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Educação à distância: um dispositivo para a educação permanente

3.3 Educação Permanente

3.3.4 Educação à distância: um dispositivo para a educação permanente

Apesar dos importantes progressos ocorridos na área de educação brasileira nas últimas décadas, ainda é necessário um grande esforço para eliminar a exclusão de grande parte de brasileiros, para equilibrar a demanda e a oferta e garantir a qualidade de ensino (BRASIL, 2002b). Contudo, até o final da década de 1990, não houve espaço sociopolítico para oficialização de uma proposta de educação a distância25 (EaD), considerando seu potencial de cobertura quantitativa. Isso significa dizer que a Constituição da República Federativa do Brasil, aprovada em 1988, não fez menção à EaD.

É por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), publicada em dezembro de 1996, que a EaD foi formalmente incluída como alternativa de ensino. Sua regulamentação ocorreu por meio do Decreto n.º 2.494, de 10 de fevereiro de 199826. Assim, é permitido dizer que a LDB “inova ao prever a possibilidade de a educação a distância ser utilizada como estratégia para ampliar as oportunidades educacionais” (BRASIL, 2002b, p.2), com o Setor Público sendo responsável por incentivar o "desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades de ensino” (BRASIL, 1996, art. 80).

Independentemente de qual tenha sido a motivação dos legisladores e evitando a polêmica se realmente a LDB foi inovadora ou não, é impossível negar a pertinência da inclusão da Educação a Distância (EaD) no cenário educacional brasileiro naquele momento.

Minha iniciação em EaD ocorreu, aproximadamente, dez anos antes da aprovação da LDB, ou seja, no final da década de 1980, nos Estados Unidos da América. Naquele momento,

25 Educação a distância é o processo de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, no qual professores e

alunos estão separados espacial ou temporalmente, ou ambos.

26 Em 20 de dezembro de 2005, esse decreto foi revogado em decorrência da publicação do Decreto nº 5.622,

que continua em vigor. Neste dispositivo legal, a educação a distância caracteriza-se como modalidade educacional na qual “a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos” (BRASIL, 2005b, p.1).

eu participava da coordenação do Programa de Desenvolvimento da Enfermagem (PRODEN), implantado pela Escola de Enfermagem da UFMG (EEUFMG), financiado pela W. K. Kelloog Foundation. Participei de dois eventos promovidos pelo Programa que envolveu aprendizado em EaD. O primeiro foi um Seminário Viajero, que teve como objetivo conhecer várias instituições americanas e seus programas de EaD. O segundo foi mais específico, abordando tecnologias de ensino em uma perspectiva inovadora, incluindo construção de material instrucional para cursos a distância. Ambos tinham como objetivo a capacitação para aplicação em propostas de educação em enfermagem no Brasil.

Contudo, naquela época, discutir EaD no Brasil ainda gerava polêmica, e a imagem que predominava era a de Cursos por Correspondência de qualidade duvidosa.

A preocupação com a qualidade do ensino ofertado na modalidade de EaD foi explicitada em abril de 2003, com a publicação dos Referenciais de Qualidade para Educação

Superior a Distância, atualizados em agosto de 2007. No momento dessa atualização, a

EaD já era formalmente assumida como uma modalidade importante para o desenvolvimento da política permanente de expansão da educação superior no País (BRASIL, 2007b).

A radiodifusão e os correios foram amplamente utilizados em EaD, mas foi a integração entre a tecnologia de informação e de comunicação (TIC), dando origem à Internet, que a colocou em evidência, na perspectiva de ampliar o acesso à educação. Porém, o fato de se utilizar um processo tecnológico moderno não implica, per si, mudança nas concepções de conhecimento nem significa que são utilizadas práticas mais inovadoras de ensino e aprendizagem ou adotados novos significados para os papéis do aluno e do professor (ALMEIDA, 2003).

A organização e disponibilização de bancos de dados, a circulação da informação e a consequente construção e reconstrução de conhecimento têm-se transformado em potente fator de competitividade, estimulando a introdução das novas tecnologias de comunicação nos diferentes áreas de conhecimento. Por consequência, o potencial econômico da evolução tecnológica tem contribuído para o crescimento e a credibilidade da EaD, abrindo espaço para o aprendizado sobre seu uso e parâmetros para avaliação de seus resultados.

Oliveira (2007) considera que a EaD constitui uma estratégia que possibilita um fazer mais qualificado na área de saúde por seu potencial de democratização do acesso ao conhecimento, produzindo processos continuados de acesso à informação. Aponta como facilitador a possibilidade de desenvolvê-la na própria unidade de trabalho, utilizando algum tempo laboral para processos educativos transmitidos por meio de recursos tais como tele ou videoconferência.

A autora chama a atenção para o risco de a EaD ser utilizada, de forma equivocada, como o caminho mais barato para atingir, rapidamente, um número maior de trabalhadores (OLIVEIRA, 2007). Contudo, julgo ser possível considerar essa característica como uma vantagem, desde que a meta estabelecida seja atingida e, mais ainda, seja uma meta que tenha a vida humana e sua qualidade como referência, qualquer que seja a área da economia aplicada.

Contudo, em um país como o Brasil, caracterizado por diferenças sociais e econômicas regionais tão marcantes, por qualidade da rede de ensino formal tão desigual, até em uma mesma região, é fundamental ter em mente o quanto é linear e acrítico o discurso de acesso ao conhecimento por meios que dependem tanto de recursos tecnológicos como de recursos cognitivos.

Alvim Toffler, economista americano conhecido por ter escrito dois best sellers - O

Choque do Futuro (1970) e A Terceira Onda (1980) -, respondendo a um entrevistador da

BBC Brasil sobre como identificar os efeitos da terceira onda de mudanças tecnológicas, políticas e culturais no dia a dia dos brasileiros, apresentou uma foto virtual de nosso país que merece ser reproduzida na íntegra:

Há o Brasil da primeira onda, em que as pessoas trabalham na terra da forma que seus ancestrais faziam há centenas de anos, produzindo só o necessário para sobreviver. O Brasil da segunda onda é visto em São Paulo e em várias outras regiões do país, com grande urbanização, muitas indústrias, engarrafamentos e poluição. E também é possível encontrar no Brasil, de uma forma ainda incipiente, uma parte da sociedade que já vive a terceira onda. São pessoas que estão na internet, usam computadores de forma rotineira e têm empregos que exigem um conhecimento cada vez mais sofisticado. O Brasil é um país heterogêneo, cultural e racialmente,

e hoje também comporta três estruturas econômicas diferentes (TOFFLER, 2002)27.

Um exemplo concreto da baixa acessibilidade dos brasileiros à Internet de qualidade é que, no final do primeiro semestre de 2011, a banda larga fixa só chegava a 26% da população, e 90% dos domicílios com o serviço eram da classe A e apenas 3%, das classes D e E. A perspectiva é de que essa situação não seja alterada em curto prazo, pois o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) do governo federal foi adiado de 2011 para 2012, e o novo presidente da Telebrás assumiu anunciando que iria estreitar o diálogo com as empresas de telecomunicações, ou seja, ouvindo o mercado que conseguiu derrubar seu antecessor (DOMINGUEZ, 2011).

É para este Brasil que precisamos pensar a educação geral, a formação profissional em saúde e, em especial, no cenário do SUS, a educação permanente por meio da educação a distância. Um grande desafio, certamente.

Com a nossa diversidade socioeconômica e cultural, é preciso pensar a EaD como uma das estratégias para a construção da democracia plena; nem mais potente e nem mais competente do que a educação formal, a Internet, a televisão, o vídeo, o cinema, o rádio, jornais, revistas, viagens culturais, turismo, movimentos sociais etc.

A EaD tanto pode “explorar o potencial de interatividade das TIC e desenvolver atividades a distância com base na interação e na produção de conhecimento” como pode reforçar a forma habitual de transmissão do conhecimento (ALMEIDA, 2003, p.330). A autora destaca a possibilidade do uso das TIC no desenvolvimento de um processo educacional interativo e colaborativo que permite a produção de conhecimento individual e grupal, não se restringindo à disseminação de informações.

Jonassen (1996) discute a possibilidade de as tecnologias serem usadas para proporcionar aos estudantes a oportunidade de interagir e trabalhar juntos em problemas e projetos significativos, se utilizada a filosofia construtivista. Ou seja, colocando em prática a

27 Entrevista concedida a Rodrigo Amaral, disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2002

concepção de que o conhecimento não é um objeto que pode ser transmitido ou adquirido: ele é construído.

O ser humano constrói conhecimento ao observar e interpretar o mundo físico, explicando fenômenos e ideias novas a partir de conhecimento anterior, ou seja, “a realidade é o sentido que fazemos do mundo e do seu fenômeno” (JONASSEN, 1996, p.70). Portanto, a construção do conhecimento depende de como “os alunos interpretam as informações no contexto do percurso em que as experimentam, então, o conhecimento está ancorado nos contextos nos quais eles aprendem” (JONASSEN, 1996, p.70).

Nessa perspectiva, as políticas públicas que pretendem fazer da EaD uma alternativa para formação de profissionais em serviço, precisam considerar o binômio trabalho-educação como ponto imprescindível para alcançar a qualidade na formação.

No Brasil, a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), em 2006, está entre as estratégias de ampliação das vagas no ensino superior por meio da educação a distância. A UAB é um Sistema integrado por instituições públicas de ensino e estão entre seus objetivos

estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância; e fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação (BRASIL, 2006c, art.1º, incisos VI e VII).

Na UFMG há uma Diretoria de Educação a Distância que tem a finalidade de implantar, estruturar e articular a Educação a Distância na UFMG. Vinculado a essa Diretoria existe o Centro de Apoio a Educação a Distância (CAED), criado em 2003. Atualmente, a UFMG atua em vinte e três Pólos Municipais de Apoio Presencial, afertando cinco cursos de graduação (Ciências Biológicas, Geografia, Matemática, Pedagogia e Química) e quatro cursos de especialização (Ensino de Artes Visuais, Ensino de Ciências por Investigação, Formação Pedagógica de Educação Profissional na Área de Saúde e Atenção Básica em Saúde da Família), além de cursos de extensão.

QUARTO CAPÍTULO

4 OBJETIVOS

4.1 Objetivo Geral

Analisar a possibilidade de desenvolvimento da prática de educação permanente no micro ambiente de produção de serviços de saúde a partir da inserção de profissionais da atenção básica em um processo de capacitação a distância.

4.2 Objetivos Específicos

- Compreender os critérios utilizados pelos egressos na escolha das disciplinas optativas e a relação da trajetória desenvolvida com a sua prática profissional.

- Analisar o potencial das atividades que são realizadas de aproximar os alunos da realidade de sua área de abrangência;

- Identificar se os alunos se apropriaram das ferramentas de organização do processo de trabalho oferecidas pelo curso.

- Identificar evidências de que os egressos desenvolveram reflexão sobre seu processo de trabalho durante o curso e, portanto, estiveram em processo de Educação Permanente.

- Analisar se há indicativo de mudança de prática e criação de novos hábitos a partir do desenvolvimento do curso pelos egressos.

- Identificar se os egressos projetam uma visão de futuro para o SUS e se projetam sua participação nesse futuro.

QUINTO CAPÍTULO

5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA