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editorial: expressa a opinião do jornal e nunca é assinado; deve ser enfático, equilibrado e informativo, apresentar a questão tratada e desenvolver os argumentos defendidos pelo jornal, ao

O PROBLEMA DA REFERÊNCIA, SIGNIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO NA LINGUAGEM: O TEXTO JORNALÍSTICO EM QUESTÃO

3) editorial: expressa a opinião do jornal e nunca é assinado; deve ser enfático, equilibrado e informativo, apresentar a questão tratada e desenvolver os argumentos defendidos pelo jornal, ao

mesmo tempo em que resume e refuta os contrários. (MFSP, 2001: 71) (Ex. 43)

A Construção do Sentido das Palavras e os Objetos no Discurso

Mudança e equilíbrio traz como assunto a mudança de governo no país. Como o gênero escolhido representa a opinião do jornal, o tema exige tratamento cuidadoso com o texto. O foco do Texto 2 desliza do tema eleição presidencial para a “correlação nacional de forças políticas”, na medida em que a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, mesmo que bastante expressiva, tenha, para o jornal, se dado de forma atenuada por causa da vitória de partidos PSDB, PMDB e PFL nos governos dos Estados brasileiros, no segundo turno:

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A questão da autoria e da assinatura (cf. Alves, 2002) parece ser uma fonte rica para uma pesquisa das práticas sociais e discursivas no jornalismo. No momento, pode-se especular por que os gêneros propostos como da categoria noticiosa, por pertencerem à informação, não são, na maioria das vezes, assinados: a relação entre assinatura–subjetividade e o poder dizer na imprensa advém da jurisprudência como um modo de defesa (Mariani, 1999) ou mesmo do processo identitário desse veículo. Todos os aspectos de maior ou menor comprometimento com a informação, tão caros à instituição jornalística, estarão resguardados de uma reclamação pública cujos danos à imprensa podem ser ora financeiros ora a sua imagem (cf. capítulo I; Argolo, 2002). No capítulo IV, haverá uma discussão mais aprofundada sobre a relação entre subjetividade, imprensa e ética.

Findo o segundo turno das eleições para presidente da República e para governador de 13 unidades da Federação, há um saldo de equilíbrio na correlação nacional de forças políticas. A “onda” oposicionista de centro-esquerda que se notara no primeiro turno persistiu o suficiente para garantir a Luiz Inácio Lula da Silva mais de 50 milhões de votos. Mas foi bastante atenuada no âmbito estadual. (primeiro parágrafo) (Ex. IV)

O parágrafo do Texto 2, acima, está organizado de modo a apontar o que será trazido no resto do corpo do texto: a opinião de que o cenário político brasileiro demonstrou equilíbrio ao não mudar completamente. Equilíbrio, neste texto, mantém uma estreita relação com mudança, no caso, a do cenário político brasileiro. Equilíbrio, neste contexto, diz respeito às derrotas que o PT, partido do presidente eleito, obteve na disputa ao governo de sete unidades estaduais no segundo turno. O PSDB, partido opositor do PT, foi vitorioso em cinco dos seis Estados em que disputou o governo estadual. Mais uma vez o substantivo predica: serve para desqualificar a vitória presidencial. Equilíbrio seria, portanto, a manutenção do poder de outros partidos que não o PT. O jogo entre mudança e equilíbrio nas eleições de 2002 seria o que os liga como objetos no discurso do texto: a manutenção de alguns partidos no poder, o que quebra a oposição na relação entre mudança e equilíbrio.

Esse editorial apresenta informações precisas sobre o número de derrotas do PT (partido que, segundo o texto, representaria mudança, preferencialmente, no cenário político federal brasileiro). Se por um lado, aparecem todas as vitórias ao governo estadual por parte dos representantes de outros partidos (PSDB, PMDB e PFL, tendo o PSDB representantes para a próxima disputa ao cargo de Presidente da República), por outro lado, o PT, partido que representa a mudança no status quo da governabilidade brasileira, apresenta-se em evidente desvantagem no texto. Especialmente, o segundo e terceiro parágrafos tratam do “equilíbrio” no cenário político brasileiro, indicando, inclusive, não só já as “boas condições” para fazer oposição ao partido do mais novo Presidente da República, mas as “boas condições” para a sua sucessão nas eleições de 2006:

O PSDB, se decidir fazer oposição no plano federal, terá boas condições de reconstruir um caminho que o torne competitivo em 2006 [...]. (terceiro parágrafo) (Ex. V)

Pode-se especular que a predominância do tema equilíbrio no texto é a prova de que a mudança é tratada muito mais numa perspectiva de manutenção (equilíbrio) do que de transformação. Esse texto, no entanto, demonstra o cuidado do jornal com relação ao prognóstico que possa decorrer de Mudança e Equilíbrio. É assim que se percebe maior cautela no último parágrafo do texto, no que tange ao quadro que apresenta do cenário político atual brasileiro,

contudo, o aparente controle apenas disfarça a constatação da pseudo-vitória conquistada pelo Partido dos Trabalhadores no país:

É muito cedo para qualquer prognóstico mais conclusivo sobre o balanço de forças políticas a partir de janeiro de 2003.[...].

[...] neste momento, há dois atores emergentes com capacidade de atrair apoios: o PT [...] e o PSDB [...]. (quinto parágrafo) (grifo nosso) (Ex. VI)

O texto 2, diferentemente do texto 1, apresenta apenas uma única palavra aspeada. O uso das aspas marcou a representação do discurso das declarações textuais trazidas no texto 1; já no texto 2, as aspas serviram para indicar o uso mais coloquial da palavra “onda” no primeiro parágrafo (cf. Ex. IV), uma voz que não é de alguém específico, mas usada numa linguagem mais coloquial. Como marcadoras de uma pluralidade discursiva da palavra “onda”, ou melhor, como recurso tipográfico que mostra a palavra onda como se ela estivesse num sentido que não o seu (cf. capítulo II), e, por isso, de uso restrito no jornal, as aspas são um recurso muito usado na imprensa. De um jeito ou de outro, a representação do discurso é marcada, com muita freqüência, por essas marcas tipográficas, para desvincular a voz do jornal de outras vozes.

As citações, como efeito de diferentes vozes no texto, mostram-se bastante eficientes, sendo o recurso das aspas pouco usado nos textos opinativos (cf. Cavalcanti, 1999), uma vez que esses, preferencialmente, usam um estilo de escrita aparentemente monofônico. A palavra onda, a meu ver, marca uma representação do discurso ao negar, pelos usos das aspas, a representação literal que o jornal faz das palavras. Além de representar essa falta de literalidade, necessária à leitura feita do uso da língua pela imprensa, essa palavra representa a coligação feita entre os partidos de centro– esquerda contra a força política de centro-direita.

Com algumas ressalvas, é possível afirmar que o editorial não é um texto que recorre à intertextualidade manifesta, resultado das lutas hegemônicas que se travam para os enunciados dos textos relativamente estáveis. Nas práticas discursivas do gênero editorial é comum a interpretação de que esse gênero, assim como os outros opinativos, são monofônicos (cf. capítulo IV), não obstante, isso aconteça em graus diferentes. A interdiscursividade acontece em qualquer texto, o que sugere que o Editorial, ao ser apresentado/descrito/representado como opinião do jornal, isentando-se de participar da opinião de terceiros, também faz parte da grande continuidade histórica do discurso. De algum modo, o texto I é retomado no texto 2 (ou seria o contrário?), visto que a eleição

presidencial e a vitória do PT, tanto num quanto noutro texto é apresentada/representada com algum prejuízo de imagem para o partido.

A Operação Argumentativa

Nesse texto, ocorre o uso de: a) operadores argumentativos – como mas, em favor de determinadas conclusões (cf. Koch, 1984); b) predominância do tipo dissertativo, sem incursões, por exemplo, na primeira pessoa do discurso (o que de fato não poderia deixar de ocorrer, visto que esse gênero representa o jornal) (cf. capítulo IV). No entanto, o que mais chama a atenção nesse texto é que a opinião do jornal é construída pelo respaldo da informação ou linha informativa do texto: o editorial deve ser equilibrado e informativo.

Se a informação não for tomada estritamente de modo puro (como notícia), ou seja, como

Puro registro dos fatos, sem opinião. A exatidão é o elemento-chave da notícia, mas vários fatos noticiosos podem ser justapostos de maneira tendenciosa. [...] Não use desses expedientes. (MFSP, 2001: 88) (Ex. 44)

é possível afirmar que o Texto 2 apresenta uma opinião baseada em dados, informações sobre o processo de eleição no segundo turno em todo o Brasil. Em outras palavras, a informação permeia esse gênero representante da opinião do jornal de modo a ser confundida com estatística, pesquisas eleitorais etc. No editorial analisado, dados oficiais representam fatos concretos e, por isso, informações verdadeiras para o equilíbrio da opinião do jornal.

A preocupação com a informatividade no editorial não é à toa: é importante que o jornal, mesmo que admitindo sua opinião nesse gênero, não se comprometa com opiniões advindas de uma análise desacompanhada dos fatos. Não há uma crítica mais incisiva no texto 2, mas um texto prudente, sem adjetivos ou qualificadores, como seria o texto noticioso mais analítico do jornal Folha de S. Paulo: uma análise crítica baseada em dados comprovados pelo resultado das eleições do segundo turno. Essa composição do texto opinativo computa-lhe a identidade de um texto comprometido com o leitor. Talvez seja essa a conclusão pretendida para o ethos do gênero que representa a opinião do jornal: o de elegante e harmonioso nos comentários. Como a representação do discurso nas declarações textuais nos textos noticiosos, essa técnica discursiva (tecnologização) do jornalismo confere ao editorial um efeito de verdade, de compromisso com a realidade dos fatos.

CAPÍTULO IV