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Questões sociocientíficas e pedagogia da alternância: desafios e possibilidades de uma educação científica humanística no contexto de uma casa familiar rural

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Academic year: 2021

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FILOSOFIA E HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS

LEIDIENE APARECIDA RANGEL DA SILVA BARBOSA

Questões Sociocientíficas e Pedagogia da Alternância:

desafios e possibilidades de uma Educação Científica

Humanística no contexto de uma Casa Familiar Rural

Salvador 2019

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Questões Sociocientíficas e Pedagogia da Alternância:

desafios e possibilidades de uma Educação Científica

Humanística no contexto de uma Casa Familiar Rural

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Claudia de Alencar Serra e Sepulveda

Coorientadora: Prof. Drª. Ludmila Oliveira Holanda Cavalcante

Salvador 2019

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Questões Sociocientíficas e Pedagogia da Alternância: desafios e possibilidades de uma Educação Científica Humanística no contexto de uma Casa Familiar Rural

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.

Banca Examinadora

Marco Antonio Leandro Barzano _________________________________ Universidade Estadual de Feira de Santana

Doutor em Educação

Néli Suzana Britto _______________________________________________ Universidade Federal de Santa Catarina

Doutora em Educação

Alessandra Alexandre Freixo _____________________________________ Universidade Estadual de Feira de Santana

Doutora em Ciências Sociais

Claudia de Alencar S. e Supulveda (Orientadora)____________________ Universidade Estadual de Feira de Santana

Doutora em Ensino, História e Filosofia das Ciências

Ludmila O. Holanda Cavalcante (Coorientadora)____________________ Universidade Estadual de Feira de Santana

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Dedico este trabalho a todas as pessoas que acreditam no poder (trans)formador da Educação.

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construída e nutrida pelas relações espirituais e afetivas estabelecidas durante essa trajetória me permitiu chegar aqui. Com isso, é preciso agradecer a cada apoio recebido, às orientações do melhor ‘caminho’ a seguir, a cada ajuda que me fez não desistir, as palavras de carinho que tornaram os dias mais leves, cada proza compartilhada e regada a cerveja (ou não) que me fez “aliviar a mente” durante esse período de mestrado.

“E tenho comigo pensado, Deus é brasileiro e anda do meu lado”. “Igual Nossa Senhora, padroeira minha [que pra uns é branca, pra nós é pretinha]”. A Ele e Ela agradeço por, especialmente nos momentos de solitudes, me nutrirem de fé, confiança e força necessárias para seguir em frente.

Ter o privilégio de ser orientada por duas mulheres com certeza tornou essa trajetória menos pesada. Uma dupla orientação bastante provocativa: de um lado o ‘furação’ do conhecimento, aquela que me provocava (e provoca) a ir sempre um pouco mais, que “bagunçava” minha mente com tantas ideias novas a cada novo encontro de orientação, que me inspira com sua inteligência ímpar, seu engajamento profissional e social singular, sua emoção e paixão pela educação, pela mudança social, pelas pessoas. Claudia Sepúlveda, ou simplesmente “meu bem” como costumo chamá-la, tornou-se uma luz em minha vida, desde 2012 quando a nossa parceria se iniciou. Uma grande educadora, orientadora, amiga, mulher, mãe e um monte de outros ‘papéis sociais’ que esse múltiplo Ser desempenha com exímio nesse mundo. Muitíssimo obrigada!

Do outro lado a ‘calmaria’ do conhecimento, que com seu modo didático e pedagógico singular me fazia entender coisas que pareciam ser tão complexas. Uma grande inspiração profissional e pessoal. Ludmila Cavalcante, ou simplesmente “Lud” como costumo chamá-la, é a síntese da elegância, da assertividade, da sabedoria. Só tenho a agradecer por topar me orientar sem pestanejar. Em suma, agradeço imensamente às minhas orientadoras pelos saberes compartilhados, pela confiança depositada, pelas palavras provocativas que me fizeram sempre buscar um pouco mais.

Ao professor Marco Barzano, agradeço pelas contribuições durante o exame de qualificação. Suas críticas e sugestões foram essenciais para avançarmos nessa investigação. Agradeço mais uma vez por sua disponibilidade em participar da banca de defesa.

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participar da banca de defesa e por ser uma grande inspiração profissional para mim. Você é daquelas profissionais que “encho o peito” com orgulho para dizer “foi minha professora! ”. Sou sua fã!

Aos membros da banca (Néli, Marco, Alessandra) por aceitarem participar desse momento tão importante de avaliação da pesquisa e etapa formativa.

Meu eterno agradecimento ao Grupo Colaborativo de Pesquisa em Ensino de Ciências, o preciosíssimo GCPEC, pelo acolhimento, pela parceria desde 2012, pelo modo engajado, afetivo e genuinamente colaborativo de desenvolver as pesquisas. Deste modo, sou imensamente grata por fazer parte desse grupo-família.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (PPGEFHC) – UFBA/UEFS, formado por funcionárias/os, estudantes e docentes. Meus agradecimentos especiais às professoras Deinha Oliveira, Bárbara Carine, Rosiléia Almeida, Dália Conrado por serem profissionais excelentes e pessoas incríveis. Agradeço também aos professores Edilson Moradillo e Nei Nunes-Neto pelas valiosas contribuições para a minha formação durante esse período no PPGEFHC. Aos funcionários da secretaria do Programa, agradeço pelo empenho e diligencia frente às necessidades que tive durante o curso. E por último, mas não menos importante, quero ofertar meus sinceros agradecimentos e admiração à atual coordenação do Programa (e que coordenação!), pelo modo comprometido, empenhado, dialógico com que tem atuado.

À Casa Familiar Rural de Presidente Tancredo Neves, que me recebeu gentilmente se colocando à disposição para que esta pesquisa se realizasse. Agradeço aos funcionários e funcionárias que me ajudaram durante este período, em especial ao Quionei Araújo (Diretor Executivo), Fabiana Barreto (Assessora Pedagógica), Lídio Sampaio (Técnico em Agropecuária) e Helen (Agrônoma e Professora de Biologia). Aos egressos que deram vozes a este estudo, meus sinceros e eternos agradecimentos, com certeza sem vocês não teríamos desenvolvido o trabalho com estes resultados.

À minha família – mainha Maria, irmãs e irmãos, primas, tio/padrinho e tias - meu agradecimento eterno. Com vocês eu encontro minha paz, meu refúgio, meu alento. Sou grata pelo amor, apoio e principalmente por não me decepcionarem nas últimas eleições (rsrs). Sou privilegiada por ter uma família com consciência de classe, que acredita num mundo com maior equidade e justiça social. Obrigada por me ensinarem

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Às amigas e amigos de Salvador que durante o mestrado me receberam em suas casas de modo tão solícito. Foram tantos os lares que eu passei durante esses dois anos, que não mencionarei um a um, mas guardo em minha memória e no coração o carinho que vocês me deram nesse período. Com certeza esse apoio foi fundamental para que eu fizesse as disciplinas com tranquilidade.

Ao meu companheiro Anderson “Bojaum” que desde quando decidi tentar a seleção de mestrado me deu total apoio, seja lendo o meu projeto (mesmo não tendo nada a ver com sua área de pesquisa), me fazendo companhia nas cervejas, me acalmando em momentos de agonia (sobretudo nessa reta final). Entre idas e vindas estamos aqui, juntes novamente! “Os opostos se distraem, os dispostos se atraem”. Obrigada por tudo!

À todas/os amigas/os que o PPGEFH me trouxe, em especial Jakelyne Reis (minha grande parceira da conexão Feira-Salvador), Silná Batinga, Helen Messeder, Diego Palmeira, Eider Silva, Érika Aparecida, por todo carinho, atenção, vivências, apoio e cervejas compartilhadas durante este período. Vocês foram essenciais nessa minha trajetória até aqui.

À Ayane Paiva e Josebel Maia por tornarem meus dias no MT 54 mais alegres (regados a chocolates, cafés, muitas comidas, muita dança... rs) e afetivos. Vocês são duas preciosidades em minha vida. Obrigada por todo apoio, das mais diversas formas, para a realização desse mestrado.

Às minhas manas que Feira me presenteou (Milena, Thaise, Maiara, Íria, Denise, Viviane), meu muito obrigada! Com certeza não teria conseguido superar tantos contratempos, tantas crises de ansiedade sem a ajuda de vocês. Amo cada uma dessas mulheres e lutarei para que possamos alcançar todos os nossos sonhos compartilhados. Vocês me nutrem com os melhores sentimentos.

À minha professora e yogini Denise Oliveira, meu agradecimento fraterno. Ela que me ajudou a vivenciar a yoga de um modo leve e fecundo, de modo que já não consigo viver sem. Obrigada, Deni!

À todas as pessoas que me ajudaram a ‘concretizar esse sonho’, meu muito obrigada!

À CAPES, pelo apoio financeiro.

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“São tempos difíceis para os sonhadores” (O Fabuloso Destino de Amelie Poulain)

“A luta é que não para. A mesma necessidade de 64 está plantada, ela não fugiu um milímetro. A mesma necessidade está na fisionomia do operário, do homem do campo e do estudante. A luta que não pode parar. Enquanto se diz que tem fome e salário de miséria, o povo tem que lutar. Quem é que não luta por melhores dias de vida? Tem que lutar. Quem tem condições, quem tem sua boa vida que fique aí. Eu, como venho sofrendo, eu tenho que lutar e tenho peito de dizer: é preciso mudar o regime, é preciso que o povo lute. Enquanto tiver esse regimezinho, essa democraciazinha aí... democracia sem liberdade, democracia com salário de miséria, de fome, democracia sem o filho do operário e do camponês ter direito de estudar, ah... não pode, ninguém pode”. (Trecho da fala de Elizabeth Teixeira no filme “Cabra marcado para morrer” de

Eduardo Coutinho (1984)).

Nunca nos perguntam sobre o que queremos aprender. Pelo contrário, sempre dizem o que a gente deve estudar”, afirmou um dos presentes. E Paulo [Freire] retrucou: “o que é estudar? ” O adolescente que havia falado respondeu: “em primeiro lugar, não se

estuda só na escola, mas no dia-a-dia da gente”. E contou a seguinte estória: “dois homens iam numa camioneta carregando frutas. De repente se defrontaram com um atoleiro. O que dirigia parou a camioneta. Desceram os dois. Tentaram conhecer

melhor a situação. Atravessaram o atoleiro pisando de leve no chão sob a lama. Depois, discutiram um pouco. Juntaram pedaços de galhos secos e pedras com os quais

forraram o chão. Finalmente atravessaram sem dificuldade o atoleiro. Aqueles homens estudaram”, disse ele. “Estudar é isso também. ”

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proposta de ensino que promova formação emancipatória dos sujeitos que acessam as escolas em Alternância, a partir da visão filosófica freireana, dos princípios da Pedagogia da Alternância, da perspectiva educacional da Educação Científica Humanística e do uso de Questões Sociocientíficas (QSC). Considerando as peculiaridades desse sistema de ensino, partimos do pressuposto que a Educação em Ciências deve dialogar com a agenda de lutas dos povos do campo, bem como os princípios que os norteiam. Deste modo, este estudo teve como objetivo investigar quais características uma proposta pedagógica de Educação Científica Humanística, baseada na pedagogia freireana, deve ter para promover formação emancipatória no contexto de uma Casa Familiar Rural. Mais especificamente, objetivamos: a) examinar as potencialidades do uso de QSC como estratégia metodológica para uma Educação Científica Humanística que promova formação emancipatória em escolas que adotam a Pedagogia da Alternância; b) investigar os desafios e possibilidades de uma formação emancipatória na Educação Científica Humanística, em contextos da Pedagogia da Alternância, à luz da experiência de uma Casa Familiar Rural; c) desenvolver princípios de design para propostas pedagógicas baseadas em QSC que promovam formação emancipatória no contexto das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância. Esses objetivos contemplam a fase preliminar de uma Pesquisa de Design Educacional, abordagem metodológica adotada nesse estudo, uma vez que construímos uma estrutura conceitual a partir da identificação e análise do problema e das necessidades do contexto específico, além de uma revisão de literatura pertinente, cujos resultados foram sistematizados por meio das respostas aos objetivos específicos a e b. Ademais, construímos os princípios de design para elaboração de propostas pedagógicas baseadas em QSC que promovam formação emancipatória dos/das estudantes, no contexto das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, o que se configura o início da segunda fase da pesquisa em design, na qual são elaborados e testados empiricamente protótipos de inovações educacionais, contemplando o objetivo c. Os resultados da revisão de literatura apontam para as potencialidades das Questões Sociocientíficas como ferramenta pedagógica para promover formação emancipatória dos sujeitos que acessam as escolas em Alternância. O estudo da realidade aponta como desafios dessas escolas a promoção do diálogo entre as atividades desenvolvidas no Tempo-Escola e aquelas desenvolvidas no Tempo-Comunidade, especialmente no contexto da Educação científica, como meio para promover formação emancipatória dos sujeitos. Como produto educacional – um dos resultados esperados em um estudo de design – foi desenvolvida uma QSC com questões orientadoras (e os respectivos objetivos de aprendizagem) para ser aplicado no ensino de ciências em sala de aula de escolas que adotam a Pedagogia da Alternância. Esperamos que este estudo contribua para o ensino de ciências em escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, no sentido de promover formação integral e emancipatória dos sujeitos comprometidos com a transformação social positiva no contexto em que estão inseridos.

Palavras-chave: Educação Científica Humanística; Pedagogia da Alternância; Pedagogia Freireana; Questões Sociocientíficas; Pesquisa de Design Educacional; Formação Emancipatória.

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that adopt the Pedagogy of Alternance, this investigation sought to develop a teaching proposal that promotes emancipatory formation of the subjects that access such schools, based on Freirean philosophical vision, principles of Pedagogy of Alternance, an educational perspective of Humanistic Scientific Education and the use of Socio-Scientific Issues (QSC). Considering the peculiarities of this system of education, we assume that Science Education should dialogue with the agenda of the struggles of rural people, as well as the principles that guide them. Thus, this study aimed to investigate what characteristics a pedagogical proposal of Humanistic Science Education, based on Freirean pedagogy, should have to promote emancipatory formation in the context of a Maison Familiale Rurale. More specifically, we aim to: a) examine the potential of the use of QSC as a methodological strategy for a Humanistic Science Education that promotes emancipatory formation in schools that adopt the Pedagogy of Alternance; b) investigate the challenges and possibilities of an emancipatory formation in Humanistic Science Education, in contexts of the Pedagogy of Alternance, besed on the experience of a Maison Familiale Rurale; c) develop design principles for QSC-based pedagogical proposals that promote emancipatory formation in the context of schools that adopt Pedagogy of Alternace. These objectives contemplate the preliminary phase of the metodological approach of Educational Design Research, adopted in this study, since we construct a conceptual structure based on the identification and analysis of the problem and the demands of the specific context, as well as a review of literature, whose results were systematized through responses to specific objectives a and b. In addition, we have built the design principles for pedagogical proposals based on QSC that promote the emancipatory formation of the students in the context of the schools that adopt the Pedagogy of Alternance, which is the beginning of the second phase of design research, in which prototypes of educational innovations are elaborated and emppiracaly tested, contemplating objective c. The results of the literature review point to the potential of Socio-Scientific Issues as a pedagogical tool to promote emancipatory training of individuals who access schools in Alternance. The study of reality points out as challenges of these schools the promotion of dialogue between activities developed in school time and those developed in community time, especially in the context of scientific education, as a means to promote emancipatory training of subjects. As an educational product - one of the expected results of a design study - a QSC with guiding questions (and their learning objectives) was developed to be applied in classroons of science teaching in schools adopting Pedagogy of Alternance.We hope that this study contributes to the teaching of science in schools that adopt the Pedagogy of Alternance, in the sense of promoting integral and emancipatory formation of the subjects committed to the positive social transformation in the context in which they are inserted.

Key-words: Humanistic Science Education; Pedagogy of Alternance; Freirean Pedagogy; SocioScientific Issues; Educational Design Research; Emancipatory Formation

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CEFFA - Centros Familiares de Formação por Alternância CFR - Casa Familiar Rural

CFR-PTN – Casa Familiar Rural de Presidente Tancredo Neves

COOPATAN – Cooperativa de Produtores Rurais de Presidente Tancredo Neves CTS - Ciência, Tecnologia e Sociedade

CTSA- Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente DDT - Diclorodifeniltricloroetano

ECOR - Escolas Comunitárias Rurais EFA – Escola Família Agrícola FP – Ficha Pedagógica

GCPEC – Grupo Colaborativo de Pesquisa em Ensino de Ciências MEPES - Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo MESP - Movimento Escola Sem Partido

PA – Pedagogia da Alternância PE – Plano de Estudos

PPP – Projeto Político Pedagógico QSCs - Questões Sociocientíficas TC - Tempo-Comunidade

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TDC – Texto de Divulgação Científica

TE - Tempo-Escola

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1.1TRAJETÓRIA PESSOAL ... 14

1.2JUSTIFICATIVA DE ESCOLHA DO TEMA ... 16

1.3 CONTEXTO SOCIO-HISTÓRICO DA PESQUISA E SEUS ASPECTOS TEÓRICO -METODOLÓGICOS ... 17

1.4ASPECTOS METODOLÓGICOS GERAIS ... 21

1.5QUESTÕES ÉTICAS, ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS CAPÍTULOS ... 23

2. REFERENCIAL TEÓRICO ... 26

2.1PEDAGOGIAFREIREANAESEUSPRINCÍPIOSEDUCATIVOS ... 26

2.2 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA COMO “SISTEMA” DE ENSINO PARA ASESCOLASDOCAMPO:UMBREVEPANORAMA ... 30

2.3 EDUCAÇÃO CIENTÍFICA HUMANÍSTICA: UM RESGATE DOS PRINCÍPIOSFREIREANOSPARAAEDUCAÇÃOEMCIÊNCIAS ... 38

3. PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO CIENTÍFICA HUMANÍSTICA À LUZ DA EXPERIÊNCIA DE UMA CASA FAMILIAR RURAL (CFR) ... 52

3.1CONTEXTO DA PESQUISA ... 52

3.2ABORDAGEM METODOLÓGICA DO ESTUDO ... 56

3.3ANÁLISE DOS DADOS ... 60

3.4PERFILDOS/ASEGRESSOS/ASENTREVISTADOS/AS ... 61

3.5“DACANETAÀENXADA, DAENXADAÀ CANETA”:INDICADORESDE DIÁLOGOENTREAESCOLAEACOMUNIDADE; ... 63

3.6 “O CAMPOÉOLUGAR ONDEEUNÃO QUEROSAIR”:INDICADORES DE FORMAÇÃOEMANCIPATÓRIADOSSUJEITOSDOCAMPO ... 68

3.7 EDUCAÇÃO CIENTÍFICA EM FOCO: TEMAS SOCIOCIENTÍFICOS PARA UMAEDUCAÇÃOHUMANÍSTICA ... 73

4. PRINCÍPIOS DE DESIGN PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS DE ESCOLAS QUE ADOTAM A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA: EM BUSCA DA FORMAÇÃO EMANCIPATÓRIA DOS SUJEITOS ... 76

4.1ASPECTOS METODOLÓGICOS ... 77

4.2PRINCÍPIOS DE DESIGN PARA ENSINO DE CIÊNCIAS BASEADO EM QSC PROMOTORA DE FORMAÇÃO EMANCIPATÓRIA NO CONTEXTO DE ESCOLAS QUE ADOTAM A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA ... 78

4.2.1 Princípios que enunciam as orientações para a construção da Questão Sociocientífica ... 78

4.2.2 Princípios de planejamento sobre como trabalhar a QSC enquanto proposta pedagógica no contexto das escolas que adotam a Alternância ... 82

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 92

REFERÊNCIAS ... 95

APÊNDICEA ... 105

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 105

APÊNDICEB ... 107

TERMO DE ANUÊNCIA - DECLARAÇÃO ... 107

APÊNDICEC ... 108

QUESTIONÁRIO – CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL DOS EGRESSOS DO CURSO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA ... 108

APÊNDICED ... 111

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA - EGRESSOS DA CFR ... 111

APÊNDICEE ... 114

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA – PILOTO ... 114

ANEXO1 ... 116

ANEXO2 ... 148

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Trajetória pessoal

Eu nasci em Valença (BA), mas minha identidade gentilícia é tancredense, afinal minha família e eu sempre moramos numa comunidade da zona rural de Presidente Tancredo Neves (BA) e esse “contratempo” de nascer na “capital da Costa do Dendê” só ocorreu, pois, na época de meu nascimento, Tancredo Neves ainda não dispunha de hospital uma vez que havia aproximadamente dois anos de sua emancipação. Desse modo, foi na comunidade rural do Ouro Preto (Presidente Tancredo Neves), mais especificamente no sítio Santa Maria, que passei toda a minha infância, adolescência e início da vida adulta. E foi nessa comunidade que iniciei minha vida escolar.

Desde muito cedo peguei o gosto pelos estudos, pois sonhava que por esse caminho poderia mudar a minha vida e de minha família. Minha trajetória iniciou-se numa escola que ficava a aproximadamente 15 minutos de minha casa, sendo esta construída na década de 1990, graças a um senhor que, comovido com a situação de várias crianças que tinham que caminhar aproximadamente cinco quilômetros diariamente para estudar, buscou recursos e doou uma parte de seu sítio para a construção da Escola Elizabeth Santiago. Por meio de reivindicações da comunidade, posteriormente, a prefeitura do município tomou a sua responsabilidade e contratou dois docentes e uma merendeira para que as atividades na escola fossem iniciadas. Essa escola tinha apenas duas salas e ofertava do primeiro ao quinto ano, ou seja, eram classes multisseriadas1 (em uma sala era ofertado do primeiro ao terceiro e na outra do quarto até o quinto ano).

Nos anos seguintes pude ter a oportunidade de cursar os períodos escolares em classes regulares. Durante o quinto e sexto ano estudei numa escola pública localizada no distrito de Moenda, município de Presidente Tancredo Neves. Os períodos entre o sétimo ano e o nono ano foram cursados em uma escola pública, recém construída na época, localizada na Comunidade da Gendiba, a cerca de quatro quilômetros da localidade em que eu morava.

Importa destacar que em 2005, época em que iniciei o Ensino Médio, havia dois anos que tinha sido implantada, próxima à minha comunidade – aproximadamente dois quilômetros de minha residência - uma escola denominada de Casa Familiar Rural, o

1 Para saber acerca do debate sobre escolas multisseriadas ler: CAVALCANTE; SILVA, 2018; HAGE,

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qual minha irmã mais velha iniciou os estudos, fazendo parte da primeira turma dessa instituição. Porém, a escola tinha uma política em que não era permitido membros de uma mesma família estudar na instituição. Desse modo, a única alternativa para mim foi cursar o Ensino Médio num colégio público situado na sede do município.

O decurso desses anos foi marcado por muitas dificuldades, mas também por resiliência uma vez que dependia de transporte escolar para chegar até as escolas, o que nem sempre era fornecido pela Prefeitura (o que levava eu e dezenas de outros jovens a se aventurarem a caminhar aproximadamente sete quilômetros diários), ou quando era fornecido transporte era de modo irregular, como os tão conhecidos “pau-de-arara”2.

Apesar de algumas adversidades, consegui findar o nível básico de ensino no período regular, o que era (e ainda é) um grande desafio para muitos jovens que viviam (e vivem) no campo, com baixíssimas oportunidades educacionais, profissionais e que precisavam (e precisam) conciliar o trabalho na propriedade familiar com a vida escolar como foi durante toda a minha trajetória estudantil.

Para mim, durante muitos anos, o “mundo da escola” e o “mundo da lida no campo” pareciam incomunicáveis, isolados, afinal, parecia que nada do que eu aprendia na escola fazia sentido quando eu estava ajudando minha mãe3 na casa de farinha, ou quando estava plantando mandioca, ou quando estava capinando o quintal, colhendo cravo, castanha... parecia que as identidades de estudante e de agricultora não dialogavam entre si. Ao contrário, essas identidades durante muitos anos estiveram em conflito. Por muito tempo acreditei na ideia de que uma atribuição anulava a outra. Mais que isso, por muitos anos nutri a ideia de que era preciso superar a condição ‘fracassada’ de agricultora, buscando uma profissão de ‘sucesso’ por meio dos estudos.

Acreditando que “ser agricultora era um fracasso anunciado” fui levada a negar tal identidade por longos anos, inclusive ter vergonha da minha origem, da profissão de minha mãe enquanto agricultora, de onde nasci, de onde estudei. A construção em meu imaginário dessa ideia é resultado de um processo histórico de alterização negativa4 em

2 Vale destacar que tais condições objetivas e subjetivas de vida e estudo para as populações da zona

rural, tem sido objeto de intensos debates no território da Educação do campo.

3 “Entendemos que, desde o início da vida escolar a criança vem sofrendo fortes influências da vida

urbana, pois todo o conteúdo escolar é voltado para um modo de vida diferente do campo. Assim, observamos que muitas escolas reproduzem o modo de vida urbano, levando o jovem a não se identificar com o meio em que está inserido” (FELIPE; ARLINDO, 2016, p. 236).

4 O termo “alterização” refere-se aos processos culturais de produção de alteridade através da delimitação,

rotulação e categorização das formas possíveis de ser outro, tomando como referência determinado marco sócio-histórico (ARTEAGA, et al., 2015). A alterização ocorre na sociedade no processo de construção das identidades, e nesse sentido, podem apresentar visões do outro tanto positivo quanto negativo (Idem). Na alterização negativa ocorre, consequentemente, “no processo de criação de distinções – artificiais e

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torno do campo e dos sujeitos que ali vivem, como sendo um local de “atraso”, sem cultura, sem produtividade, com pessoas preguiçosas, doentes, sem instrução, sem saberes (vide a emblemática figura do Jeca Tatu que por muitos anos apresentava-se como a síntese do sujeito do campo, o qual era divulgada nos meios de comunicação).

Todas essas construções foram se ressignificando com a minha entrada na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) - ainda que reconheça as contradições presentes na academia e o modo colonizador com que ela opera em nossa mente, buscando nos enquadrar em certo padrão de sujeito intelectual - e com as relações estabelecidas a partir desse período, as quais se configuraram como um “divisor de água” em minha vida. A partir dessa experiência, consegui perceber o quanto era opressor negar minha origem, os conhecimentos que construí na lida com a comunidade de onde venho e com o campo. A partir da minha trajetória e das relações estabelecidas por meio da Universidade pude visualizar as raízes desses processos, e foi a partir dela que pude me (re)conhecer e compreender as desigualdades e opressões presentes entre o campo e a cidade. Tenho consciência que muitas coisas ainda precisam avançar para dirimir essas diferenças, porém com a certeza que sem a Educação isso será inviável.

1.2 Justificativa de escolha do tema

A escolha em trabalhar com a Pedagogia da Alternância se deu ainda no período da graduação quando, em dado momento de minha trajetória no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, a partir da aproximação com as discussões sobre Educação do/no campo5, começo a perceber como meu percurso de vida e as experiências compartilhadas me fizeram negar e esconder a minha identidade de agricultora. Aliado a essa questão, começo a compreender, enquanto jovem do campo, que os espaços educacionais que acessei na infância e adolescência não me deram oportunidades de continuar trabalhando na agricultura, caso desejasse. Ao contrário, esses espaços me

arbitrárias - entre um grupo e outro, com relações de poder assimétricas. Isso acontece em várias instâncias, homem - mulher, brancxs - negrxs, pobres - ricxs, humanos - não-humanos etc” (PAIVA, 2019, p. 90).

5É importante explicitar ao leitor a diferença das preposições do e no campo, no contexto da luta por

educação. No campo por entender que “o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive” (CALDART, 2002, p. 26), e do campo entendendo que “o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais” (ibid.), lançando-se na continuação da “luta histórica pela constituição da educação como um direito universal” (ibid.), opondo-se ao tratamento desse direito como serviço, política compensatória ou como mercadoria.

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fizeram acreditar, durante muito tempo, que estar no campo era “um atraso de vida”. O ambiente rural era, pois, um vazio humano, em que a perspectiva de “sucesso”, de desenvolvimento, de oportunidades e dignidade estava atrelada à vida nos centros urbanos.

As aproximações com as discussões sobre a Educação do/no Campo ampliaram os horizontes para o desenvolvimento desta pesquisa no mestrado e eis que aqui estou, no esforço de contribuir com essa perspectiva educacional que não tive acesso, mas que reconheço a sua importância. Tendo em vista a minha formação acadêmica enquanto licenciada em Ciências Biológicas, busco contribuir com a Educação Científica para esse contexto que precisa ser pensada considerando suas especificidades.

Somada a essas motivações pessoais, vale ressaltar o fato de os trabalhos em Educação Científica serem voltados em sua grande maioria para as escolas urbanas, o que se configura uma lacuna no campo da Educação em Ciências para as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, uma vez que as peculiaridades dessas escolas lançam diferentes desafios para o campo em estudo.

Visto que a sistematização do que será apresentado a seguir é resultado de um trabalho colaborativo de discussão e negociações junto às minhas orientadoras e do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GCPEC)6, do qual faço parte, os escritos a seguir serão referidos na primeira pessoa do plural.

1.3 Contexto socio-histórico da pesquisa e seus aspectos teórico-metodológicos Antes de adentrarmos na apresentação do estudo em si – seus aspectos teórico-metodológicos – é preciso situá-lo, ainda que brevemente, no contexto sócio-histórico atual, afinal não há sentido em discutir e propor uma Educação Científica Humanística para os povos do campo sem considerar a trama social atual na qual ela se insere.

Temos vivido uma onda global de avanço da extrema-direita, por meio da eleição de lideranças políticas em diferentes nações do planeta, bem como no Brasil. Essa conjuntura nega e muitas vezes abomina a diversidade cultural, religiosa, étnica-racial, de gênero e sexualidade. Mais que isso, o avanço dessas lideranças representa

6 O GCPEC é um grupo colaborativo de pesquisa ligado ao Departamento de Educação da Universidade

Estadual de Feira de Santana (UEFS) sob coordenação da professora Dra. Cláudia Sepúlveda o qual reúne pesquisadores da área de Ensino de Ciências da UEFS, estudantes de graduação desta universidade, estudantes da pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA/UEFS), professores da Rede Básica Estadual de Ensino que atuam em Feira de Santana, num esforço colaborativo de pensar e desenvolver inovações educacionais, bem como investigá-las, a partir das problemáticas emergidas das práticas em salas de aulas vividas por esses profissionais.

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uma ameaça aos grupos sociais que historicamente têm lutado contra as constantes violações de seus direitos - os negros, mulheres, indígenas, povos do Campo, lideranças políticas, LGBTQI+, dentre outros. No Brasil, por exemplo, o atual governo foi eleito num processo eleitoral pautado por discursos de ódio (discursos esses que tem sido reforçado pelo mesmo após a eleição), o qual tem legitimado diferentes formas de violências contra essas minorias sociais.

Ademais, as áreas educacionais têm sido atingidas fortemente com as ações do (des)governo, por meio dos diferentes cortes nas políticas de incentivo à educação e o modo desrespeitoso e vil com que ele tem tratado todos aqueles que lutam em defesa da educação. Esse desrespeito ficou evidente, por exemplo, em declarações do então presidente, quando comentando as manifestações do dia 15 de maio contra os cortes do orçamento das universidades federais, declarou que os manifestantes eram “idiotas úteis” e “massa de manobra”7. Sem contar os retrocessos irreversíveis no campo ambiental (demarcações de terras, aumento do desmatamento e no uso de agrotóxicos, por exemplo)

Nesse sentido, o presente estudo se configura como um ato de resistência à ordem conservadora proposta por esse governo e se coloca na defesa de uma Educação Científica Humanística para as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, resgatando a agenda política e as ideias centrais do educador e filósofo Paulo Freire.

Vale destacar que aqui no Brasil há alguns anos Paulo Freire8 (1921-1997) vem sofrendo uma série de ataques de grupos conservadores que o acusam de “inimigo da educação”, de “doutrinador” por meio de suas vastas obras, desqualificando-as e desrespeitando o legado de um educador e filósofo que dedicou boa parte de sua vida defendendo uma educação que, para além do acesso ao conhecimento pelos sujeitos, possibilitasse-os compreender as relações opressivas em que estavam imersos, de modo a buscar a sua superação. Nesse sentido, este trabalho busca resgatar as ideias

7

https://oglobo.globo.com/sociedade/nos-eua-bolsonaro-chama-manifestantes-da-educacao-de-idiotas-uteis-23667150

8 Considerado como um dos pensadores mais importantes do mundo, apontado como um dos mais

notáveis pensadores da história da pedagogia, Freire teve suas obras traduzidas para diferentes idiomas e seus trabalhos influenciaram e influenciam as mais diversas áreas de conhecimento, tanto no Brasil quanto no mundo (PAIVA, 2016; HADDAD, 2019; SANTOS, 2008b). A relevância de seus pensamentos reflete nas mais diferentes homenagens prestadas a Freire nacional e internacionalmente. Como afirma Paiva (2016), Paulo Freire é o brasileiro com mais homenagens em todos os tempos, com 48 títulos de Doutor Honoris Causa em diferentes universidades no Brasil e no mundo, presidente honorário de pelo menos 13 organizações internacionais, além de centenas de menções e prêmios (HADDAD, 2019). No Brasil, foi sancionada a lei nº 12.612/2012 que estabeleceu o título de “Patrono da Educação Brasileira” a Paulo Freire (BRASIL, 2012).

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freireanas, dando destaque a sua importância ao campo educacional, tal como defendido por Santos (2008a; 2008b), como via para a politização da Educação Científica para as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, sendo esta uma demanda dos estudos atuais.

Pensar sobre o campo9 é partir da concepção de que os sujeitos que ocupam esse ambiente são singulares em suas identidades, com dinâmicas sociais próprias, uma rica diversidade cultural e apresentam demandas de vida que necessitam ser consideradas pelas políticas públicas que, por sua vez, devem levar em conta os projetos de Educação que os povos do campo têm reivindicado. Os campesinos, por serem sujeitos de direitos, lutam via movimentos e organizações sociais por uma Educação do/no Campo que considerem suas particularidades, numa perspectiva de formação humana emancipatória e de desenvolvimento local sustentável (SOUZA, 2008).

Na agenda de lutas dos movimentos sociais do campo é questão primordial a disputa por um modelo de escola que esteja alinhada com os princípios e organização do trabalho desenvolvido pelos sujeitos que ocupam o espaço rural. Assim, o sistema de ensino que tem sido adotado pelas escolas do campo é o da Pedagogia da Alternância, a qual desfruta da influência dos pensamentos freireanos no modo de conceber o processo de educar (CAVALCANTE, 2010). Essa pedagogia nasce inicialmente na França como resultado da insatisfação de pais e lideranças religiosas com o aumento da migração dos jovens do campo para a cidade, por não disporem de uma Educação que se aliasse à dinâmica do trabalho agrícola. A despeito desta origem localizada, a proposta de uma Pedagogia da Alternância se espalha para diferentes regiões do planeta, inclusive no Brasil, sendo esse o primeiro país da América Latina a adotar a Pedagogia da Alternância no ano 1969 via Escolas Famílias Agrícolas no Estado do Espírito Santo.

A Pedagogia da Alternância caracteriza-se por dois momentos educativos: um denominado de Tempo Escola (TE) e outro de Tempo Comunidade (TC). Esses tempos são articulados dialeticamente de modo a promover o diálogo entre as experiências vividas pelos jovens em suas propriedades e os conhecimentos construídos e apropriados durante o período que estão na escola.

9 O campo é aqui entendido como ambiente dinâmico, de vidas, de identidades e de culturas singulares,

um lugar de trabalho, moradia, lazer, sociabilidade, um lugar de construção de novas possibilidades de reprodução social e de desenvolvimento sustentável (SOUZA, 2008). Assim sendo, o campo se configura como um espaço com possibilidades de viver dignamente, em que dinamizam o elo dos seres humanos com a produção das condições da existência social de que precisa e com as realizações da sociedade humana (BRASIL, 2001).

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Atentando-se as peculiaridades desse sistema de ensino, a proposição da Educação em Ciências deve dialogar com a agenda de lutas dos povos do campo, bem como os princípios que os norteia. Assim, a Educação Científica que se pretende para esse contexto não pode ser compreendida como mera transmissão dos conhecimentos sistematizados por essa área de conhecimento (BRICK et al., 2014; FONSECA; DUSO; HOFFMANN, 2017). É preciso assumir o desafio de mobilizar os resultados das pesquisas da área de Educação em Ciências no intuito de contribuir com a concretização dos princípios inerentes à Pedagogia da Alternância, considerando que novos enfrentamentos podem surgir dadas as especificidades que esse contexto escolar apresenta (BRICK et al., 2014).

Nesse estudo, partimos da ideia de que o ensino de ciências deve ultrapassar a aquisição de conceitos técnico-científicos assumindo o compromisso com as questões políticas e sociais relativas à Ciência e à Tecnologia, rumo a uma Educação Científica Humanística tal como defendido por Santos (2008a; 2008b), a qual busque promover formação emancipatória dos sujeitos do campo. Para tanto, estamos apostando no uso da ferramenta de ensino denominada Questões Sociocientíficas (QSC) como via para a materialização dessa Educação.

As QSC, enquanto ferramenta didática, são situações ou problemas de natureza controversa e complexa que possibilitam uma abordagem contextualizada e interdisciplinar dos conteúdos, sendo necessário os conhecimentos científicos, históricos e filosóficos para compreensão e a busca de solução para lidar com tais problemas (CONRADO, 2017; CONRADO; NUNES-NETO, 2018). No contexto da Educação Científica brasileira, essa ferramenta tem sido utilizada, por exemplo, como meio para promover formação política, científica, cidadã, capacidades do pensamento crítico, desenvolvimento da capacidade de argumentação, letramento científico crítico, proposição de ações sociopolíticas (ANDRADE, 2016; CONRADO, 2017; PAIVA, 2019).

Orientadas por esses marcos teóricos organizamos uma pesquisa voltada ao desenvolvimento de princípios de design de propostas de ensino de ciências, consistentes com os princípios de uma Educação Científica Humanística e com a Pedagogia Freireana – na qual se baseia, que tenham potencial para promover formação emancipatória dos sujeitos no contexto das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância.

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1.4 Aspectos metodológicos gerais

Utilizamos nesse estudo uma abordagem qualitativa orientada por meio do referencial teórico-metodológico da Pesquisa de Design Educacional - Educational Design Research – (PLOMP, 2009). A pesquisa de design engloba o estudo sistemático do planejamento, da implementação, da avaliação e da manutenção de intervenções educacionais inovadoras – tais como programas, estratégias, materiais de ensino e aprendizagem, produtos e sistemas – como solução para problemas complexos identificados no contexto da prática educacional, os quais visam avançar o nosso conhecimento sobre as características destas intervenções e os processos para o delineamento e desenvolvimento de soluções dos problemas identificados (PLOMP, 2009; 2018).

Os principais conhecimentos a serem adquiridos na pesquisa de design estão na forma de princípios, os quais visam apoiar no desenvolvimento das tarefas referente à intervenção educacional (VAN DEN AKKER, 1999). Segundo Van den Akker (1999), os princípios de design são declarações heurísticas os quais configuram apostas teóricas e educacionais, podendo ter natureza substantiva ou procedimental/metodológica. Os princípios de natureza substantiva constituem-se em generalizações teóricas ou orientações filosófico-pedagógicas que se referem às características gerais da intervenção, os quais podem ser aplicados em outros contextos educacionais (PAIVA, 2019; SARMENTO, 2016; VAN DEN AKKER, 1999). Já os princípios procedimentais referem-se às características de uma intervenção aplicada numa sala de aula específica (PAIVA, 2019; SARMENTO, 2016; VAN DEN AKKER, 1999). Os princípios são seguidos de seus respectivos propósitos e razões, as quais podem ser de natureza teórica e/ou experiencial (SARMENTO, 2016).

Esse tipo de pesquisa tem sido proposto como resposta às críticas de que pesquisas no campo do ensino têm tido baixa relevância para o enfrentamento dos problemas comuns na prática educativa, uma vez que essa modalidade de investigação busca gerar um produto educacional e o entendimento teórico sobre o seu funcionamento, de modo que seja disseminado para diferentes contextos de salas de aulas (BARBOSA; OLIVEIRA, 2015; VAN DEN AKKER, 1999). Na Pesquisa de Design Educacional, a relação entre entendimento teórico e desenvolvimento de produtos educacionais possui tal articulação que pode ser caracterizada como cíclica, o qual envolve um processo de prototipagem, testagem e refinamento (BARBOSA; OLIVEIRA, 2015).

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No contexto da Pesquisa de Design Educacional, o estudo deve seguir três fases cíclicas para que gere conhecimento generalizável. A primeira fase, denominada de pesquisa preliminar, caracteriza-se pela análise do contexto, identificação do problema educacional e desenvolvimento de uma estrutura conceitual ou teórica pertinente para o estudo. A fase seguinte, denominada de desenvolvimento ou fase de prototipagem, é definida pelos ciclos de investigações em que as intervenções são construídas, testadas e aperfeiçoadas em diferentes contextos de modo que os princípios possam ser generalizados. Por último, na terceira fase, é feita uma avaliação somativa, de modo a avaliar se a intervenção proposta atingiu as expectativas planejadas, bem como é construída recomendações e diretrizes para aprimoramento da intervenção (PLOMP, 2018; 2009; SEPÚLVEDA, et al. 2016). Esse processo pode ser representado de vários modos, no entanto, o grupo de pesquisa do qual fazemos parte, o GCPEC, tem utilizado o esquema (Figura 1) adaptado de McKenney (2001, apud PLOMP, 2018; 2009) como modelo que ilustra o processo cíclico na pesquisa de design.

Figura 1: Processo cíclico na pesquisa de desenvolvimento.

Fonte: Adaptada de Plomp (2009)

Nosso trabalho se situa na primeira fase da pesquisa de design, uma vez que estamos construindo uma estrutura conceitual a partir da identificação e análise do problema e das necessidades do contexto específico, além de uma revisão de literatura pertinente, mas não exaustiva, sobre os princípios educativos e filosóficos da Pedagogia Freireana, os princípios da Pedagogia da Alternância, a perspectiva educacional da Educação Científica Humanística e o uso de Questões Sociocientíficas. Ademais, construímos os princípios de design para elaboração de proposta pedagógica, bem como uma QSC com questões orientadoras (e os respectivos objetivos de aprendizagem) que

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busca promover formação emancipatória dos/das estudantes, no contexto das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, o que se configura o início da segunda fase da pesquisa de design.

Segundo proposto por Plomp (2009; 2018), os ciclos investigativos são organizados em torno da seguinte pergunta de pesquisa: Quais são as características de uma intervenção x para o propósito de/ou para alcançar o resultado y (y¹, y², y³...) no contexto z? O modo como a pergunta é formulada possibilita que dê conta da função de qualquer investigação científica, qual seja, possibilitar a compreensão e o conhecimento de um dado fenômeno, como forma de contribuir para a contrução de um corpo teórico de conhecimento de uma área de estudo, além disso, possibilita insights para o aprimoramento de práticas, tomada de decisão e metas que sejam importantes para a pesquisa em educação (PLOMP, 2009; 2018; SEPULVEDA et al. 2016).

Nos baseando neste modelo de formulação de pergunta de investigação, nosso estudo tem como questionamento ‘quais características uma proposta pedagógica de Educação Científica Humanística, baseada na pedagogia freireana, deve ter para promover formação emancipatória no contexto de uma Casa Familiar Rural?’ Para tanto, este trabalho encontra-se delineado em torno de três objetivos de pesquisa: 1) examinar as potencialidades do uso de Questões Sociocientíficas (QSC) como estratégia metodológica para uma Educação Científica Humanística que promova formação emancipatória em escolas que adotam a Pedagogia da Alternância; 2) investigar os desafios e possibilidades de uma formação emancipatória na Educação Científica Humanística, em contextos da Pedagogia da Alternância, à luz da experiência de uma Casa Familiar Rural; 3) desenvolver princípios de design para elaboração de propostas pedagógicas baseadas em QSC que promovam formação emancipatória no contexto das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância.

1.5 Questões éticas, organização da dissertação e descrição dos capítulos

Pela natureza qualitativa da investigação e por envolver questões pessoais e íntimas da vida das pessoas, as questões éticas tornam-se ainda mais pertinentes. Deste modo, prezando pelos princípios de confidencialidade, honestidade e rigor na pesquisa (GRIX, 2014), tal estudo foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), registrado pelo CAAE - 84177518.5.0000.0053, tendo sido aprovado no dia 29 de julho de 2018.

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Como orientado pelo Conselho de Ética e de acordo com os princípios éticos dispostos na Resolução nº 466/2012 (BRASIL, 2013) e na Norma Operacional Nº 001/2013 (BRASIL, 2013), a participação de todos os egressos foi concedida por meio da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice A), bem como a participação da CFR de Presidente Tancredo Neves foi dada por meio da assinatura do Termo de anuência pelo Diretor Executivo da escola (Apêndice B).

Buscando responder aos objetivos delimitados, esta dissertação foi elaborada no formato monográfico. A escolha por esse formato se justifica pela maior liberdade e possibilidade de reflexão e discussão dos dados obtidos durante a pesquisa, possibilitando ampliar o campo teórico no qual relaciona os dados. Deste modo, a dissertação é composta por três capítulos os quais serão sumariados a seguir.

O primeiro capítulo, que busca alcançar o primeiro objetivo, possui caráter teórico e visa examinar as potencialidades do uso de Questões Sociocientíficas (QSC) como ferramenta metodológica para o ensino de ciências, no contexto da Educação Científica Humanística, que promova formação emancipatória dos sujeitos nas escolas que adotam a Pedagogia da Alternância. Buscando atender ao objetivo descrito, o capítulo inicia trazendo os princípios que orientam a Pedagogia Freireana, depois é traçado um breve panorama sobre a Pedagogia da Alternância, tanto em contexto mundial quanto nacionalmente, examinando como essa pedagogia foi influenciada pelos princípios freireanos ao adentrar no contexto latino-americano. Na última seção do capítulo é feito um resgate dos pressupostos freireanos na área de Educação em Ciências, por meio da perspectiva de Educação Científica Humanística proposta por Santos (2002; 2008a; 2008b), apontando o uso de Questões Sociocientíficas enquanto ferramenta didático-pedagógica para uma Educação em Ciências orientada pela visão freireana de educação que promova formação emancipatória dos sujeitos que acessam as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância. Apenas para tornar mais explícito, este capítulo se refere a primeira fase da Pesquisa de Design Educacional, denominada de revisão de literatura e validação conceitual.

O capítulo dois, que busca dar conta do segundo objetivo, apresenta caráter empírico e visa apontar os desafios e possibilidades de uma formação emancipatória dos sujeitos no contexto da Educação Científica Humanística, em escolas que adotam a Pedagogia da Alternância, a partir da experiência de formação no Curso Técnico em Agropecuária da Casa Familiar Rural (CFR) de Presidente Tancredo Neves. Na busca de atender a este objetivo, trouxemos aspectos estruturais, pedagógicos, políticos da

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CFR e do contexto em que ela está inserida, traçamos o perfil dos/das entrevistados/as, para situar melhor o leitor. Na seção seguinte buscamos analisar qual apropriação da Pedagogia da Alternância essa escola tem feito, considerando os processos de diálogos estabelecidos entre a escola e a comunidade em que está inserida. Posteriormente, buscamos analisar indicadores de formação emancipatória na Casa Familiar, por meio das falas dos/das entrevistados/as e dos documentos analisados. Por fim, apontamos dois temas sociocientíficos identificados nas falas dos sujeitos entrevistados que tem potencial para serem trabalhados por meio da abordagem de ensino com a ferramenta de Questões Sociocientíficas (QSC) no contexto da Educação Científica Humanística para as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância.

O terceiro capítulo tem como objetivo apresentar princípios de design para elaboração de proposta pedagógica baseada em Questões Sociocientíficas (QSC) que promovam formação emancipatória dos/das estudantes, no contexto das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância. Para tanto, propomos cinco princípios de design para a construção e aplicação de inovações educacionais para a Educação Científica Humanística no contexto das escolas que adotam a Pedagogia da Alternância. Nesse estudo, os princípios foram organizados em dois grupos, um (formado por dois princípios) enuncia as orientações e os requisitos necessários para a construção da Questão Sociocientífica e outro grupo (formado por três princípios) enuncia como trabalhar a QSC enquanto proposta pedagógica no contexto das escolas que adotam a Alternância. Ao final do capítulo propomos uma QSC como forma de exemplificar a aplicação desses princípios na construção de um caso, bem como questões orientadoras, construídas a partir dos objetivos de aprendizagem definidos de acordo com a compreensão tridimensional do conteúdo segundo Zabala (1998), para serem trabalhadas e discutidas em sala, as quais podem direcionar na resolução do caso retratado. Por fim, tecemos as considerações finais acerca da investigação desenvolvida.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo busca responder ao primeiro objetivo específico dessa investigação que é examinar as potencialidades do uso de Questões Sociocientíficas como estratégia metodológica para uma Educação Científica Humanística que promova formação emancipatória em escolas que adotam a Pedagogia da Alternância. E neste sentido, o presente capítulo traz também as bases teóricas e filosóficas que orientaram as nossas análises e compreensões acerca do nosso estudo.

2.1 PEDAGOGIA FREIREANA E SEUS PRINCÍPIOS EDUCATIVOS

A pedagogia freireana surge a partir das ideias do educador e filósofo Paulo Freire e se configura como um marco histórico no campo da educação, uma vez que a perspectiva educacional disposta nessa pedagogia lança um novo olhar sobre os processos de ensinar e de aprender, visto que está alicerçada na premissa de que durante a ação de ensinar os/as10 discentes devem ir além da simples leitura das palavras em busca da conscientização acerca do mundo para que sejam agentes de transformação social.

É partindo da crítica de uma educação reprodutora, antidialógica, que concebe os educandos e as educandas enquanto memorizadores/as e repetidores/as do conhecimento construído historicamente, que Freire estabelece um novo pensar sobre o ato de ensinar de modo a romper com esta concepção de “educação bancária”. Para o autor, a educação bancária diz respeito à percepção de educandos/educandas enquanto “depósitos de informações” e os educadores e educadoras como “depositários” destas, deste modo a única ação oferecida aos educandos e educandas é a de receber as informações, guardá-las e arquivá-las (FREIRE, 1987). Deste modo, para Freire a “educação bancária” é não humanista, uma vez que se baseia na (re)produção de valores elitistas, mais explicitamente em “valores de mercado, que objetificam as pessoas

10 Optamos por grafar as palavras considerando tanto o gênero feminino quanto o masculino, como uma

estratégia de escrita e uma forma de suprir a tendência sexista presente em nosso idioma de referir-se apenas ao gênero masculino no modo de escrever e falar, suprimindo o gênero feminino e apagando a sua representação. Deste modo, nos colocarmos contrárias à ideologia sexista tão presente em nossa linguagem que não considera as mulheres enquanto ser social, como se estas estivessem embutidas na categoria do gênero masculino. Como reconhece Freire (1997) frente às críticas feitas à linguagem machista utilizada em seu livro Pedagogia do oprimido, “a discriminação da mulher, expressada e feita pelo discurso machista e encarnada em práticas concretas é uma forma colonial de tratá-la, incompatível, portanto, com qualquer posição progressista, de mulher ou de homem” (FREIRE, 1997, p. 35). Deste modo, “a recusa à ideologia machista, que implica necessariamente a recriação da linguagem, faz parte do sonho possível em favor da mudança do mundo” (Idem).

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tirando a sua liberdade de expressão e sua criatividade para agir sobre o mundo” (SANTOS, 2008b, p. 364).

Sob a visão da Pedagogia freireana, para que o ensino tenha êxito, os educandos e educandas precisam ser estimulados em suas criatividades de modo que, a partir da problematização das situações reais vividas pelos sujeitos e partindo dos saberes da experiência em que eles adentram o ambiente escolar (FREIRE, 1997) busquem os saberes elaborados e sistematizados pelas ciências, pela história, pela filosofia, na busca de transformar a sua realidade. Esse processo de busca e construção do conhecimento ocorre por meio da relação dialógica entre educador/a e educando/a.

Para Freire (1987), a concepção bancária (burguesa) da educação, configura-se como contraditória à concepção problematizadora, pois enquanto a primeira serve à dominação sociopolítica e mantém a assimetria docente-discente (ou seja, de um lado está o/a detentor/a de todo conhecimento e do outro o/a que “nada sabe”), a segunda serve à libertação engendrando a busca da superação dessas oposições na sociedade.

É importante explicitar que na educação bancária11 os educadores e educadoras constroem comunicados aos educandos e educandas, que sendo meras incidências, memorizam e repetem os saberes daqueles que se julgam os sábios (FREIRE, 1987; 1983). A perspectiva bancária tem como objetivo manter a dualidade entre aqueles que sabem e os que nada sabem, ou seja, entre oprimidos/as e opressores/as, baseando-se numa relação antidialógica de dominação (GADOTTI, 1996).

Em oposição à concepção bancária, a concepção problematizadora de Freire, definida por este como “educação libertadora”, tem no diálogo e na problematização princípios que balizam o ato de educar. Deste modo, educador/a e educando/a na relação dialética do diálogo aprendem juntas (FREIRE, 1987; GADOTTI, 1996), ou seja, o educador e a educadora aprendem ao ensinar e o educando e a educanda ensinam ao aprender. No entanto, é importante destacar que a natureza dos conhecimentos que cada um carrega para o ambiente escolar é diferente, ou seja, o educador e a educadora dispõem do conhecimento técnico, científico (o logos) sobre determinada área de conhecimento, já os educandos e educandas carregam o saber da experiência vivida, do senso comum (a doxa). Mas independente da natureza epistemológica dos

11 É preciso considerar a ponderação feita por Freire e Shor (1986) de que a educação bancária não reside

numa estratégia didática específica, mas em qualquer estratégia em que o educador ou educadora não leve o educando ou a educanda ao desvelamento da realidade, que não os provoque, que não lance luz sobre suas criatividades. Isso pode ocorrer tanto por meio de aulas expositivas ou em qualquer discussão coordenada pelo professor.

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conhecimentos que cada um desses sujeitos carrega, ambos são igualmente importantes no ato de educar, uma vez que para a superação da consciência ingênua dos educandos e educandas é necessário partir dos conhecimentos que estes apresentam em busca da consciência crítica sobre as situações em que vivem, para pensar formas de mudar a realidade.

O diálogo, como dito anteriormente, configura-se enquanto orientador do processo educativo libertador, ademais constitui-se como princípio filosófico da pedagogia freireana. Nesta perspectiva, o diálogo é a capacidade de abrir-se ao pensar do outro, é compreender que na relação professor/a-aluno/a, ambos têm a contribuir com o ato cognoscente (FREIRE, 1997). Mais que isso, o diálogo é a ferramenta para abrir-se a compreensão das problemáticas vividas no contexto em que os educandos e educandas estão imersos ou, como afirma Freire (1987, p. 47), “o diálogo começa com a busca do conteúdo programático” pelos educadores e educadoras, ou em outros termos, a dialogicidade é ponto de partida para a investigação temática que definirá o conteúdo programático a ser estudado durante certo período pelo professor ou professora e os/as estudantes.

É importante destacar que o processo enunciado por Freire (1987) como “investigação temática” orienta o “que-fazer” educacional. Autores diversos fizeram interpretações dos passos metodológicos do processo de investigação temática freireana e da transposição para o ensino de ciências (ver, por exemplo, DELIZOICOV, 1983, 2008; SANTOS, 2008a, 2008b).

Como se percebe, a pedagogia freireana está pautada no processo de reestabelecimento da humanidade tanto da condição de “oprimido”, quanto da condição de “opressor”, pressupondo que por meio de uma educação libertadora desses sujeitos, estes possam refletir sobre suas condições de existência no mundo e buscar formas de mudanças. Para tanto, propõe que nesse processo educacional estejam presentes os seguintes elementos: diálogo, problematização e análise crítica da realidade, partindo sempre do contexto sociocultural em que estão inseridos os/as educandos/as (FREIRE, 1987).

Nessa perspectiva educacional, a libertação se configura enquanto tarefa humanista - sustentada “na transmissão, reprodução e criação de valores” (SANTOS, 2008b, p. 364) - e histórica dos oprimidos e das oprimidas, sendo que ao libertar-se a si mesmo, os oprimidos e as oprimidas também libertam os opressores e opressoras, pois ninguém conhece melhor a opressão que o oprimido/oprimida e ninguém melhor que o

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oprimido/oprimida para compreender a necessidade da libertação e transformação das condições sociais de alienação e exploração em que estão submetidas (FREIRE, 1987; 1997; SANTOS, 2008b).

Nas obras de Freire, as relações de opressão eram interpretadas majoritariamente pela categoria analítica de classe, uma vez que sua análise sobre a opressão partia da perspectiva da sociedade capitalista de exploração dos sujeitos por outros sujeitos. É importante explicitar que a nossa compreensão acerca das relações opressivas neste trabalho, no entanto, inclui mas extrapola a questão de classe, abarcando também as questões de gênero, da sexualidade, da raça, tendo em vista a complexidade que a nossa sociedade alcançou e as diversas formas de opressão que a humanidade atingiu, seja nas condições materiais de existência, seja nas condições subjetivas de vida. Em nossa leitura, quando Freire reconhece, no livro “Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido”, o caráter machista da sua linguagem, ele demonstra ter abertura para outras categorias a partir das quais o par oprimido/a-opressor/a podem se constituir. Para Oliveira (2008), Freire já tinha a intenção de tornar o par oprimido-opressor uma abstração no que se refere às relações opressivas descritas pelo marxismo clássico, substituindo o par “proletário” “burguês” por “oprimido” “opressor”.

Desse modo, na perspectiva freireana, educar ultrapassa o ato de ler e escrever, indo além do conteúdo de ensino sem significados sociais, para transformar o mundo humano (FREIRE, 1997; SANTOS, 2008b). Corroborando com esse pensamento, a lógica da educação freireana tem como finalidade ligar-se à mudança estrutural da sociedade opressiva, impulsionando a libertação dos/das oprimidos/as e dos/as opressores/as, ainda que essa transformação não ocorra de modo imediato, nem tão pouco seja responsabilidade exclusiva da educação (GADOTTI, 1996).

É necessário pontuar a atualidade das ideias freireanas, tendo em vista que o contexto de surgimento e desenvolvimento de sua pedagogia tenha sido outra (em que a reflexão sobre as relações de opressão estava centrada, especialmente, nas questões de classe). Assim, essas relações de opressão não foram superadas e só se acirraram, o que tem aumentado o reconhecimento, devido os movimentos sociais e intelectuais, de que tais relações não são apenas permeadas pela classe, como enfatizado pelo marxismo, como também por raça, gênero, e mais recentemente, pela identidade e orientação sexual. Frente a essas questões, o pensamento freireano se configura enquanto lente teórica inspiradora para compreendermos e buscarmos formas de superação desses desafios postos pelas relações opressivas da contemporaneidade. É importante

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pontuarmos que Paulo Freire já apresentava o esforço de ampliar sua concepção de opressão para incluir a complexidade de relações opressivas tais como raciais e de gênero como fica evidente em seu livro “Pedagogia da esperança”, enfatizando seu compromisso com uma educação política por meio de sua visão de uma prática educacional antissectária e antiautoritária (SANTOS, 2008b).

Considerando a atualidade do pensamento freireano e sua importância para entendermos as relações opressivas de nossa sociedade que se (re)configura na atualidade, nossa intenção é mobilizar os pressupostos freireanos para pensarmos uma Educação Científica para as escolas que adotam a Pedagogia da Alternância (PA), considerando suas singularidades e necessidade. As ideias freireanas, como foram ditas no início desta seção, lançam um novo olhar sobre a educação influenciando tanto as orientações curriculares, como práticas docentes e que reverberam também na área da Educação do Campo, por meio da Pedagogia da Alternância. Assim, ainda que a Pedagogia da Alternância tenha emergido no contexto europeu, ao adentrar na América Latina sofreu influência dos ideais freireanos de educação. Deste modo, na seção seguinte examinaremos a adoção dos pressupostos teórico-metodológicos da Pedagogia da Alternância na Educação do Campo, buscando evidenciar a influência de Freire no seu delineamento aqui no Brasil.

2.2 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA COMO “SISTEMA” DE ENSINO PARA AS ESCOLAS DO CAMPO: UM BREVE PANORAMA

Trata-se de uma metodologia nascida do meio rural, mas que o transcende, pois, toda relação pedagógica é uma dialética integradora entre o saber escolar e os saberes da vida. Por isso, mais que uma nova metodologia, trata-se de um novo sistema escolar (NOSELLA, 2014, p. 19-20).

Escolhemos as palavras do filósofo e educador Paolo Nosella para iniciarmos esta seção do capítulo por ter sido ele o responsável por escrever o primeiro trabalho acadêmico sobre o tema aqui no Brasil e por sintetizar a sua compreensão sobre esta pedagogia que considerava mais que uma “metodologia”, um novo “sistema escolar”12. Ademais, Paolo Nosella integrou o Movimento de Educação Promocional do Espírito

12 A literatura da área tem se referido à PA enquanto sistema escolar ou sistema educativo (GIMONET,

2007; QUEIROZ, 2004), apontando os componentes que são fundamentais desse sistema: o/a alternante (pessoa em formação); o projeto educativo; a experiência sócio profissional; a rede de parceiros/as co-formadores/as; o dispositivo pedagógico; o contexto educativo; os formadores e formadoras; e outros atores educativos (QUEIROZ, 2004, p. 95).

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