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Considerando as peculiaridades das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância (PA), ou seja, considerando a dinâmica sociocultural do campo, o vínculo que há com as necessidades humanas e sociais, a presença de tempos pedagógicos diferenciados, com práticas pedagógicas que buscam a contextualização24, a Educação Científica que se pretende para as escolas que adotam a PA não pode ser compreendida como mera transmissão dos conhecimentos sistematizados por essa área de conhecimento (BRICK et al., 2014; FONSECA; DUSO; HOFFMANN, 2017). É preciso, então, assumir o desafio de mobilizar os resultados das pesquisas da área de Educação Científica, com o objetivo de contribuir com a concretização dos princípios pedagógicos da Pedagogia da Alternância (BRICK et al., 2014), considerando que novos enfrentamentos podem surgir dada as especificidades que esse contexto escolar apresenta.

Brick e colaboradores (2014) apontam que muito dos escritos freireanos têm como referência as diversas situações contraditórias vividas pelos sujeitos do campo, a partir das quais a obra de Freire possibilita repensar o “que-fazer” educacional considerando a cultura camponesa de forma crítica, dialogando com a cultura local. Como exemplo, Freire em sua obra “Comunicação ou extensão” (FREIRE, 1983) toma como ponto de partida a relação agrônomo-camponês para discutir a relação educador/a-educando/a, compreendendo que no processo de aprender esses sujeitos necessitam comunicar-se (dialogar) para que avancem naquilo que se deseja. Na visão freireana, o conhecimento só é construído com base na comunicação. Sujeitos que detém o conhecimento técnico (aqui entendido como conhecimento científico) necessitam dialogar com os sujeitos que apresentam o conhecimento experiencial, prático, de modo a propor juntos soluções para os problemas presentes no contexto em que estão inseridos.

Nesta perspectiva, a comunicação/diálogo é o caminho para uma Educação Científica que rompa com a centralização do/da professor/a como sendo o/a único/a detentor/a do saber no espaço escolar, estimulando cada vez mais a participação dos discentes e das discentes no processo de ensinar.

24 Contextualização é aqui entendido como a articulação do conteúdo com seu contexto social,

Tentando traçar o caminho das pesquisas em Educação Científica voltada para as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, nos deparamos com os trabalhos desenvolvidos por Décio Auler e Demétrio Delizoicov (AULER, 2007; AULER; DELIZOICOV, 2006; AULER; FENALTI; DALMOLIN, 2009; DELIZOICOV, 1991), que propõem a articulação entre o pensamento de Paulo Freire (grande influência para o delineamento da Pedagogia da Alternância na América Latina) e os referenciais ligados a Educação Científica. Segundo Santos (2008a), Delizoicov foi o primeiro brasileiro da área de Educação Científica a articular e introduzir de forma explícita os princípios educacionais freireanos a esta área de conhecimento.

É importante destacar que Demétrio Delizoicov, André Angotti, Marta Pernambuco, em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo (quando o educador e filósofo Paulo Freire era secretário), desenvolveram projetos em sistemas públicos de ensino (dentro e fora do país) com o objetivo de articular os princípios freireanos de educação com o ensino formal de Ciências nas escolas. A seguir, descreveremos brevemente cada uma das experiências desenvolvidas por esses pesquisadores e pesquisadora.

Delizoicov e Angotti iniciaram um projeto de educação científica baseada na perspectiva educacional freireana voltado para a produção de material didático e formação de professores e professoras que atuavam em 5ª e 6ª série do Ensino Fundamental da Guiné-Bissau, desenvolvendo um modelo curricular que foi organizado em três Momentos Pedagógicos25 (estudo da realidade, organização do conhecimento e sua aplicação) o que resultou em suas dissertações de mestrado (DELIZOICOV, 1983; 1991; 2008; MENEZES, 1996a; 1996b). Marta Pernambuco em parceria com Cristina Dal Pian desenvolveram um projeto de educação comunitária em torno das problemáticas nordestinas da água e da seca, destinado à educação primária (1º a 4º ano) e à formação de professores e professoras (tal como o projeto desenvolvido na Guiné- Bissau), no município de São Paulo do Potengi (RN) (DELIZOICOV, 1991; 2008; MENEZES, 1996a; 1996b).

Já o projeto desenvolvido pela Secretaria de Educação de São Paulo denominado “Projeto de Interdisciplinaridade via Tema Gerador” apresentava dimensões operacionais e conceituais muito mais desafiantes, uma vez que foi implantado nas escolas públicas de São Paulo, considerada um dos maiores centros urbanos da América

25 Para saber mais acerca dos três Momentos Pedagógicos ver Auler (2007); Brick et al. (2014);

Latina e caracterizada por complexas relações econômicas e socioculturais. A referida proposta era destinada ao ensino primário e envolvia além da área de ensino de ciências, outras disciplinas escolares, resultando em um processo de reorientação curricular simultaneamente a um processo de formação docente em serviço, baseado no processo de investigação temática freireano (BRICK et al., 2014; DELIZOICOV, 1991; 2008).

Esses projetos marcaram a inserção da pedagogia de Freire na área de Educação Científica, especialmente a Física, uma vez que todos os pesquisadores e pesquisadoras eram desta área de conhecimento. Ademais, o desenvolvimento dos projetos em contextos diferentes representou um grande passo com significado simbólico, pois demonstra a preocupação de pesquisadores e pesquisadoras em mobilizar a pedagogia freireana de modo a aplicá-la em diversos contextos formais de ensino e em diálogo com outras áreas de conhecimento. Além disso, os resultados dessas experiências foram positivos e exitosos, como afirma Delizoicov (1983), uma vez que foi possível trabalhar com vários conceitos da Ciência, tomando como referência, por exemplo, a realidade sociocultural da Guiné-Bissau, de modo a problematizá-los. Partindo dessas experiências e motivados a partir delas, lançamo-nos na busca de uma Educação Científica para as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância coerente com os princípios freireanos de educação e que promova a formação emancipatória.

Fazemos um destaque para o fato de que, os trabalhos de Delizoicov - primeiro pesquisador que trabalha com a perspectiva educacional freireana na Educação Científica como afirmado por Santos (2008a) - na década de 1980, a partir da experiência em Guiné-Bissau, buscavam mobilizar os princípios freireanos para serem adotados pela Educação Científica de modo amplo. No entanto, na década de 1990, o movimento denominado Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), enquanto uma tendência educacional emergente, levou a uma reconfiguração no modo como a área de Educação Científica vinha atuando no campo educacional, e vários pesquisadores e pesquisadoras desta área de conhecimento buscaram articular os princípios freireanos com essa nova tendência educacional emergente (AULER; DELIZOICOV, 2006; AULER; FENALTI; DALMOLIN, 2009; BRICK et al, 2014; NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006; SANTOS 2002; 2008a; 2008b) a qual se apresentava promissora para a prática de ensino de ciências. Deste modo, trataremos, em seguida, de examinar a articulação entre Educação CTS e o pensamento freireano, iniciando, no entanto, por explicitarmos sumariamente a emergência do movimento CTS e sua consolidação enquanto tendência educacional, para situar melhor o leitor e a leitora.

O movimento CTS surge em meados do século XX, no contexto dos países capitalistas centrais, a partir da compreensão de que o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico não estava conduzindo ao desenvolvimento do bem-estar social como se esperava, e o reconhecimento dos perigos que o uso acrítico e socialmente irresponsável da Ciência e Tecnologia podia gerar como por exemplo, a degradação ambiental e a produção de bombas atômicas em guerra (LUJÁN et al, 1996 apud AULER et al, 2005; SANTOS, 2008a; TEIXEIRA, 2003). Ademais, a publicação em 1962 das obras emblemáticas de Thomas Kuhn “A Estrutura das Revoluções Científicas” (que geraram grandes debates acerca das atividades científicas e suas interações com as questões tecnológicas e sociais) e de Rachel Carsons “Primavera Silenciosa” (em que a autora denuncia os riscos gerados pelo uso do inseticida diclorodifeniltricloroetano, conhecido como DDT, para a saúde) potencializaram as discussões acerca das interações entre Ciências, Tecnologia e Sociedade (AULER; BAZZO, 2001; VON LINSINGEN, 2007).

Nesse contexto, o movimento reivindica a participação social acerca das questões relativas à Ciência e à Tecnologia e em diversos países (como EUA, Inglaterra, Países Baixos, dentre outros) um dos primeiros desdobramentos do movimento é a produção de mudança curricular no Ensino Básico e Superior (AULER et al, 2005; SANTOS, 2007). Segundo Santos (2007), o objetivo dos currículos CTS está centrado na formação cidadã e na tomada de decisão socialmente responsável, o que envolve a construção de conhecimentos, habilidades e valores que são inerentes a este processo para que os sujeitos possam atuar na solução de problemas relativos à Ciência e à Tecnologia. É importante destacar que tanto os currículos quanto o movimento CTS incorporam o desenvolvimento de valores de interesses coletivos, tais como os de solidariedade, fraternidade, consciência do compromisso social, reciprocidade, respeito ao próximo e de generosidade (SANTOS, 2007). Ainda de acordo com Santos (2007), esses valores se contrapõem a ordem capitalista em que os valores econômicos se impõem aos demais. Tal mudança axiológica se aproxima do ideal freireano de reestruturação do mundo, em que os valores capitalistas dão lugar à igualdade fraterna, ao respeito mútuo entre os sujeitos, ao diálogo respeitoso entre educadores/as e educandos/as.

Vale destacar que o movimento CTS se consolidou enquanto perspectiva de educação e desde sua origem tem ampliado as discussões acerca das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, incorporando também as discussões sobre as

implicações ambientais da produção científica e tecnológica, ou seja, tem-se introduzido as questões ambientais como mais um foco de análise das inter-relações da tríade CTS (SANTOS, 2008a). Deste modo, esta perspectiva educacional tem sido referenciada enquanto Educação Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA). Nesse sentido, utilizaremos o termo CTSA, ao longo desse relato de pesquisa, para se referir tanto ao movimento quanto à esta perspectiva de Educação.

Traçado esse breve panorama acerca da origem e consolidação do movimento CTSA, apontaremos, a partir dos trabalhos iniciais desenvolvidos por Delizoicov e por outros autores (AULER; DELIZOICOV, 2006; AULER; FENALTI; DALMOLIN, 2009; BRICK et al, 2014; NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006) as convergências pedagógicas e filosóficas da perspectiva de educação CTSA com os pressupostos da pedagogia freireana, os quais nos baseamos para delinearmos uma Educação Científica que tenha potencial de promover formação emancipatória no contexto das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância.

É possível antevermos a consistência e o potencial dessa articulação para esse fim, se tivermos em vista a convergência entre um dos objetivos centrais da Educação CTSA – a formação para participar democraticamente das decisões que envolvem Ciência, Tecnologia Sociedade e Ambiente - com o conceito de vocação ontológica26 do ser humano de ser mais, central na pedagogia freireana. Segundo essa noção, o ser humano é sujeito e não objeto histórico, demandando esforço para a superação da “cultura do silêncio”, o qual envolve a leitura crítica do mundo e o engajamento na transformação da realidade em que estão imersos (AULER; DELIZOICOV, 2006; AULER et al, 2005; AULER; FENALTI; DALMOLIN, 2009).

Para a superação da cultura do silêncio urge a construção de espaços educativos críticos e de formação emancipatória, estabelecendo diálogo entre questões científica, tecnológica, social e ambiental visto que “a dinâmica socioambiental contemporânea está progressivamente condicionada pelos avanços no campo científico-tecnológico” (AULER; FENALTI; DALMOLIN, 2009, p. 2).

Nascimento e Von Linsingen (2006) apontam três pontos de convergências entre a educação na perspectiva CTSA e a pedagogia de Paulo Freire que são: (1) abordagem temática e a seleção de conteúdos e materiais didáticos, de modo a aproximar com as vivências dos/das discentes; (2) a perspectiva interdisciplinar do trabalho pedagógico,

26 Vocação ontológica refere-se ao processo de tornarmos mais humanos, pautados em valores coletivos

ou seja, que pauta-se no diálogo entre diferentes áreas do saber; (3) o papel assumido pelo educador e educadora no processo de ensino e aprendizagem e na formação para o exercício da cidadania, qual seja o de estimular o processo educativo, rompendo com a postura de autoridade do saber (ANDRADE, 2016).

O modelo de ensino defendido por Paulo Freire tem na dialogicidade e na problematização os caminhos de superação da educação bancária27 (NASCIMENTO; VON LINSINGEN, 2006). Aliado a isso, o “mundo da escola” e “da vida”, antes visto como paralelos e incomunicáveis na concepção de educação bancária, aqui interagem e se influenciam mutuamente. Como afirma Auler (2007):

O “mundo da vida” adentra no “mundo da escola”, nas configurações curriculares, por meio do que este educador denominou de temas geradores, os quais envolvem situações problemáticas, contraditórias. Estes [os alunos] carregam, para dentro da escola, a cultura, as situações problemáticas vividas, os desafios enfrentados pela comunidade local. O mundo vivido, os problemas e as contradições nele presentes passam a configurar o ponto de partida. (AULER, 2007, p. 175-176).

Assim sendo, nesta pedagogia as experiências vividas se constituem como eixos balizadores para o processo de ensino e a participação se configura como um importante caminho para a aprendizagem. Auler (2007) aponta que no âmbito da Educação Científica, defende-se a superação da concepção linear, a qual impetra que o aluno precisa estar letrado científico-tecnologicamente, para posteriormente participar da democratização de processos decisórios. Nesse sentido, compreende-se que a construção de uma cultura científica não é independente da participação social, “mas dimensões estreitamente vinculadas, constituindo processos que se realimentam mutuamente” (AULER, 2007, p. 185). Essa perspectiva educacional expressa a centralização dada à formação cidadã no âmbito do Ensino de Ciências, pelas abordagens CTSA, nas últimas décadas. De um modo geral, essas abordagens visam criar condições de um ensino “contextualizado social e ambientalmente referenciado e comprometido” (VON LINSINGEN, 2007, p. 14), de modo que os sujeitos estejam bem informados para participar das decisões que envolvem questões relativas à Ciência e à Tecnologia.

27 Na perspectiva freireana, a educação bancária caracteriza–se pela recepção, memorização e repetição

dos conhecimentos fornecidos pelos educadores e educadoras. Os educandos e educandas são como bancos de depósitos das informações transmitidas pelos/as docentes, uma vez que não ocorre diálogo entre educador/a e educando/a, nem com a realidade concreta dos sujeitos durante o processo educativo.

Quando nos referimos à Educação CTSA pode parecer que há um consenso dentro desse movimento, no entanto, alguns trabalhos (SANTOS, 2002; 2008a; 2008b; PEDRETTI; NAZIR, 2011) têm reconhecido e advertido a respeito da pluralidade de práticas presentes dentro desse movimento. Uma contribuição importante para compreendermos essa pluralidade, é a proposta de Pedretti e Nazir (2011) de categorizá- las e descrevê-las em seis diferentes vertentes ou tendências da Educação CTSA28 que se estabeleceram nos últimos 40 anos. De acordo com Conrado (2017), as autoras revelam que há, pois, divergências internas em termos de correntes, foco, objetivos de educação científica, das abordagens dominantes e das estratégias de cada vertente que são mobilizadas para aplicar no ensino de ciências. Ainda que essas tendências não sejam mutuamente excludentes, nem tão pouco a análise das autoras se pretenda exaustiva como elas mesmas deixam explícito, essa caracterização possibilita termos um panorama geral da diversidade de tendências presentes na Educação CTSA que tem ganhado fôlego nas últimas décadas dentro da comunidade de educadores/as em Ciências (CONRADO, 2017; CONRADO; NUNES-NETO, 2018).

Examinando essa diversidade de vertentes da Educação CTSA, Santos (2002; 2008a; 2008b) conclui que as propostas de ensino CTSA podem reificar desde visões conservadoras a visões transformadoras e humanísticas. Deste modo, esse autor propõe um resgate dos pressupostos freireanos como via para recuperar a agenda política do movimento CTSA e fomentar o seu caráter transformador e humanístico. Assim, estamos apostando na proposta defendida por Santos (2002; 2008a; 2008b) como um caminho promissor para delinearmos uma Educação Científica Humanística para as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, o qual possibilite a formação emancipatória dos sujeitos do campo.

Santos (2008b), baseando-se nas ideias educacionais de Freire, propõe e defende uma Educação Científica Humanística, isto é, uma perspectiva de ensino que rompa com a visão ingênua de Educação em Ciências, mais especificamente, que vá além das perspectivas que defendem a compreensão das questões relativas à Ciência e o uso de Tecnologias associadas como meio de melhorar a vida dos sujeitos, ou seja, e as implicações sociais de seu uso. A Educação Científica Humanística é defendida por

28 1) Aplicação/desenho; 2) Histórica; 3) Raciocínio lógico; 4) Centrada em valores; 5) Sociocultural; 6)

Santos (2008b) como uma visão radical do letramento científico29, postulando que é papel também da Educação Científica gerar ações que possibilitem a transformação do contexto social e político do mundo moderno. Nesse sentido, não é suficiente mostrar aos alunos e alunas como a ciência e a tecnologia estão presentes em nosso cotidiano ou demonstrar as complexas relações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente, mas é imprescindível também apontar as contradições do acesso e do uso da Ciência e da Tecnologia no Ambiente e na Sociedade (SANTOS, 2008b).

Um exemplo possível que demonstra essa contradição é o fato de que hoje alcançamos uma alta produtividade na produção de alimentos, devido aos avanços científicos e tecnológicos, e, no entanto, milhões de pessoas ainda morrem de fome, vivem desnutridas ou sobrevivem a partir dos restos de alimentos das classes mais abastadas. Na visão freireana, aprender sobre Ciência é também refletir sobre o acesso desigual da população aos benefícios dos avanços técnico-científicos, o qual gera relações opressivas na sociedade.

Na perspectiva de Educação Científica Humanística a justificativa sociológica para trabalhar com as inter-relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade na Educação em Ciências deve ir além do foco restrito nas discussões das implicações sociais da produção e uso da ciência e tecnologia para uma abordagem mais radical (SANTOS, 2008a). A proposta de Santos (2008a) é a de que resgatemos a visão política da educação de Freire buscando transformar o modelo racional científico e tecnológico excludente para um modelo centrado na justiça e igualdade social, possibilitando uma recontextualização do movimento CTSA.

Com base nas ideias de Freire e em trabalhos que abordam a Educação Científica sob a perspectiva freireana, Santos (2008b) apresenta algumas características que devem ser incorporadas a uma visão radical da Educação Científica Humanística. Primeiramente, é preciso analisar a realidade para identificar temas que sejam socialmente relevantes e que possam ser discutidos por meio de Questões Sociocientíficas (QSCs). Os temas das QSCs emergem a partir da análise da realidade do/da educando/a e geram discussões acerca dos aspectos culturais desses sujeitos, a

29 Esse termo deriva do inglês scientific literacy e tem sido traduzido como alfabetização científica ou

como letramento científico. No entanto, essas terminologias apresentam significados distintos. Enquanto “alfabetização” envolve o domínio e apropriação dos conhecimentos científicos, “letramento” refere-se à capacidade do indivíduo de utilizar esses conhecimentos na prática social, ou seja, mobilizar os conceitos da ciência para explicação de fenômenos sociais. Desse modo, neste trabalho adotaremos o termo “letramento” ao invés de “alfabetização”. Para saber mais sobre a distinção dessas terminologias, consultar Santos (2002; 2007).

partir do qual os conteúdos científicos serão introduzidos nas aulas (SANTOS, 2008b). Nesta perspectiva, as QSCs podem ser interpretadas como as palavras geradoras na pedagogia freireana (Idem).

Como defende Santos (2008b), o uso das QSCs fundamentado na perspectiva de Educação Humanística Freireana deve permitir discussões de questões sociais, ou seja, o exame de QSCs deve ir além do ensino e aprendizagem de conteúdos conceituais da ciência, para gerar reflexões sobre o contexto social de opressão na sociedade científico- tecnológica moderna, como por exemplo, o acesso desigual à ciência e a tecnologia em todo o mundo, especialmente no ambiente do campo, e o contraste deste acesso entre os ricos e os mais pobres.

A segunda característica refere-se à discussão dos temas identificados a partir da análise da realidade, por meio de um processo dialógico entre os sujeitos envolvidos. O diálogo, elemento indispensável para a educação libertadora de Freire, deve possibilitar o debate das relações de opressão vividas pelas oprimidas e pelos oprimidos, o que implica que o professor e a professora de ciências precisam promover as discussões estimulando a participação dos alunos e alunas nos debates sobre as QSC, para que eles e elas possam interagir com o mundo científico e tecnológico, explorando os valores que surgem dessas discussões (SANTOS, 2008b).

Santos (2008b) destaca que as interações dialógicas têm sido estudadas também no campo da Educação Científica, atribuindo ao diálogo significado semelhante àquele atribuído na pedagogia freireana, no entanto a base teórica e o enfoque epistemológico dado à análise das interações dialógicas são distintos, uma vez que na área da Educação