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1.5 Os princípios que norteiam a aplicação dos precedentes no Direito Brasileiro

1.5.3 Da duração razoável do processo

O princípio da duração razoável do processo traz em seu bojo o direito de os jurisdicionados obterem uma resolução definitiva rápida, eficiente de um conflito de interesses suscitado na esfera jurisdicional, observando-se as garantias processuais das partes da demanda. O Poder Judiciário recebe inúmeros processos ao longo dos anos, que poderiam e deveriam ser solucionados na seara administrativa, com um acordo entre o Poder Público e o requerente, mas nem sempre tal premissa acontece. Isso otimizaria o número de processos nos tribunais. Além disso, o Judiciário não possui uma infraestrutura adequada em várias localidades do Brasil, acarretando prejuízo na atuação dos magistrados. A precariedade de instalações e a falta de equipamentos que garantam uma qualidade de trabalho para seus membros implica, outrossim, no aglomeramento e na falta de movimentação e atualização dos status dos processos. Atualmente, a população brasileira é composta, aproximadamente, por

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

 

26 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P. 64.

   

quase duzentos e sete milhões de pessoas, existindo nos tribunais, mais de 102 milhões de processos, conforme dados do CNJ, no ano de 2015.27

Uma outra variável que acarreta na desaceleração e demora para que uma ação transite em julgado, isto é, não possa mais ser aduzida em juízo, tendo em vista a falta de interposição de recurso no prazo legal ou o esgotamento das instâncias judiciais, fazendo coisa julgada formal e material, é a existência de muitos recursos na seara do direito. Apesar de serem necessários para que se evite a prolação de decisões injustas, incorretas, por erro do aplicador de uma regra ao violar algum dispositivo normativo, a quantidade de recursos existentes no processo civil é exorbitante, o que prolonga no tempo a definição de um caso.28

Há processos que, desde a propositura da ação até a data atual, perfazem mais de dezesseis anos, sem ter uma decisão imutável, inalterável, não permitindo aos demandantes saberem, ao certo, se suas pretensões serão acolhidas. No Processo Civil brasileiro, como prevê o art. 994 e seus incisos, são cabíveis nove tipos de recursos, sendo uma quantidade em demasia, a despeito de ser indispensável ao bom funcionamento e à segurança do Poder Judiciário a possibilidade de as partes, irresignadas com determinada decisão judicial, utilizarem-se de recursos a serem analisados por uma instância superior, teoricamente mais qualificada, ocorrendo a produção de seus efeitos devolutivos. Um outro ponto a ser levantado é a interposição de recursos protelatórios, que somente procuram obstruir a Justiça, retardar o regular andamento dos processos, havendo abusos ao direito de recorrer. É uma das hipóteses descritas no art. 80 e incisos do NCPC. As multas a serem cominadas pela prática de tal conduta deveriam ser mais pesadas, desde que não ultrapassassem os valores da razoabilidade, pois se estaria praticando uma conduta arbitrária, ilegítima. Meramente deste modo, as partes de um processo iriam pensar e muito antes de usar deste artifício ardil. Infelizmente, as pessoas só deixam de praticar atos ilegais, contrários à boa-fé objetiva processual quando “sentem nos bolsos”.

                                                                                                               

27 Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016 – Infográficos: ano-base 2015. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/50af097ee373472788dd6c94036e22ab.pdf>. Acesso em 05 mar. 2017.

28   Andre Vasconcelos Roque entende que os principais fatores que impedem o cumprimento do princípio da

duração razoável do processo são de três ordens: i) estrutural; ii) técnica; iii) sócio-política. Dentre os exemplos de causas de natureza “técnica”, destaca a falta de prestígio de primeira instância, em decorrência da ampla quantidade de recursos interpostos, bem como pelo fato de o Código de Processo Civil ter adotado um rígido sistema de preclusões. ROQUE, Andre Vasconcelos. A luta contra o tempo nos processos judiciais: um problema ainda à busca de uma solução. Revista Eletrônica de Direito Processual –REDP, Rio de Janeiro, , v. 7, n. 7, p. 237-263, jan./jun. 2011.  

Com a nova roupagem trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, valorizando-se os precedentes vinculantes, esse inchaço processual tende a ser reduzido, com o desenvolvimento de uma sistemática de observância obrigatória de precedentes e a correta atuação dos juízes e tribunais, visando a minimizar o congestionamento de processos e a morosidade do Poder Judiciário, sendo este um dos fatores principais para a ausência de confiabilidade populacional nessa instituição, tida como ineficaz, inoperante, conservadora, política e pouco confiável. O princípio da duração razoável do processo (art. 5°, LXXXVIII) foi inserido na Constituição de 1988, com o advento da EC 45/2004, que trouxe em seu conteúdo reformas ao Poder Judiciário. A redação dessa emenda constitucional garante não apenas a celeridade de tramitação de processos nos tribunais, como também na via administrativa. Os jurisdicionados requerem uma tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada.

O Pacto de São José da Costa Rica29 foi internalizado pelo Brasil, em 1992, apesar de ter sido criado em 1969, tendo havido um incessante debate acerca do status normativo a ser- lhe atribuído. Alguns doutrinadores, como, por exemplo, Antônio Augusto Cançado Trindade e Flávia Piovesan30 entendiam que o presente tratado internacional deveria ter status constitucional, em decorrência do disposto no art. 5°, §§ 1º e 2°, CRFB, enquanto que, por outro lado, Celso Duvivier de Albuquerque era favorável à internalização do citado tratado internacional como norma supraconstitucional, isto é, com um status superior à própria Constituição. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, foi introduzido o art. 5°, §3°, CRFB, dispondo que os tratados internacionais internalizados com o quórum de 3/5 em dois turnos por ambas as casas legislativas federais gozariam de status de emenda constitucional. Como a Convenção Americana do Pacto de São José da Costa Rica foi                                                                                                                

29 Esta Convenção aprovada pelo Congresso Nacional, por meio de Decreto Legislativo e sancionada pelo

Presidente da República Itamar Franco, pelo Decreto Executivo nº 678, foi internalizada pelo ordenamento jurídico pátrio, consagrando direitos civis e políticos, tais como: o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, direito à integridade pessoal, à liberdade pessoal e às garantias judiciais, proteção da honra e da dignidade, à liberdade religiosa e de consciência, à liberdade de pensamento e de expressão, à livre associação e reunião, além do direito ao nome, a uma nacionalidade e a igualdade perante a lei.

30 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.

internalizada antes do surgimento desta EC 45/2004, iniciou-se este impassse. No julgamento do RE 466.343-1/São Paulo, os ministros do STF entenderam, por maioria, que o supracitado pacto deveria ter status de norma supralegal, isto é, possuiria uma hierarquia acima das leis infraconstitucionais e abaixo da Constituição Federal. O mencionado tratado já trazia as bases do devido processo legal, em seu art. 8°, que trata das garantias judiciais. Eis a reprodução do dispositivo:

Artigo 8º - Garantias judiciais

1.“Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

Portanto, verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro está voltado para uma efetiva e satisfatória atuação jurisdicional, buscando-se a proteção de direitos e garantias fundamentais em um breve espaço temporal, de maneira a tornar o sistema normativo- processual mais dinâmico e preservador de princípios e valores constitucionais. Se a prática coadunasse com a teoria descrita nas normas jurídicas, o Poder Judiciário brasileiro seria uma das entidades mais admiradas e tidas por sua população, como modelo de uma justiça garantista, competente e efetiva. Mauro Cappelletti, assim dispõe:

O direito de acesso à justiça, atualmente, é reconhecido como aquela que deve garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos. A importância que se dá ao direito de acesso à justiça decorre do fato de que a ausência de tutela jurisdicional efetiva implica a transformação dos direitos garantidos constitucionalmente em meras declarações políticas de conteúdo e função mistificadores. Por estas razões a doutrina moderna abandonou a idéia de que o direito de acesso a justiça, ou direito de ação significa apenas direito à sentença de mérito, esse modo de ver o processo, se um dia foi importante para a concepção de um direito de ação independente do direito material, não coaduna com as novas preocupações que estão nos estudos dos processualistas ligados ao tema da efetividade do processo que traz em si a superação de que este poderia ser estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do direito material. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 8.) 31

O Poder Judiciário precisa demonstrar uma capacidade de compreender o conjunto fático das ações a que tiver que resolver. É extremamente importante, para que sejam evitadas ofensas à isonomia e à segurança jurídica, que se verifique a compatibilidade entre as circunstâncias dos eventos, direcionando-os para o uso ou não de um mesmo direito e uma correspondente solução jurídica. Um precedente deve ser utilizado como parâmetro para casos                                                                                                                

31 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:

que envolvam fatos similares, cabendo a aplicação, para o caso ora analisado, da tese jurídica geral formulada no caso julgado a priori, estabilizando as relações jurídicas equivalentes, propiciando manter um equilíbrio de entendimento entre os diversos órgãos do Judiciário, uniformizando sua interpretação e garantindo um relacionamento homogêneo e convergente acerca de determinada matéria fático-jurídica. Assim, o Poder Judiciário tornar-se-á uma instituição coesa, ordenada, segura, com uma hierarquização pré-definida, em que dúvidas não pairam quanto à necessidade de respeito aos precedentes vinculantes para a dinamicidade, harmonicidade e efetividade na tutela de direitos fundamentais.

O princípio da duração razoável do processo provém do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5, XXXV, CRFB), o qual garante que, em hipótese alguma, lei excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça do direito. Todas as pessoas devem ter acesso ao Judiciário, independentemente de qualquer variante, sendo um direito fundamental individual estruturante do conceito de Democracia. Lamentavelmente, a falta de estudos de uma grande parcela da população impossibilita o conhecimento da existência deste Poder como uma instância resolutora de conflitos. “Os “não partes” são pessoas absolutamente marginalizadas da sociedade, porque não sabem nem mesmo os direitos de que dispõem ou de como exercê- los; constituem o grande contingente de nosso país”.32 Quando recebem essa informação e ingressam com uma ação, em muitas ocasiões já houve o perecimento do direito alegado, tido como violado, ocorrendo a extinção do processo com resolução do mérito por perda de uma pretensão (prescrição) ou de um direito não exercido no prazo legal (decadência) – art. 487, II, NCPC. É neste quesito que se verifica o quão relevante é o papel da Defensoria Pública para a sociedade, garantindo a possibilidade de os necessitados economicamente serem assistidos juridicamente de modo integral e gratuito na esfera jurisdicional, na defesa de seus direitos (arts. 134, 5°, LXXIV, CRFB).