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ANEXO 19 13 de maio de 2004 Editorial

Reação do governo brasileiro contra jornalista repercute mal

Tiro no pé

O cancelamento do visto de permanência no Brasil do repórter Larry Rother, do jornal norte- americano The New York Times, como represália a uma reportagem de teor duvidoso contra a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva repercute negativamente na opinião pública, nacional e internacional. A emenda providenciada pelo governo saiu pior do que o soneto, gerando efeitos exatamente contrários aos pretendidos pelo Planalto, prejudicando ainda mais a sua imagem e à do País.

A matéria produzida pelo repórter americano já havia sido classificada de mau jornalismo por todos os conhecedores da realidade brasileira e da vida pública do presidente Lula. Nela, é divulgada uma imagem presidencial preconceituosa e inverídica, na medida em que não há notícia de nenhum ato reprovável do dirigente brasileiro decorrente da ação da bebida alcoólica. Ainda nesta terça-feira o jornal Folha de S. Paulo trazia o testemunho insuspeito do jornalista Clóvis Rossi (um crítico severo do atual governo), que evocava os mais de 30 anos de acompanhamento das viagens e encontros de Lula, desde a época em que este era líder sindical, para contestar a matéria de seu colega, já que nunca testemunhou algum ato desabonador provocado por hábito de bebida.

O ataque leviano do repórter do The New York Times, por conta disso, foi entendido como uma agressão gratuita ao Brasil e deu direito a que se especule tratar-se de uma estratégia destinada a erodir a liderança internacional de Lula, cujo desempenho tem provocado alguns embaraços aos países desenvolvidos nos fóruns internacionais, por conseguir formar um bloco de países subdesenvolvidos para uma melhor defesa de suas causas, sobretudo na área do comércio internacional. Ainda recentemente, a revista Time havia colocado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre as 100 pessoas mais influentes do mundo, na atualidade.

A matéria produzida pelo repórter americano já havia sido classificada de mau jornalismo por todos os conhecedores da realidade brasileira e da vida pública do presidente Lula.

Foi por entender a conotação injusta e ofensiva ao Brasil, na matéria do jornal americano, que se produziu um consenso imediato reunindo todas as forças políticas da Nação na condenação à matéria caluniosa. Situação e oposição falaram por uma única voz, canalizando a indignação da sociedade brasileira. Eis que, para a surpresa de todos, o governo brasileiro deixa de lado os trâmites normais de manifestação de repúdio e de cobrança de providências, que já estavam em encaminhamento, e envereda pelo pior caminho possível: o de atropelo dos princípios regentes da liberdade de expressão - um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

A retirada do visto de permanência do jornalista leviano é um erro político imperdoável (e intrigante), num governo supostamente cercado de assessores do mais alto calibre nessa área. Como se pôde cometer uma derrapagem tão infeliz, numa área tão nevrálgica como a de comunicação social, levando o Brasil a se ombrear com republiquetas mal-afamadas? Eis o que ninguém consegue entender.

A esta altura é preciso uma ação rápida para travar a onda de suspeita que se levanta sobre o sistema político nacional e seu compromisso com as liberdades fundamentais. Trata-se de procurar um meio de reparar o quanto antes essa completa falta de compreensão da realidade política e cultural na qual está inserida o Brasil. A ofensa – que de fato houve – contra o presidente da República e o País deve ser tratada com os instrumentos que o próprio Estado democrático possui para fazer face aos abusos da imprensa: sair fora deles é dar um tiro no próprio pé.

ANEXO 20

13 de maio de 2004

O herói Larry Rohter Luís Henrique Campos

Jornalista

A decisão do presidente Lula de cancelar o visto do jornalista Larry Rohter criou um herói e deixará marcas profundas na história do operário que chegou à Presidência da República com promessas de mudar o País. Não adianta querer justificar a atitude, mesmo porque, quando se vê alguns parlamentares e poderosos, que por muito menos não se envergonham em pedir a ''cabeça'' de jornalistas, defenderem a liberdade de imprensa, avalio que é um caso sem jeito.

A história de problemas de relacionamento pessoal entre o nosso herói Larry Rohter e o vilão Luiz Inácio Lula da Silva, como divulgaram ontem agências de notícias, não vem de agora. Existem há dois anos e teriam dimensão pessoal. Naquela época, Rohter tentara obter entrevista com Lula, sem conseguir, porque, durante coletiva do presidente na Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil, durante a campanha eleitoral, o jornalista norte-americano fez uma pergunta da qual Lula teria gostado [sic].

Desde então, Rohter vinha tentando entrevista com Lula, mas não conseguia. No mês passado, outro repórter do The New York Times veio ao Brasil fez uma entrevista exclusiva com o presidente. Isso, aparentemente, irritou Rohter. Mas a fama do nosso herói ultrapassa fronteiras. Na edição de ontem, o jornal argentino La Nación informou que Larry Rohter também provocou polêmicas na Argentina, em julho de 2002, ao publicar artigo implicando o ex-presidente Carlos Menem no atentado contra a sede da associação israelita Amia.

Nada disso importa. Lula pisou na bola, não há dúvida, mesmo que para os defensores da medida, como o procurador da República, Cláudio Fonteles, a matéria tenha extrapolado a figura do presidente e atingido a Nação. Agora, porém, é tarde. No País que tortura prisioneiros de guerra, Larry Rohter virou herói por ter insinuado que o presidente do Brasil é alcoólatra.

Da mesma forma que fizeram com José Dirceu, condenado à revelia, Lula vai ter que se conformar de ser um suposto beberrão. Quem duvida basta ler o que escreveram ontem os colunistas dos grandes jornais nacionais. Enquanto isso, Rohter comemora sua fama, talvez, quem sabe, com um bom vinho.

Luís Henrique Campos é repórter do Núcleo de Cotidiano do O POVO

ANEXO 21

12 de maio de 2004

Governo cancela visto de repórter americano

O jornalista Larry Rother, correspondente do The New York Times, teve seu visto cancelado ontem pelo Ministério da Justiça. Autor de reportagem sobre problemas que Lula teria com a bebida, sua presença no País foi considerada incoveniente.

O governo brasileiro considerou ''inconveniente'' a presença em território nacional do jornalista Larry Rohter, do jornal The New York Times, e determinou ontem o cancelamento do seu visto temporário. O jornalista publicou uma reportagem sobre supostos excessos alcoólicos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo nota oficial do Ministério da Justiça, divulgada à noite, o cancelamento do visto é necessário ''em face de reportagem leviana, mentirosa e ofensiva à honra do presidente da República''. Ainda de acordo com o texto, a reportagem traz ''grave prejuízo à imagem do país no exterior''.

A ordem veio do próprio presidente Lula ao Ministério da Justiça. A nota é assinada pelo ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto. O titular Márcio Thomaz Bastos está em viagem oficial à Suíça. A nota oficial informa que a decisão foi baseada no artigo 26 da Lei 6.815, que diz respeito ao ''Estatuto do Estrangeiro''.

Pela lei, ''o visto concedido pela autoridade consular configura mera expectativa de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstado ocorrendo qualquer dos casos do artigo 7º ou à inconveniência de sua presença no território brasileiro, a critério do Ministério da Justiça''. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério, o jornalista deverá ser notificado pessoalmente pela Polícia Federal da decisão para deixar o país. Atualmente, ele estaria na Argentina.

Minutos antes de a decisão ser divulgada, o presidente Lula comentou com jornalistas a reportagem do jornal norte-americano. Lula falava sobre sua viagem à China no final de maio e foi indagado se sua imagem internacional estava afetada pelo texto do jornal americano. Os jornalistas que participavam da entrevista coletiva ainda não sabiam da decisão da expulsão de Rohter. Lula respondeu o seguinte: ''Primeiro, não peça para o presidente responder a uma sandice daquela. Segundo, certamente, o autor daquilo – que não me conhece, que eu não conheço– deve estar hoje mais preocupado do que eu. Sabe? Só isso''. Perguntou-se então ao presidente o que ele queria dizer com Rohter estar mais preocupado do que ele. O presidente estão disse [sic]: ''Não, não comento. Isso quem comenta é o Ministério da Justiça. O governo brasileiro deve tomar as decisões que a lei permitir que tome. Eu acho que não merece resposta, merece uma ação''. Depois da entrevista do presidente, quando se tornou pública a expulsão de Rohter, a assessoria de Lula não deu mais informações e disse que o assunto só seria tratado pelo Ministério da Justiça.

A reportagem que gerou a polêmica foi publicada no domingo, com o título ''Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional''. O texto é acompanhado por uma foto de Lula, do ano passado, bebendo cerveja na Oktoberfest.

''O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca escondeu sua inclinação por um copo de cerveja, uma dose de uísque ou, melhor ainda, um copinho de cachaça, o potente destilado brasileiro feito de cana- de-açúcar. Mas alguns de seus conterrâneos começam a se perguntar se sua preferência por bebidas fortes não está afetando sua performance no cargo'', dizia o texto da reportagem.

A N E X O 2 2 16 de maio de 2004

O interesse de Lula prevaleceu Guálter George (Ombudsman)

O desfecho da crise entre Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, e Larry Rohter, correspondente do The New York Times (NYT), foi, na minha avaliação, uma forte demonstração de que o atual governante brasileiro coloca seus interesses pessoais acima do que se pode definir como legítimos interesses do País. Desde o anúncio da decisão do governo brasileiro de cassar o visto de Rohter, representando, na prática, sua expulsão, que tive oportunidade de participar de inúmeras discussões, grande parte delas com jornalistas, nas quais me posicionei favoravelmente à adoção da medida extrema.

Considerava, e ainda considero, que a matéria publicada pelo NYT no último domingo, dia 9, nos ocasionou um sério prejuízo, não apenas ao senhor Lula, justificando uma punição àquele que a assina, no extremo do que as condições legais permitissem. Foi decepcionante tomar conhecimento, na sexta-feira à noite, de que o Presidente aceitara uma retratação simulada do jornalista norte-americano, dera o assunto por encerrado e ele não mais será responsabilizado pelo seu ato irresponsável na forma de jornalismo.

Quando defendi a medida anunciada pelo governo, o fiz acreditando que tinham sido considerados os prejuízos que a veiculação da tal matéria trouxe ao Brasil e, naturalmente, imaginava que os problemas por ela trazidos ao cidadão Lula da Silva estavam relegados ao plano secundário que a circunstância exigiria. Vi, afinal, que estava enganado. Lula não poderia, em meu nome e de outros cidadãos que se consideraram atingidos pela matéria, dar a crise por encerrada da forma como o fez. A EXPULSÃO QUE CONSIDERAVA ACERTADA

A idéia de que as grandes decisões nacionais estão entregues a um chefe de Estado alcoólatra permanecerá como dúvida para muitos dos que leram o texto do NYT. O presidente Lula, se decidida a punição do jornalista em nome dos interesses maiores do País não poderia voltar atrás sob pena de

demonstrar, como o fez, falta de aptidão para a defesa do interesse nacional. A histérica reação, nos meios jornalísticos e políticos, deveria ser combatida com demonstrações claras de que estavam prevalecendo, naquela ocasião e naquelas circunstâncias, razões de Estado. A tese, sei, não é de fácil defesa. Lula transformara numa espécie de unanimidade contra a unanimidade a favor obtida quanto à matéria que o apresentava ao mundo como um alcoólatra. Os dez segundos de folga conseguidos junto à oposição, enquanto havia apenas a matéria, romperam-se a partir de quando surgiu o comunicado oficial de que o Governo havia decidido cancelar o visto de permanência de Rohter no Brasil. A partir de então, o mundo voltou a desabar sobre o Palácio do Planalto e vozes iradas, nem todas legítimas para fazê-lo, passaram a detectar na medida gestos de autoritarismo, intolerância, revanchismo pessoal, pra falar apenas dos argumentos mais sérios utilizados. Ou seja, perdeu-se o objeto principal a ser debatido e que, no entendimento pessoal que construi acerca do caso, justificava a opção adotada, e depois suspensa, extrema que fosse. Larry Rohter não foi impedido de escrever o que escreveu. Usou seu direito, estava sendo responsabilizado por ele, no limite das condições legais. É certo que assim seja.