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CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

2 Introdução do capítulo

2.2 Linguagem como prática social

2.2.5 Ordens de discurso

Para Fairclough (2015), a sua abordagem da análise de discurso

[...] é baseada na suposição de que a língua é uma parte irredutível da vida social dialeticamente conectada a outros elementos da vida social, de forma que não se pode considerar a língua sem levar em consideração a vida social. (FAIRCLOUGH, 2003, p.8)

Neste sentido, um dos caminhos que tem se mostrado suficientemente produtivo para os estudos sociais é a análise do discurso, por meio da linguagem. Entretanto, o próprio Fairclough (2003) reconhece e menciona que pode ser de grande valia para a qualidade e aprofundamento de um estudo social a junção de outros tipos de análise ou métodos à análise de discurso. Fairclough (2003) esclarece também quanto à abrangência do olhar da ADC: “Eu vejo a análise de discurso como algo “que oscila” entre um foco em textos específicos e um foco naquilo que eu chamo de “ordem de discurso”, que é a estruturação social de uma língua/linguagem e sua parceria com determinadas práticas sociais.” (p.9). Dentre esses dois possíveis focos da ADC, para o momento, consideraremos o foco na rede de práticas sociais e na ordem de discurso:

Práticas sociais podem ser tidas como meios de controlar a seleção de certas

possibilidades estruturais e a exclusão de outras, e a retenção dessas seleções de certas no decurso do tempo, em áreas particulares da vida social. Práticas

sociais são estabelecidas em rede de maneira particular e cambiante.

(FAIRCLOUGH, 2003, p.28 Grifo nosso)

Uma prática social é composta pelos seguintes aspectos: relações sociais; mundo/atividade material; pessoas (crenças, valores, atitudes, histórias); Discurso/Semiose; ação/interação. Uma rede de práticas sociais é composta por vários ciclos deste dentro de uma mesma conjuntura e/ou em interação. Nas figuras1 abaixo é possível visualizarmos com maior clareza o que vem a ser uma prática social e uma rede de práticas:

Figura 2: Prática social Figura 3: Rede de Práticas sociais

A ordem de discurso, por sua vez, pode ser considerada como um dos aspectos da prática social, o chamado “Discurso”. Nas palavras de Fairclough, “[...] uma ordem de discurso é uma rede de práticas sociais no aspecto linguístico (da língua) [...] e podem ser vistas como organização e controle social da variação linguística.” (idem, p.29) Além disso, uma ordem de discurso é composta por discursos; gêneros e estilos, conforme a figura abaixo:

Figura 4: Discurso: composição interna

Como mencionado, nesta figura temos a composição interna do Discurso: discursos, gêneros e estilos. Nessa abordagem, considera-se que o uso do termo “discurso” trata

1 As figuras 3 e 4 foram baseadas num material de aula de Análise de Discurso I, da Prof.ª Dr.ª Viviane

Vieira, do programa de pós-graduação em linguística - PPGL - da UnB.

DISCURSO (ordem de discurso) Discursos Gêneros estilos Relações sociais Mundo Pessoas Discurso Ação\interação Discurso

“[...] do uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais” (FAIRCLOUGH, 2001, p.90). Isso implica que, para a ADC, os discursos particulares são as maneiras relativamente estáveis de representar e projetar realidades e/ou conhecimentos; os gêneros discursivos são as maneiras relativamente estáveis de agir e de se relacionar; e os estilos são maneiras relativamente estáveis de identificar a si, a outrem, ao mundo. (FAIRCLOUGH, 2001). É importante ressaltar que esses três elementos coexistem e atuam de modo dialético dentro do sistema, sendo o discurso socialmente constitutivo:

O discurso contribui para a construção de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado. (FAIRCLOUGH, 2001, p.91)

Os conceitos de Discurso e de ordem discursiva, apresentados acima, serão de grande valia para o levantamento sociolinguístico das duas comunidades, que faremos no capítulo 4. A descrição do perfil e das características da comunidade surda brasileira possibilitará a compreensão de sua posição numa conjuntura social nacional em relação à comunidade ouvinte, observando que neste processo de descrição certamente há permeados os discursos sociais sobre essa comunidade; e da mesma maneira para a comunidade de fronteira de Puerto Iguazú (lado argentino) em relação à comunidade de fronteira de Foz do Iguaçu (lado brasileiro).

Oportunamente, esclarecemos que os conceitos teóricos selecionados e descritos acima constituem a visão de mundo da ADC, a sua perspectiva analítica e reflexiva, compartilhada por nós neste estudo. Por essa característica, todas elas estarão presentes em todas as análises que construirmos neste estudo, seja de modo explicito, seja de modo implícito.

Para maior compreensão, pensemos no próprio recorte temático que comporta este estudo, a política linguística. A própria política linguística constitui um discurso particular, ideológico e motivacional. Quando da sua aplicação, ela passa a mobilizar ainda outros discursos particulares, provocando ações e reações também permeadas por ideologias e interesses de várias ordens.

Esclarecemos, ainda, que metodologicamente nos apoiaremos em outras categorias específicas de análises textualmente orientadas - ADTO, descritas no capítulo metodológico deste estudo (ver cap.3), e elaboradas pela ADC (FAIRCLOUGH, 2003)

justamente para corresponder às necessidades de uma análise linguística. Assim, dentre as categorias existentes no arcabouço metodológico da ADTO, selecionamos previamente aquelas que acreditamos serem capazes de nos levar a responder às nossas questões de pesquisa e, pela natureza qualitativa dessa pesquisa, não as aplicaremos indiscriminadamente, mas a partir do que os dados nos apresentarem. Ou seja, cada categoria será utilizada se e quando os dados as demandarem.