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CONTEXTO, OBJETIVO E ESTRUTURA

1.1. E NQUADRAMENTO E RELEVÂNCIA DO TEMA

A evolução das necessidades e das tecnologias, aliada ao fenómeno da globalização, fez com que os vários governos do mundo se vissem confrontados com uma realidade cada vez mais complexa a vários níveis, inclusive económico, financeiro e social. Se, por um lado, a procura acentuada de uma grande diversidade de serviços públicos tem levado os governos a aumentarem a sofisticação das suas entidades operacionais; por outro, o acréscimo significativo das despesas públicas contrasta com recursos cada vez mais escassos, o que tem conduzido, sobretudo mais recentemente, à procura de alternativas para financiamento público e ao agravamento considerável dos défices e endividamento. Nestas circunstâncias, a quase total despreocupação dos Estados modernos, na assunção de custos para proporcionar bem-estar aos cidadãos está, nos dias de hoje, posta em causa. Para o Tribunal de Contas (2007), os Estados veem-se cada vez mais confrontados com a necessidade de manter os níveis de proteção social dos cidadãos,

em cenários de crescimento económico reduzido ou até nulo, elevadas taxas de desemprego e concorrência inter-Estados para a atração e fixação de investimentos. O fraco crescimento económico aliado ao aumento do desemprego fazem com que a maioria dos Estados tenha que aumentar as suas despesas de caráter social. No entanto, tal não é acompanhado pelo aumento das receitas, o que tem colocado em causa a sustentabilidade das suas finanças públicas.

Na tentativa do cumprimento dos seus objetivos, são vários os países que recorrem ao endividamento, muitas das vezes externo, para colmatar a escassez de receitas. Surge assim a possibilidade da existência de endividamentos excessivos. Nesta matéria, Feld & Kirchgässner (2001) referem que o endividamento, em muitos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), permanece em níveis elevados. Na tentativa de evitar níveis excessivos, terão de ser criados e implementados mecanismos de acompanhamento e controlo do endividamento público.

No que se refere especificamente à União Europeia (UE), esta tentativa foi iniciada no Tratado de Maastrich1 que previa, no seu Art. 104.º, n.º 1, que os Estados-membros deviam evitar os défices orçamentais excessivos. Preconizava também, no n.º 2 do mesmo artigo, que a Comissão acompanharia a evolução da situação orçamental e do montante da dívida pública dos Estados-membros, a fim de identificar desvios importantes. Fundamentalmente avaliaria o cumprimento dos critérios de convergência relacionados com o défice orçamental e dívida pública2.

Em 1997, com o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC)3, foi aprofundada a preocupação com os défices excessivos. Segundo Ferraz (2002), o objetivo principal do Pacto era o de dissuadir os Estados-membros de seguirem políticas orçamentais insustentáveis e deixarem agravar o défice de forma descontrolada. Neste sentido, o PEC tenta reforçar a supervisão, bem como efetivar o compromisso político de aplicar atempada e rigorosamente o próprio Pacto.

1 Publicado no Jornal Oficial nº C 191, de 29 de julho de 1992.

2 O valor de referência para medir os défices excessivos é de 3% para a relação entre o défice orçamental programado

ou verificado e o Produto Interno Bruto (PIB). A dívida pública não pode exceder 60% do PIB.

3 Aprovado por Resolução do Conselho Europeu de 17/06/97 (97/C 236/01), publicada no Jornal Oficial das

O Pacto fez, logicamente, com que surgissem limitações à condução das políticas orçamentais de cada Estado-membro, o que obrigou a que tomassem medidas concretas em relação à sustentabilidade das respetivas finanças públicas.

No caso de Portugal, segundo o Tribunal de Contas (2007), foram já tomadas várias medidas, de entre as quais destacamos as fundamentais para o nosso âmbito de estudo. Realçamos a alteração introduzida nos sistemas contabilísticos utilizados na Administração Pública (AP), na tentativa de os aproximar do sistema de contabilidade patrimonial, de modo a permitir, com mais rigor, a avaliação do cumprimento de normas internas e das vinculações externas do país em matéria de estabilidade financeira. A aprovação de normas sobre limites ao endividamento, abrangendo todos os subsetores do Setor Público Administrativo (SPA) (incluindo as Administrações Regionais e Locais) é também uma medida fundamental, que facilitará o cumprimento dos critérios de convergência. Neste sentido, a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO)4 especifica que, na Lei do Orçamento do Estado (LOE) dos vários anos, e para o cumprimento das obrigações de estabilidade orçamental, devem ser estabelecidos limites de endividamento para os vários subsetores.

Nos tempos mais recentes têm surgido vários outros documentos que dão ainda mais ênfase ao controlo do endividamento público, destacando-se, de entre outros: o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica (assinado pelo Governo Português, em maio de 2011, aquando da concessão de assistência financeira, pela UE e Fundo Monetário Internacional (FMI) a Portugal); o Documento de Estratégia Orçamental 2012-2016; o Programa de Estabilidade e Crescimento 2011-2015.

No que se refere especificamente à Administração Local (AL) portuguesa, constata-se que nas circunstâncias de insuficiência de financiamento próprio e da Administração Central, o endividamento constitui também um instrumento financeiro fundamental para que os municípios possam cumprir com as atribuições que lhes estão acometidas por lei5. Analisando as contas dos municípios portugueses6, constata-se que, por exemplo,

4 Aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto. A última alteração a esta Lei implicou a sua republicação na Lei n.º

52/2011, de 13 de outubro.

5 No caso português, estas estão estabelecidas na Lei n.º 159/99, de 14 de setembro – Quadro de transferência de

atribuições e competências para as autarquias locais.

no ano de 2009, os empréstimos obtidos representavam 57% do valor do investimento para o mesmo ano.

Neste contexto, será essencial gerir e controlar o endividamento municipal, pelo que são vários os documentos públicos oficiais7 onde se estabelece que é fundamental que a AL tenha uma participação solidária no esforço de consolidação orçamental das Administrações Públicas.

Considerando o descrito anteriormente, a importância de controlar o endividamento dos municípios portugueses é indiscutível, pelo que, para além dos limites estabelecidos na Lei das Finanças Locais (LFL) (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro)8, urge a necessidade de criação de outros mecanismos que permitam, aos próprios e aos organismos de controlo (e.g. Tribunal de Contas (TC), Direção-Geral do Orçamento (DGO), Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), etc.), fazer uma análise e gestão eficiente do mesmo.

Relativamente à investigação académica e científica sobre o assunto, numa tentativa de contribuir para um melhor conhecimento do endividamento da AL, constata-se que têm sido desenvolvidos inúmeros trabalhos de investigação ao nível internacional. Os propósitos são variados, destacando-se, no entanto, os estudos relacionados com o impacto das restrições legais e do mercado, com a existência de ciclos estratégicos de endividamento, bem como com os seus determinantes.

No que concerne ao estudo do impacto das restrições legais e dos mercados financeiros, são vários os autores (Farnham, 1985; Kieweit & Szakaly, 1996; Feld & Kirchgässner, 2001; Salinas Jiménez & Álvarez García, 2002, 2003; Vallés Giménez et al., 2003; Cabasés et al., 2007; Pascual Arzoz et al., 2008; Macedo & Corbari, 2009; Feld et al., 2011 e Fernández Llera, 2011) que tentam perceber se as mesmas influenciam ou não o endividamento. De uma forma geral, as conclusões desses estudos permitem confirmar a influência, comprovando-se, assim, que a definição de limites ao endividamento, bem como as regras dos mercados financeiros, apresentam alguma eficácia.

7 E.g. Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica; Programa de Estabilidade e

Crescimento; Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais; Documento de Estratégia Orçamental 2012-2016.

8 O n.º 1 do Art.º 37º refere que “O montante do endividamento líquido total de cada município, em 31 de dezembro

de cada ano, não pode exceder 125% do montante das receitas provenientes dos impostos municipais, das participações do município no FEF, da parcela fixa de participação no IRS, e da participação nos resultados das entidades do setor empresarial local, relativas ao ano anterior”.

Quanto ao estudo dos ciclos estratégicos de endividamento, são também diversos os autores (Seitz, 2000; Pettersson-Lidbom, 2001; Escudero Fernández & Prior Jiménez, 2002b; Brender, 2003; Ashworth et al., 2005; Borge, 2005; Geys, 2007; Goeminne & Smolders, 2008; Vila i Vila, 2010 e Sánchez Mier, 2011) que tentam perceber se o endividamento é mais elevado em períodos eleitorais, sendo que genericamente esta hipótese tem sido comprovada.

Os determinantes do endividamento da AL também têm sido investigados por muitos (Escudero Fernández & Prior Jiménez, 2002a; Vallés Giménez, 2002; Fernández Llera

et al., 2003, 2004; Benito López et al., 2004; Pascual et al., 2004; Bastida Albadalejo & Benito López, 2005; Borge, 2005; Hagen & Vabo, 2005; Tovmo, 2007; Agundez Alvarez & Baza Román, 2008; Hájek & Hájková, 2009; Zafra Gómez et al., 2009, 2011; Dolores Guillamón et al., 2011; F.Ferreira, 2011 e Letelier, 2011), sendo normalmente estudados fatores institucionais, políticos, fiscais e económico-financeiros. Os resultados apresentados são díspares, existindo globalmente evidência mais significativa em relação à dimensão, fragmentação política, capacidade fiscal, rendimento per capita, despesas de investimento e transferências do Governo Central. Em Portugal, tanto quanto é do nosso conhecimento, existem já algumas investigações, bastante aprofundadas, que estudam os ciclos político-orçamentais nos municípios – Marta (2000), Baleiras & Costa (2004), Coelho (2004), Veiga & Veiga (2005, 2007), Coelho et al. (2006) e Aidt et al. (2009) – mas abordam particularmente as perspetivas da despesa e da receita. As relacionadas especificamente com o estudo do endividamento dos municípios são efetivamente raras – Fernandes (2010) e F.Ferreira (2011). No fundamental, estas duas investigações estudam os determinantes do endividamento, sendo que Fernandes (2010) concluiu que os municípios com mais despesas recorrem mais ao endividamento, tal como os que apresentam mais receitas. Já F.Ferreira (2011) mostrou que o endividamento é influenciado negativamente pelo grau de dependência e positivamente pelas despesas de investimento. Validam também a hipótese da existência de ciclos políticos em relação ao endividamento.

Neste sentido, o reduzido desenvolvimento científico nacional nesta matéria, bem como a cada vez maior necessidade de gerir e controlar o endividamento, suscitaram o nosso interesse para a elaboração da presente tese, pelo que pretendemos, desta forma, contribuir para um conhecimento mais aprofundado (utilização de análise de dados em

painel e, fundamentalmente análise de equações estruturais) do endividamento dos municípios portugueses.