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Categoria 1 Entendimento dos profissionais e alunos acerca do significado do termo

1.3 A EDUCAÇÃO DE ADULTOS DE PAULO FREIRE

A Educação de Adultos de Paulo Freire surgiu baseada em ideias voltadas para o pensar e repensar a vida do aluno, do indivíduo enquanto ser humano. Sendo levada em conta a capacidade do sujeito em construir a sua própria história, alicerçada na essência da sua existência. Consolidando-a pelo seu dia a dia em seu trabalho, com sua cultura, em sua família, em sua comunidade, na vivência de seu universo pessoal e profissional, de sua realidade. Buscando, com a realização desse trabalho, o despertar do senso crítico que, como pessoa, pode desenvolver, se forem proporcionados possibilidades para que isso aconteça, tornando-o

consciente de que a educação pode ser uma das principais ferramentas que o auxiliará na transformação de si mesmo e da realidade na qual está inserido.

As ideias de Paulo Freire nascem como forma de manifestação referente à urgente necessidade de trabalhar a consciência política das classes populares e, paralelamente, o engajamento de um trabalho reflexivo em ações correspondentes ao Movimento Popular. Pensamentos e ações que transcendem ao ambiente pedagógico.

Para Freire, a alfabetização não poderia ser realizada por um processo mecânico de “decoreba”, por mera reprodução dos conteúdos, denominada por ele de “educação bancária”. Então, para que houvesse transformação, se fazia necessário um novo processo educativo de alfabetização, onde a leitura, a escrita, o ensinar e o aprender seria realizado com um olhar mais humano e libertador do homem.

Esta inovadora e criativa maneira de alfabetizar adultos foi idealizada e elaborada por Paulo Freire e iniciada por um grupo de professores nordestinos que faziam parte do Serviço de Extensão Universitária da Universidade Federal de Pernambuco. A primeira experiência aconteceu em Recife, tendo como local de desenvolvimento das atividades uma casa na periferia, que foi adquirida por membros participantes do Movimento de Cultura Popular (MCP). Esse trabalho iniciou-se com cinco alunos, teve a desistência de dois, permanecendo e chegando à conclusão dos trabalhos três participantes. A partir dessa primeira experiência, outras com maior amplitude foram iniciadas em Angicos e Mossoró, na Paraíba, no Rio Grande do Norte e em João Pessoa. As primeiras pessoas que foram alfabetizadas através da nova experiência de “Círculo de Cultura”9, que tiveram como base principal sua alfabetização a partir de seu cotidiano, foram os lavradores do Nordeste, na cidade de Angicos. Esses “Círculos de Cultura” foram experiências realizadas tanto na área rural como na área urbana. Com o referido trabalho, trezentos trabalhadores foram alfabetizados em quarenta e cinco dias. Tais resultados repercutiram de uma forma tão ampla que chamaram a atenção da opinião pública. E com isso, o Governo Federal decidiu apoiar, sendo então, o método disseminado por todo o país. Brandão (1981) nos relata fatos que evidenciaram a ampliação do método após as primeiras experiências.

9 Significado da expressão “Círculo de Cultura” de acordo com FREIRE (1967): Busca-se no círculo de cultura, peça fundamental no movimento de educação popular, reunir um coordenador a algumas dezenas de homens do povo no trabalho comum pela conquista da linguagem. O coordenador, quase sempre um jovem, sabe que não exerce as funções de “professor” e que o diálogo é condição essencial de sua tarefa, “a de coordenar, jamais influir ou impor”. O ponto de partida para o trabalho no Círculo de Cultura está em assumir a liberdade e a crítica como o modo de ser do homem. O círculo se constitui, assim, em um grupo de trabalho e de debate. Seu interesse central é o debate da linguagem no contexto de uma prática social livre e crítica. Liberdade e crítica que não podem se limitar às relações internas do grupo, mas que necessariamente se apresentam na tomada de consciência que este realiza de sua situação social. (p.4 e 7)

Depois de haver sido testado em “círculos” na roça e na cidade, no Nordeste, o trabalho com o método foi levado por muitas mãos ao Rio de Janeiro, a São Paulo e Brasília. Aquele era o tempo da criação dos Movimentos Populares de Cultura (MCP) dos Centros de Cultura Popular do movimento estudantil (CPC) do Movimento de Educação de Base da Igreja Católica (MEB), da campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler, da Prefeitura de Natal, entre tantos outros grupos, lugares e equipes onde se misturavam educadores, estudantes, professores, profissionais de outras áreas que, por toda a parte, davam sentidos novos a velhas palavras: educação popular, cultura popular. (BRANDÃO, 1981, p. 18).

Na maior parte das capitais dos estados brasileiros, nos anos de 1963 e 1964, foram realizados cursos com o objetivo de formar coordenadores para atuarem no método. O trabalho vinha se ampliando de tal forma que, somente no então Estado da Guanabara, ultrapassou a inscrição de seis mil pessoas para participarem do curso. Eram previstos pelo plano de ação em torno de vinte mil círculos de cultura em 1964. Neste mesmo ano tinham a intenção de formar dois milhões de alunos, estimativa essa também de Paulo Freire, que previa que seriam educados em torno de trinta alunos a cada dois meses.

Com o Golpe Civil Militar de 1964, os trabalhos de alfabetização liderados por Paulo Freire foram interrompidos, sendo alegado que nele estavam depositadas características “subversivas”, e com isso, considerado arriscado para o país. Pelo fato de seu trabalho ter sido considerado perigoso, Freire foi preso por cerca de 70 dias. Após ser libertado, em seguida exilou-se com sua família, pelo tempo correspondente a dezesseis anos, vindo a residir na Bolívia, no Chile, nos Estados Unidos e na Suíça. Com seu afastamento do Brasil, levou consigo o sonho da realização de seu método no país. No entanto, no Chile seu trabalho em defesa da alfabetização de adultos foi acolhido e, em seguida, destacado e reconhecido pela UNESCO, sendo que, neste período, o Chile foi considerado um dos cinco países destacados pela relevância de melhor contribuição no desenvolvimento de um trabalho que vinha tendo resultados na redução do analfabetismo.

Paulo Freire, ao retornar para o Brasil em 1980, pela anistia política, voltou com a intenção de reaprender, de recomeçar sua caminhada no processo educacional e político. O surgimento e continuidade de suas ideias deram prosseguimento a um engajamento voltado para o Movimento Popular, objetivando o despertar e o fortalecimento de uma visão com maior criticidade da classe popular em relação à política e à educação vivenciadas no país.

No desenvolvimento de seu trabalho, Freire apropriou-se de um método pedagógico ancorado por uma linha mestra que só se efetivaria se houvesse uma participação baseada na liberdade de expressão e senso crítico dos participantes. Para que, entre educadores e educandos, esta liberdade de expressão pudesse ser colocada em prática, foi criada a estrutura de trabalho dos “Círculos de Cultura”, na qual, em círculo, reuniam-se coordenadores e alunos

para dialogar sobre os “temas geradores”10 em questão, rompendo, desta forma, com o modelo de ensino tradicional e domesticador e buscando propiciar um ensino de forma horizontal, onde alunos e coordenadores trocavam experiências, participando das discussões de igual para igual, sem hierarquia entre educadores e educandos.

O trabalho de alfabetização de adultos criado por Freire proporcionou, através do Círculo de Cultura, reuniões com homens do povo. Pessoas, que no dia a dia, lidavam com grandes dificuldades para exercer seus trabalhos. Que buscavam no seu ato de trabalhar a sua sobrevivência.

Com a perspectiva de mudanças transformadoras, nos Círculos de Cultura eram expressadas vivências de seus participantes, que davam coerência e legitimidade ao aprendizado. Pois, com discussões, essas trocas de experiências eram manifestadas nesses momentos dialógicos, num misto de sentimentos onde ressaltava-se a dor, o sofrimento, o medo, as incertezas, a revolta, a humildade, a esperança, a desesperança. Este era o momento da “palavra viva”, pronunciada por aqueles que tinham em seu contexto histórico a vivência, a experiência praticada em seu cotidiano. Esses eram os momentos em que a prática e a teoria caminhavam lado a lado, dando significado para a verdadeira práxis. Oportunizando situações de diálogo, em que o pronunciar da palavra individual e coletiva acontecia, dando uma amplitude ainda maior aos participantes, de poder pronunciar a existência de um ser humano em busca de libertação por intermédio de sua conscientização. Tendo condições, desta forma, de participar da construção de um mundo que o reconheça enquanto ser pensante, crítico e merecedor de ser valorizado na sua essência de ser humano. “O ponto de partida para o trabalho no círculo de cultura está em assumir a liberdade e a crítica como o modo de ser do homem.” (WEFFORT, 1983, p.07).

O educador Paulo Freire preocupou-se com a construção de uma educação cuja concepção fosse focada na responsabilidade social e política, onde a democracia era vista como conquista e direito de todos, contrariando, desta forma, o querer dos governantes do país, já que os representantes políticos desse período se interessavam em apoiar as causas dos movimentos populares, os trabalhos de alfabetização do povo, somente quando pudessem manipular os analfabetos, os trabalhadores. Assim, poderiam ter o controle a favor do processo eleitoral, com o objetivo de ter os votos dos trabalhadores nas urnas eleitorais.

10 “[...] o “tema gerador” não se encontra nos homens isolados da realidade, nem tampouco na realidade separada dos homens. Só pode ser compreendido nas relações homens-mundo. Investigar o tema gerador é investigar, repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis.” (FREIRE,1987, p. 56).

Para a estruturação do programa, a base que o sustentava vinha do levantamento de palavras, de temas geradores do cotidiano dos alfabetizandos. Momento de grande importância para o fomento do diálogo entre os participantes. “Ao educador cabe apenas registrar fielmente este vocabulário e selecionar algumas palavras básicas em termos de sua frequência, relevância como significação vivida e tipo de complexidade fonêmica que apresentam.” (WEFFORT, 1983, p.5).

Nos círculos de cultura não há destaque para um ou alguns participantes; todos se comunicam através de um mesmo patamar, e são respeitados nas manifestações de suas opiniões, onde as colaborações são bem vindas e vistas como enriquecimento para a aprendizagem do grupo. “Um dos pressupostos do método é a idéia de que ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho.” (BRANDÃO, 1981, p. 21-22).

No referido método, nada deveria ser inflexível. Apresentar-se-ia como um trabalho pensado na flexibilidade, na criação, na recriação, na inovação, na realidade de cada caso, de cada situação que viesse a surgir no decorrer dos encontros, não havendo receitas prontas para guiar as discussões e produções relacionadas ao trabalho de alfabetização realizado com o grupo. Um dos aspectos considerado inalterado, sendo de fundamental importância quanto à observação e necessariamente à aplicação, seriam os princípios gramaticais da língua. No mais, a proposta estaria centrada num trabalho que ampliasse o diálogo, e que se estruturasse de acordo com cada descoberta, com os avanços, facilidades ou dificuldades surgidas no processo de aprendizagem. “Há muitos outros exemplos atuais de uso e invenção do Método Paulo Freire. Neles, a ideia de “reinventar a educação” aparece viva e real.” (BRANDÃO,1981, p. 80).

No sentido de dar continuidade ao processo educativo com os alunos considerados alfabetizados, foi pensada e criada a etapa de pós-alfabetização. No desenvolvimento desta etapa, para os alunos que ainda apresentavam alguma dificuldade de leitura e escrita, para tal aperfeiçoamento, foram montados grupos com o objetivo de revisão, reelaboração e aprofundamento de estudos em equipes. Para os alunos que se encontravam em um nível mais avançado de leitura e escrita, que superavam bem as dificuldades da pós-alfabetização, era trabalhado com referenciais que abordavam tanto a leitura, análise e discussão de textos simples, que eram construídos de acordo com a realidade do educando, como também, tinham contato com textos que traziam um aprofundamento das dificuldades ortográficas apresentadas pela Língua Portuguesa.

Com essas informações, evidencia-se claramente que o método era elaborado de acordo com as necessidades dos grupos. Eram recriadas e adaptadas atividades que

contemplassem o ritmo, o nível de aprendizagem dos alfabetizandos, buscando respeitá-los em sua individualidade, e ao mesmo tempo, enquanto coletividade. Neste sentido, podemos perceber a importância da persistência, da paciência, da amorosidade para que o processo alcançasse seus objetivos. Mas todo esse processo também era muito bem planejado. E com isso, abriam-se possibilidades para que o sujeito conseguisse realizar a pronúncia da sua palavra, do seu universo vocabular e, consequentemente, do mundo em que vivia, havendo, desta forma, o surgimento de um novo homem, livre e transformado de dentro para fora. E assim também, o nascimento de um sujeito com pensamentos coletivos, com o objetivo de intervir em sua sociedade.

Os trabalhos relacionados ao método freiriano buscaram ressaltar a importância da conscientização do sujeito enquanto ser histórico e crítico. Alertando para a necessidade da compreensão de que o homem é um ser inacabado em seu conhecimento. Que a busca constante por novos conhecimentos, se for de forma consciente e crítica, poderá conduzi-lo para novas perspectivas de vida, onde o povo alienado possa encontrar em sua desalienação a libertação de condições opressoras para condições libertadoras. Assim, haverá na essência humana uma autonomia fortalecida pela esperança de conseguir pronunciar um mundo melhor para as gerações que vivem o hoje, como também para as gerações que surgirão em um futuro bem próximo. “O ponto de partida deste movimento está nos homens mesmos. Mas, como não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento parte das relações homem-mundo.” (FREIRE, 1987, p. 42).

Essas relações homem-mundo devem ser compostas por sujeitos que continuem disseminando possibilidades, que deem continuidade a um trabalho que solidifique a construção de uma nova sociedade. Sociedade na qual os direitos e deveres não serão destinados a somente alguns indivíduos, mas sim, a toda uma nação; sociedades onde as pessoas compreendam, e tenham desenvolvida a capacidade de reconhecer que o real significado da palavra “humanidade” deve ser colocado em prática, não somente a nível individual, local, regional, estadual ou nacional, mas sim, a nível mundial e, acima de tudo, em um nível bem mais profundo e amplo, o planetário.