaram evoluções com coreografias de deslocamento no espaço de forma sincrônica e simétrica, além de darem bastante ênfase ao quesito inovação em sua apresentação. Acompanhados de outros instrumentos o candombe se mesclava com outras formas musicais. Em Cuareim 1080 a música eletrônica foi o elemento fusionado ao candombe. Na comparsa Senegal a salsa permeava todo o espeáculo com forte predominância dos teclados e instrumentos de sopro em relação aos tambores.

As vedettes em sua dança bailaram livres, mas ao mesmo tempo podiam por momentos realizar uma dramatização frente à narrativa e às canções que interpretavam. Também por momentos dançavam com sequências coreografadas, ao lado das bailarinas e

bailarínes. Estes últimos podiam aparecer no espetáculo tanto como partners, mas também

como bailarinos no sentido ocidental da palavra.

Neste sentido, tanto eles como as bailarinas, além do candombear, sempre sincronizado, apresentavam outras técnicas de dança a depender da comparsa e da narrativa que esta estabelecia. Assim o balé clássico, o jazz, a salsa, o tango e as técnicas de dança moderna e contemporânea apareciam nos corpos dos integrantes que realizavam estes personagens. No caso da comparsa Cuareim 1080 havia mescla de bailarinos com formação acadêmica (clássica) e em outros gêneros dancísticos, e bailarinos de candombe (que poderiam também possuir formação acadêmica), mas que aprenderam no cotidiano do bairro. Já na comparsa Senegal a maioria das bailarinas e bailarínes não possuíam uma formação clássica, embora tivessem a vivência com ritmos caribenhos e também com as danças que

envolvem a religiosidade da umbanda (em especial o coreógrafo, que também era bailarín). Em todo caso, a direteriz do concurso que avalia positivamente a diversidade de gêneros dancísticos em ambas comparsas foi contemplada, embora que Cuareim 1080 privelegiasse muito mais outras formas do que o candombear, que aparecia mais nos deslocamentos do palco do que nas coreografias em si. Além do que, tal comparsa apresentou por diversas vezes no espetáculo o virtuosismo e acrobacias através de um duo de solistas com formação clássica. Já Senegal utilizava mais do passo típico e englobava outras técnicas como entremeio, principalmente a salsa, o jazz e movimentos de dança afro.

Também diante da liberdade da criação, diálogos entre personagens que no cortejo da rua não se comunicam aparecem, como bailarinas com escobero, por exemplo. Também neste sentido o jogo e a criação em cima dos significados atribuídos aos personagens se estabelece, como no caso de Cuareim 1080. Na apresentação desta agrupação as bailarinas realizaram movimentos do escobero, e simularam uma cena dançada onde a mulher (bailarina) limpava o chão com a escoba e depois a entregava ao homem (escobero) para que ele fizesse sob seu comando a suposta tarefa doméstica.

Por fim, ao olhar para as diretrizes apontadas pelo concurso para este tipo de apresentação do candombe, percebe-se uma predileção pela dança, que se dá através de uma maior pontuação atibuída a esta parte da comparsa. Não por acaso em quase todas as cenas apareciam as bailarinas e bailarínes (como personagens de candombe e como bailarinos profissionais do palco) no centro da cena. Assim em relação à situação da rua a hieraquia entre os personagens parece no palco mostrar-se de forma diferenciada. Ainda que a corda de

tambores e os tamborileros possuam um lugar de privilégio junto aos personagens típicos e a vedette, o formato do concurso e da apresentação lega às bailarinas e aos bailarínes um lugar

de destaque e importância que se equipara aos demais. Mas, o sentir, o saber escutar e possuir um candombe, com as marcas do cotidiano do bairro, cedem lugar a precisão das

coreografias, esmero, sincronia, simetria e a inclusão de outras técnicas, dando ao corpo de

baile a parte que concerne maior pontuação aos concursos.

Desta forma, se aparentemente no conjunto da comparsa que se apresenta no teatro as desigualdades de gênero parecem minimizadas em relação às situações da rua, a dança nos revela que uma questão de classe se instaura, na medida em que outros códigos e movimentos de dança passam a ser privilegiados em detrimento do candombe, um gênero de dança advindo da cultura popular.