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Tendo em linha de conta que os objectivos globais de qualquer investigação científica são, para além de melhorar o conhecimento de realidades particulares em estudo, acrescentar novo conhecimento ao conhecimento científico já existente, encontrando novas “maneiras de fazer” e novas “maneiras de pensar” (escoradas, sempre, numa metódica “dúvida radical” em relação às distintas operações de uma prática científica), importa convencionar neste capítulo epistemológico, ainda que de modo sucinto, um ponto de situação sobre algumas questões estruturais que, embora já “auscultadas” na fase inicial da investigação voltaram – durante a construção dos referentes teórico-metodológicos e a realização da pesquisa de terreno – de novo à colação e, em vários casos, foram repensadas ou mesmo reformuladas.95

Haverá assim, a necessidade anunciada, de arrumar as questões aqui a tratar em quatro “nichos” temáticos: um, onde têm assento as questões científicas mais diretamente relacionadas com o posicionamento e os procedimentos epistemológicos agenciados para o nosso trabalho; outro, que engloba as questões relativas às perspectivas disciplinares que conduziram os trabalhos teóricos e empíricos da presente tese; um outro, ainda, onde se conjectura acerca da (in)existência de um “paradigma disciplinar” Estudos Africanos; e, por último, damos conta dos “obstáculos científicos” e dos “obstáculos práticos” da investigação que realizámos no Gana.

Afirmava Gaston Bachelard que “toutefois le sens du vecteur épistémologique nous paraît bien net. Il va sûrement du rationnel au réel et non point, à l'inverse, de la réalité au général comme le professaient tous les philosophes depuis Aristote jusqu’à Bacon” (1968: 9). Esta é a premissa que define o “perfil epistemológico” desta investigação. Mas, que significa tal premissa? Significa que o vector epistemológico não vai, da realidade para o conhecimento,

95A investigação consiste, à medida que vai progredindo, em construir o modelo, ao mesmo tempo descritivo e

explicativo, por contribuições sucessivas, reavaliações, modificações, comparações com novos dados empíricos, exploração de novas pistas especulativas, podendo, no limite, levar à serendipity – ao elemento imprevisto, anómalo, intrigante e estratégico, suscitando a exploração de novos caminhos (Merton, 1965: 47).

mas sim, do conhecimento para a realidade.96 Por outras palavras, são os processos do conhecimento científico que nomeiam e qualificam a realidade social no próprio movimento da análise. São os campos disciplinares – com os procedimentos e instrumentos teóricos, conceptuais, epistemológicos e metodológicos que lhes são específicos – que instituem dimensões de “tradução” científica dessa realidade social ao examiná-la. Neste sentido, João Ferreira de Almeida e José Madureira Pinto – na linha de Gaston Bachelard (1971), de Pierre Bourdieu (1973), de Karl Popper (1975a) e de Berth Danermark (2002) – consideram que “só o património acumulado de interpretações provisoriamente validadas a que se chama teoria constitui, em princípio, adequado ponto de partida para a pesquisa” (1986: 56).97

A “pedra angular” desta perspectiva racionalista, sustenta-se no fundamento de que o conhecimento científico é sempre um processo ativo, de abstração (de representação), de construção (e de reformulação), com os seus protocolos próprios. Querem os referidos autores “alertar-nos” para o facto de a realidade social não falar por si só: a realidade social é silenciosa. Nesta medida, cumpre à teoria, por imperativo científico, “tomar a iniciativa” do diálogo e interrogá-la para obter respostas. Notemos com Pierre Bourdieu, Jean-Claude Chamboredon e Jean-Claude Passeron que:

un objet de recherche, si partiel et si parcellaire soit-il, ne peut être définit et construit qu’en fonction d’une problématique théorique permettant de soumettre à une interrogation systématique les aspects de la réalité mis en relation par la question qui leur est posée (1973: 54).

Deste modo, o tipo de inteligibilidade obtida, está sempre ligado à forma do questionamento; i.e., a teoria determina a forma da pergunta, e, portanto, os limites da resposta (Almeida, 1995: 17). Este questionamento consciente, metódico e objectivo é, diga-se, um processo dialéctico que assenta numa constante permuta entre a construção intelectual (real pensado/sujeito) e os dados empiricamente recolhidos (real imediato/objecto).

Questionado o real-concreto social, que procedimentos científicos deverão ser observados na construção de um conhecimento “menos verdadeiro” para um conhecimento

96Nas palavras de Pierre Bourdieu, Jean-Claude Chamboredon e Jean-Claude Passeron: “c’est avant tout en

inversant le rapport entre la théorie et l’expérience que le rationalisme appliqué rompt avec l’épistémologie spontanée. La plus élémentaire des opérations, l’observation, que le positivisme décrit comme un enregistrement d’autant plus fidèle qu’il engage moins de présupposés théoriques, est d’autant plus scientifiques que les principes théoriques dont elle s’arme sont plus conscients et plus systématiques” (1973: 83-84).

97Contra o empirismo, dizem-nos João Ferreira de Almeida e José Madureira Pinto, é possível mostrar que não há

observação sem categorização do observado e, portanto, sem referência a elementos (prévios, embora reformuláveis) de natureza ideológica ou teórica; que os dados são “captados”, ou seja, que não são a realidade ela própria nem o seu registo passivo, antes transportam e impõem significações e constituem resultados/pontos de partida da prática científica (1995: 88-89). Para uma leitura mais detalhada acerca da crítica que Karl Popper faz à concepção indutivista – o empirismo ingênuo – do conhecimento científico, devemos consultar o texto onde o autor expõe a “teoria do balde mental” e a “teoria do holofote”: (1975b).

“mais verdadeiro”?98 A resposta assenta nos procedimentos científicos que Gaston Bachelard

codificou de actos epistemológicos, com o objectivo de estas categorias anuciarem e denunciarem as diversas “contaminações” que os obstáculos epistemológicos (que emergem do “senso comum”, dos “operadores ideológicos”, do “conhecimento vulgar”, da “sociologia espontânea” e/ou da “experiência imediata”) tendem a incorporar (com ou sem intenção) nas diferentes etapas teóricas e empíricas da prática científica.

Em conformidade com a “epistemologia da ruptura” de Gaston Bachelard, também Pierre Bourdieu, Jean-Claude Chamboredon e Jean-Claude Passeron, consideram e destacam a relevância da hierarquia do actos epistemológicos na produção do conhecimento científico, mencionando que “le fait est conquis contre l’illusion du savoir immédiat”; é a seguir “construit” (com o auxílio de conceitos) e, por fim, “constaté” (pela experiência ou pela observação) (1973: 27, 81-92).99 De facto, a ciência, para se constituir, tem de romper com a

“consciência espontânea” do conhecimento prático e com os “códigos de leitura” do real- concreto social que ele produz (e tenta reproduzir). Nesta medida, para o atingir, torna-se indispensável, do ponto de vista de Adérito Sedas Nunes, que cada ciência repudie a imagem do real que o “senso comum” (ou a ideologia) lhe inculca e que, no plano abstrato-formal (que é o da teoria), elabore os instrumentos conceptuais que lhe permitam, ao reaproximar-se do concreto para analisar e interpretar as informações de que acerca dele pode dispor, “lê-lo” – ou, se quisermos, “decifrá-lo” – com o máximo de objectividade possível, isto é: com o máximo possível de adequação do conhecimento concreto conseguido ao real concreto analisado (1987: 38).100

No entanto, a ruptura epistemológica com o conhecimento prático (necessariamente conservador, resiliente e ilusório) não constitui, um trabalho realizado de uma vez por todas.

98Émile Durkheim, na sua obra As Regras do Método Sociológico, determina que “os fenómenos sociais são coisas

e devem ser tratados como coisas” (2004: 60). Significa esta inferência que é necessário duvidar de todas as

notionos vulgares (ou praenotiones) e afastar os idola (espécies de fantasmas que desfiguram o verdadeiro

aspecto das coisas) da produção do conhecimento científico. Ou seja, uma prática científica rigorosa tem que rejeitar os (pre)conceitos formulados pelo “senso-comum”. Nesse sentido, é necessário que o cientista (sociólogo) deixe de lado, ao estudar um facto social, os seus valores, sentimentos ou desejos e recorra a métodos objectivos, tais como a observação, a descrição, a comparação e a experimentação.

99Em relação à temática da ruptura epistemológica ver: (José Madureira Pinto, 1984; Augusto Santos Silva, 1986;

Boaventura Sousa Santos, 1989). Remetemos ainda, para o texto de Ana Luísa Janeira, no qual a autora distingue ruptura epistemológica de corte epistemológico. Nas palavras de Ana Luísa Janeira “para que uma ciência exista, importa que, de «produtora» do seu objecto e método (ruptura epistemológica), ela se comprometa a um estado tendente a torná-la «re-produtora» dos mesmos (corte epistemológico)” (1972: 643).

100A “passagem ao conceito”, quer dizer à representação abstrata dos “fenómenos” perceptíveis, é uma operação

absolutamente necessária na construção de um objecto de estudo, pois “il ne suffit pas de multiplier les croisements de critères empruntés à l’expérience commune pour construire un objet qui, produit d’une série de partitions réelles, reste un objet commun et n’accède pas à la dignité d’objet scientifique par cela seul qu’il se prête à l’application des techniques scientifiques” (Bourdieu, Chamboredon & Passeron, 1973: 53). Na mesma linha de pensamento, também Max Weber expõe que “ce ne sont point les relations ‘matérielles’ des ‘choises’ qui constituent la base de la délimitation des domaines du travail scientifique, mais les relations conceptuelles des problèmes (...)” (1965: 146).

Representa, outrossim, um processo continuado, reflectido e sempre incompleto, que só uma ininterrupta e reflexiva vigilância epistemológica pode coadjuvar a realizar. É objectivo, díriamos mesmo, função primeira da vigilância epistemológica, a neutralização dos obstáculos epistemológicos e dos mecanismos que os incrustam na prática científica, através da permanente monotorização (e retificação) dos procedimentos teórico-conceptuais e das “ferramentas” metodológicas que filtram e validam a “passagem” de um objecto dotado de realidade social (pré-construído pela percepção) a um objecto dotado de realidade sociológica (enquanto sistema de relações conceptualmente construídas).

Para o incremento do sucesso (leia-se, da objectividade científica101) deste processo de construção de produtos científicos é absolutamente necessário:

(...) soumettre les opérations de la pratique sociologique à la polémique de la raison épistémologique pour définir et, s’il se peut, inculquer une attitude de vigilance qui trouve dans la connaissance adéquate de l’erreur et des mécanismes capables de l’engendrer un des moyens de la surmonter (Bourdieu, Chamberandon e Passeron, 1973: 13-14).

Dito de outra forma, o “recrutamento” da vigilância epistemológica por parte de um conhecimento científico crítico e construído, é o substantivar “... rien moins que de la primauté de la réflexion sur l’aperception, rien moins que de la préparation nouménale des phénomènes techniquement constitués” (Bachelard, 1966: 103). Sintetizemos: para um conhecimento científico cumprido, é fundamental que uma ruptura epistemológica se cumpra e, é imprescindível uma vigilância epistemológica (sempre) a cumprir-se. Tal foi a “conduta” epistemológica que neste trabalho científico se diligenciou cumprir.

Na sua formulação inicial, o presente trabalho avançou com uma insuperável verdade consabida: a Ciência Política, assumia-se como o posicionamento disciplinar a laborar em regime de exclusividade, nos trabalhos contratados para esta investigação. Todavia, esta inquestionável verdade, revelou-se no decorrer do processo de investigação, só um quarto da verdade. Com efeito, a “construção” progressiva e incessante do nosso objecto de estudo, nos moldes que designamos por cumulativos e provisórios102, cedo nos “reclamou” (pela complexidade e pluridimensionidade dos factos sociais totais103 em análise) por um constante

101Não obstante os esforços do conhecimento científico, o “decifrar” do real-concreto social nunca é totalmente

objectivo. A objectividade científica é uma construção que se alicerça simultaneamente, em critérios lógicos e, em processos intersubjectivos (Gil, 1986) – a duplicidade sócio-lógica que nos refere Pierre Bourdieu (2001).

102Para Adérito Sedas Nunes o objecto de estudo (ou científico) vai-se “progressivamente delimitando,

configurando, transformando, isto é: se vai progressivamente construindo, des-construindo e re-construindo” (Nunes, 1987:39).

103Segundo Marcel Mauss “nestes fenómenos sociais ‘totais’, como propomos chamar-lhes, exprimem-se ao

mesmo tempo, e de uma só vez, todas as espécies de instituições: religiosas, jurídicas e morais – e estas políticas e familiares ao mesmo tempo; económicas – e estas supõem formas particulares da produção e do consumo” (2001: 52). Com efeito, o campo da realidade sobre o qual as Ciências Sociais se debruçam “é, de facto, um só

e entrelaçado diálogo teórico, conceptual, epistemológico e metodológico, com outros campos disciplinares do saber científico. Para caucionarmos esta complementariedade disciplinar, reportemos que, cada uma das Ciências Sociais, como nos dilucida Adérito Sedas Nunes, permite-nos, pois (e conduz-nos a), “ler” o real-concreto social através do seu código de leitura e dá-nos dele uma determinada “versão”, forçosamente parcial e incompleta, porque necessariamente confinada por uma certa selecção de aspectos, relações e determinações do social (1987: 41).104

Assim sendo, a presente investigação privilegiou uma postura interdisciplinar, tomando como base disciplinar a Ciência Política, mas recorrendo simbioticamente a outras matrizes disciplinares, em particular, a Antropologia Política e a Sociologia Política – e como “pano de fundo” descritivo a História, pois qualquer um dos posicionamentos disciplinares mobilizados, estruturam-se na indispensabilidade do conhecimento da historicidade dos “fenómenos” políticos em estudo – com o propósito de articular e consolidar com diferentes ângulos ou ópticas de análise, para usar a terminologia de Adérito Sedas Nunes, a decomposição das dinâmicas, dos mecanismos, das lógicas e das estratégias intrínsecas à produção e à reprodução do “político” na realidade empírica do Gana e, com particular incidência, da região Ashanti.

Nesta medida, pensamos ser epistemologicamente pertinente, explanarmos e compreendermos – dentro deste “espaço” intercomunicante e comutativo (e, se caso disso for, transformativo) da interdisciplinariedade (Pombo, 1993)105 – o contributo científico que cada área disciplinar endossa à “produção” descritiva e analítica do objecto de estudo aqui chamado a discussão e análise. De um modo conciso e simplificado começemos pela disciplina base: a Ciência Política. A Ciência Política, partindo da análise da forma estrutural (Estado) em que as relações sociais se cristalizaram (ou tenderam a), visa compreender os nexus de relacionamento social não-igualitário pertinentes e imanentes à forma estrutural; se assim não fosse, os conceitos de legitimação e legitimidade, de poder e autoridade, por exemplo, não estariam a tempo completo nas análises científicas (teóricas e empíricas) da Ciência Política (Pennings et

(o da realidade humana e social) e todos os fenómenos desse campo são fenómenos sociais totais, quer dizer: fenómenos que – seja na sua estrutura própria, seja nas suas relações e determinações – têm implicações simultaneamente em vários níveis e em diferentes dimensões do real-social, sendo portanto susceptíveis, pelo menos potencialmente, de interessar a várias, quando não a todas as Ciências Sociais” (Nunes, 1987: 22). Ver ainda: (Pinto et al., 1976; Pinto, 1984; Fernandes, 1983).

104As diferentes Ciências Sociais (nomotéticas) distinguem-se entre si, não pelo objecto real (que é um só), mas

sim, da perspectiva a partir da qual aquelas o estudam (do objecto de estudo que constroem). Ver: (Nunes, 1987: 41).

105Da imensa indefinição que reveste este conceito, citemos alguns autores de referência que sobre esta temática

al., 1999).106 A perspectiva da Ciência Política permite-nos, ainda, centrar o discurso do problema não no quadro de um problema de relacionamento (só) entre agentes, mas sim, a um nível analítico que privilegia (também) as relações sociais que subentendem relações entre grupos sociais hierarquizados, e correntemente do poder e da autoridade política (Olivier et al., 1998; Labelle et al., 1996).

A Antropologia Política cumpre neste “cruzamento” disciplinar, uma função de especial relevo analítico.107 Este “olhar” disciplinar tenta encontrar, por via da análise das relações sociais tecidas pelos indivíduos no seio dos grupos e das organizações, a racionalidade da construção da relação de dominação-subordinação de uns grupos e de uns indivíduos em relações a outros, expressa, no caso, pelas estruturas políticas. No contexto desta tese, a Antropologia Política manifesta todo o seu pendor analítico, ao permitir aferir de uma forma teórica e empiricamente orientada, os processos, as estruturas e as representações da produção e da reprodução do “político” inerentes a formas políticas “outras” (Balandier, 1970; Feliciano, 1998; Lewellen, 2003).108 Dito de outro modo, a Antropologia Política tenta apreender a

multidimensionidade da produção do “político” naquelas (como em outras) formas de organização política, não só através da compreensão das diferentes formas como o “político” se estrutura, organiza e hierarquiza (pois perscruta os “circuitos especializados” de onde e como aquele emerge e se difunde) como ainda, no entendimento dos mecanismos de conflitos (endógenos e exógenos) e das dinâmicas políticas de regulação sobre as quais assentam a manutenção ou a modificação destes sistemas políticos, e, por último, no discernimento das lógicas particulares de imbricação do simbólico, do ritual e do cultural na produção do “político” (ou vice-versa) que identificam, revigoram e perpetuam estas formas de organização política (Abélès & Jeudy, 1997; Swartz et al., 2008).

A Sociologia Política é, nas palavras de António Teixeira Fernandes, essencialmente a Ciência da estruturação e dos processos do poder (1988:42). Nesta medida, a Sociologia Política pretende teorizar os “fenómenos” políticos que se constituem em torno das lutas, das correlações de forças e das estratégias políticas pela obtenção, fundamentação e conservação

106Para Serge Hurtig “tradicionalmente a Ciência Política interessou-se exclusivamente pelo Estado (...). Hoje,

podemos, mais amplamente, defini-la como uma óptica de investigação que privilegia os fenómenos de

autoridade, de poder, de dominação” (74-75). Ver ainda: (Katznelson & Milner, 2002; Klingemann, 2007). 107A Antropologia Política tem como pressuposto base, diz-nos Fernando Florêncio, uma espécie de especialização

teórico-metodológica da “produção do político”, por distinção a outros campos do conhecimento antropológico como o do económico, do parentesco e do simbólico (2003: 34). Neste sentido, este autor com o intuito de atribuir à Antropologia um carácter de unicidade teórica e conceptual, prefere falar em investigação antropológica sobre o político, e não investigação de Antropologia Política. Ver, ainda: (Macagno, 2014).

108Citemos alguns autores, cujas obras se tornaram referências medulares para a Antropologia Política: (Fortes &

Evans-Pritchard, 1940; Evans-Pritchard, 1940b; Schapera, 1956; Middleton & Tait, 1958; Mair, 1962; Leach, 1964).

do poder, ou antes, da dominação política. Todavia, o “fenómeno político” não é exclusivamente poder e luta pelo seu controlo. O “político” não se esgota naquele, pois:

constitui igualmente um sistema de relações sociais, devidamente estruturado e dotado da necessária constância e, por isso, de uma relativa autonomia. É com estas dimensões e características que ele é recortado do mundo social e tornado objecto de análise sociológica (Fernandes, 1988: 89).109

Acrescentemos, assim, que o “fenómeno político” só adquire significado enquanto produto de relações sociais e, é só nas e através das relações sociais que aquele pode ser analisado, do ponto de vista dos agentes que nele participam, das posições que ocupam e das relações que definem conjuntural e/ou estruturalmente.110 A Sociologia Política é, em síntese, a “ponte disciplinar” (ou, se preferirmos, a “disciplina charneira”) que, neste trabalho, nos permite explicitar e decifrar com precisão científica a totalidade da “gramática social”, solicitando e incorporando neste processo de decomposição, as dinâmicas do “político” particulares à Ciência Política e as lógicas do “político” específicas da Antropologia Política, colocando-as, para tal propósito científico, em estreita parceria analítica do espaço multidimensional e relacional que é o espaço social ganês.

A convocatória da História para esta investigação, assume importância tangível enquanto enquadramento descritivo dos “fenómenos” políticos aqui expostos e analisados.111 Não sendo,

porém, uma reflexão sobre o passado, mas um estudo vertido para o presente, entendemos que somente numa perspectiva histórica os “fenómenos” políticos que se revelam na actualidade, adquirem a sua verdadeira expressão política e interpretação científica. No caso concreto desta investigação, o recurso ao eixo diacrónico (e, em alguns momentos, ao eixo sincrónico) da História torna-se, de facto, uma ferramenta capital na compreensão dos “traçados” políticos do Estado ganês e dos amahene Asante. Do ponto de vista do Estado ganês, o eixo das sucessões históricas, permite-nos descrever os processos políticos (nas suas variantes ideológicas, normativas, administrativas e militares) de instalação, de formação, de construção e, ainda, de reconstrução do Estado ganês desde a sua forma colonial até à actualidade política. Do ponto de vista dos amanhene Asante, a linearidade histórica remete-nos para um passado pré-colonial, a partir do qual podemos “ler” os processos políticos e militares que estiveram na origem da

109O político constitui o quadro estrutural do exercício do poder. A política, ao contrário, é uma actividade pela

qual o poder se define e se exerce (Fernandes, 1988: 22). Ver ainda: (Arendt, 1995).

110Com efeito, tal como Émile Durkheim assevera “um facto social só pode ser explicado por outro facto social”

(2004: 166).

111Pierre Bourdieu sublinha as potencialidades e os proventos científicos de uma interação mais “cúmplice” entre,

por exemplo, a História e a Sociologia, ao referir que “ao trazer à luz tudo o que está oculto tanto pela doxa, cumplicidade imediata com a própria história, como pela alodoxia, falso reconhecimento baseado na relação

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