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CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2 Introdução do capítulo

2.5 Ecolinguística

Ainda, para fundamentar teoricamente esta pesquisa, recorreremos a conceitos que consideramos importantes da Ecolinguística, já que o propósito da análise contempla língua, comunidades envolvidas e territórios, fundamento dessa área. A Ecolinguística, área em que se estuda a relação entre língua e meio ambiente (COUTO, 2009, 2012), compreende a língua(gem) como o modo em que os sujeitos de uma comunidade se comunicam.

Como a própria nomenclatura denota, a Ecolinguística se vale de conceitos da Ecologia. Dessa forma, considera-se o conceito pilar de Ecologia, que é “o estudo das inter- relações entre os seres vivos e entre eles e seu meio ambiente” (COUTO, 2009, p.17) e o conceito pilar da linguística, que é “o estudo de como os membros de uma comunidade comunicam entre si, tanto oral como gestualmente” (COUTO, 2009, p.15). A Ecolinguística assume, portanto, a visão de língua como social e mental, ou seja, como parte de um sistema interativo.

Para a representação desse sistema interativo, a Ecolinguística se baseou na noção de ecossistema biológico, visto que “é no interior do ecossistema que os organismos se inter-relacionam com seu meio ambiente.” (idem). Nessa perspectiva, tanto a Ecologia quanto a Ecolinguística têm como interesse de pesquisa não os organismos ou populações isoladas, mas eles em interação com o meio. Por ser a interação um dos fundamentos da Ecolinguística, também não é do seu interesse, e também do nosso, o estudo do território isolado.

A partir dessas noções, podemos compreender o que vem a ser o sistema interativo, chamado de ecossistema linguístico: enquanto o ecossistema biológico é composto por

“(O) organismo+ (T) território+ (I) interação”, o ecossistema linguístico é composto por “(P) povo ou população+ (T) território+ (L)língua(gem)”, como podemos ver nas representações gráficas6 abaixo:

(O)rganismo (i)nteração (T)erritório (P)ovo (L)íngua (T)erritório

Figura 5: Ecossistema Biológico Figura 6: Ecossistema Linguístico

Conforme Couto (2013):

Na linguagem o conceito central é o de comunidade, aqui chamado de ecossistema linguístico, cujos componentes são uma população ou povo (P), convivendo em determinado lugar ou território (T) e comunicando-se entre si pela linguagem (L) que lhe é própria. A única diferença entre o ecossistema linguístico (comunidade) e o biológico (biocenose) é que, no segundo, as interações são chamadas de interações mesmo, ao passo que na interação humana elas são chamadas de linguagem (L). (COUTO, 2013)

Como visto, a diferença entre os dois ecossistemas está para o que é “interação” em cada um deles. Sabemos que a interação entre os organismos utilizam sistemas de comunicação diferentes do sistema utilizado por nós, humanos, que temos a língua, os gestos e todas as formas de arte como meio. Para além desse aspecto, ambos os sistemas podem ser considerados dinâmicos, fluidos e porosos (Couto, 2009).

Agora que conhecemos o sistema linguístico adotado nesse arcabouço teórico, podemos pensar no conceito de “contato de línguas”. Segundo Couto (2009), para que haja língua é preciso que haja um povo que a use e um território que o abrigue. Entretanto, na atual conjuntura, não é possível mais pensarmos apenas em sociedades “ideais”. A realidade é de territórios com presença de mais de uma comunidade linguística, por diversos tipos de migrações. Assim, essas comunidades tendem a ser bilíngues ou multilíngues, tudo isso determinado por um fenômeno antigo, mas cada vez mais atual: línguas em contato ou contato linguístico.

Conforme Couto (2009, p.51),

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[...] tendo em mente que o deslocamento ou migração de indivíduos, grupos de indivíduos ou até populações inteiras no espaço é a base para o contato de línguas, é possível detectar pelo menos quatro situações em que povos e respectivas línguas (PL) entram em contato em determinado território (T).

Vejamos quais são essas situações:

Primeira situação de contato: um povo ou parte dele (PL2) se desloca para um território (T1) em que já há um povo (comunidade) relativamente estruturado e que possui uma língua relativamente estabilizada (PL1), sendo este o lado que tem força política, militar e econômica.

Segunda situação de contato: o povo “mais forte” (PL1) se desloca para o território (T2) do povo “mais fraco” (PL2). Um dos resultados desse contato é a formação de línguas crioulas.

Terceira situação de contato: o povo “mais forte” (PL1) e o povo “mais fraco” (PL2) se deslocam para um terceiro território (T3). “Frequentemente este território é uma ilha. Essa é a situação ideal para o surgimento de um pidgin e de um crioulo.” (2009, p.53)

Quarta situação de contato: é caracterizada pelos deslocamentos temporários, seja por períodos do ano, como o verão, ou diariamente como ocorre nas fronteiras, em que uma pessoa pode morar de um lado da fronteira e trabalhar do outro lado. Um exemplo de resultado é a existência do “portunhol” na fronteira Brasil e Uruguai.

Conforme as considerações iniciais, propomo-nos uma reflexão crítica acerca da situação linguística da comunidade surda brasileira. Para isso, é de primeira necessidade que conheçamos o perfil dessa comunidade, quais são as suas características e como ela se estrutura. Para além do perfil da comunidade, em um segundo momento, será essencial que pensemos em sua condição em relação aos tipos de contato de línguas: em qual deles a comunidade surda se encaixa? Mais à frente, discutiremos isso com maior detalhamento. A priori pensemos que não se trata exatamente de um povo migrante, mas sim de uma comunidade brasileira, cuja língua de comunicação é uma – a língua de sinais brasileira – e a língua oficial do território é outra – a língua portuguesa. Essa comunidade está inserida em um território não-fechado, ou seja, não há uma cidade ou colônia em que todos os membros que dela participa residam, pelo contrário, eles estão em todo o território nacional.

A primeira consideração que, talvez, possamos formular é a de que se trata não de uma situação “ideal” de sociedade, mas de uma situação complexa, híbrida e heterogênea, cujo sistema linguístico pode ser dinâmico, fluido e poroso, assim como Couto (2009) elucidou sobre os ecossistemas biológico e linguístico.

Ainda conforme Couto (2009), os fatores que podem influenciar nos resultados dos tipos de contato para as comunidades envolvidas são: a quantidade de pessoas que se deslocaram; o tempo de permanência no território de destino; a intensidade do contato entre os povos; a resistência cultural (se houve maior ou menor resistência ou abertura a novas culturas); e, entre outros fatores, o poder, seja ele político, linguístico, econômico ou cultural que pode impedir ou viabilizar a acomodação do outro povo ao novo território e às suas “n” práticas.

Á frente, no capítulo de análise dos dados, quando faremos uma reflexão crítica acerca da situação sociolinguística das comunidades em estudo, nos apoiaremos, portanto, nos conceitos teóricos de bilinguismo e de diglossia e, também, no conceito de ecossistemas linguísticos descritos nesta seção e na anterior.