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Educação cognitiva do idoso

Ao contrário do pensar comum, a maior parte dos idosos mantém a sua capacidade cognitiva (atenção, inteligência, memória, aprendizagem) razoa- velmente funcional e apta para desempenhar as tarefas diárias. Diversas in- vestigações provam que o funcionamento cognitivo dos idosos só se começa a deteriorar significativamente após os 70 anos.

Quanto à atenção, os autores distinguem diversas classes, como a aten- ção selectiva (controlando os distractores), focalizada (capacidade de se con- centrar numa coisa abstraindo de outras), sustentada (vigilante) e dividida (prestar atenção simultânea a diversas coisas). Em geral, pode afirmar-se que não há diferenças significativas quanto ao declínio da atenção com a idade, embora algumas dessas formas apresentem algum declínio particularmente em determinados contextos (cf. Rogers, 2000).

No que respeita à inteligência, as dificuldades em comparar os idosos com os mais novos aumentam, devido às “múltiplas inteligências” (Gardner) em causa e aos diversos processos para as avaliar. Cattell e posteriormente Horn (Horn e Cattell, 1967; Horn, 1970) estudaram particularmente duas es- pécies ou dimensões de inteligência que depois foram mais estudadas na ter- ceira idade: inteligência fluída (capacidades básicas, como a atenção e a me- mória, que são mais inatas do que aprendidas – inteligência mais abstracta, individual ou não sistematizada) e inteligência cristalizada (mais concreta, sis- tematizada ou aculturada pela escola ou profissão). Pode afirmar-se que a in- teligência fluída atinge o seu máximo pelos 20 anos, decrescendo depois com a idade, enquanto a inteligência cristalizada permanece estável ou até au- menta ligeiramente com a idade.

Baltes e col. (Baltes, 1987; Baltes e Baltes, 1990) falam de uma dimensão mecânica (hardware) da inteligência, influenciada biologicamente e explican- do as diferenças individuais, e de uma dimensão pragmática (software), essencialmente dependente da cultura e da experiência, podendo a primeira diminuir a partir dos 60 anos e a segunda aumentar, tornando-se sabedoria. Não há concordância entre os autores, pois muitos estudos são transver- sais (podendo os resultados serem mais atribuídos ao efeito de coorte do que à idade), enquanto outros, certamente os mais fiáveis, são longitudinais. Nes- te sentido, o mais clássico é o Seattle Longitudinal Study orientado por Schaie (1996) que pôde concluir que se verificam progressos cognitivos até à 4ª dé- cada da vida, seguindo-se um período de estabilidade até aos 60 anos, co- meçando a registar-se um declínio ainda pouco significativo no final desta

década, mas dependendo do tipo de inteligência em causa, declinando mais facilmente a inteligência fluída (capacidade de resolver novos problemas e com rapidez, sendo mais biológica e menos cultural) do que a cristalizada (capacidade de resolver problemas habituais ou familiares, mais dependente da cultura).

Schaie (1996, p. 270) conclui que os dados “sugerem que o declínio mé- dio da competência psicológica pode começar, para alguns, em meados do decénio de 50, mas tal declínio precoce é de pouca importância enquanto se não atingir os meados da década de 70”. Afirma ainda que “mudanças subs- tanciais na inteligência só se verificam tardiamente na vida dos indivíduos e isto em aptidões que foram menos centrais para a sua experiência de vida e, por conseguinte, talvez menos objecto de prática”. As variações da inteligên- cia com a idade dependem ainda grandemente de indivíduo para indivíduo.

Em conclusão, se bem que se assista a um progressivo menor rendimento intelectual com o avançar da idade, particularmente nos muito velhos, pode afirmar-se que não há um declínio generalizado mas antes certa estabilidade entre os idosos, havendo aspectos específicos, sobretudo a sabedoria (cf. Bar- ros, 2004), que podem até crescer com a idade. A maior parte dos dados do Estudo de Seattle foram confirmados pelo Estudo de Berlim conduzido por Bal- tes e col. (cf. v. g. Smith e Baltes, 1999) que insistem também nas grandes di- ferenças interindividuais.

No que concerne à memória, antes de mais é necessário considerar os di- versos momentos ou processos de memorização que são essencialmente três: aquisição (codificação) do material, retenção (armazenamento) e evocação do aprendido. O primeiro processo coincide praticamente com o que chama- mos de aprendizagem. Segundo diversos estudos, uma aprendizagem eficien- te tende a diminuir com a idade, mas tal declínio não se mostra substancial até aos 70 anos. Quanto à retenção e à evocação pode haver mais proble- mas com a idade. De facto, em geral as queixas dos idosos referem-se mais à memória, mas pode haver preconceitos e estereótipos a esse respeito.

Depende que classe ou sistema de memória está em causa: memória sen- sorial, memória a curto ou a longo prazo. Quanto à memória sensorial (parti- cularmente do que se viu e ouviu) não parece haver diferenças com a idade. A memória a curto prazo abrange um período reduzido de tempo, entre 10 a 20 segundos, necessários, por exemplo, para discar um número de telefone. Nesta classe de memória, mais passiva, os idosos não perdem em relação aos mais novos, mas na memória mais activa (sempre a curto prazo), chamada “memó- ria de trabalho” ou “memória operatória” (por exemplo, fazer operações

aritméticas, que exigem memorizar a informação e transformá-la) aí os senio- res mostram-se mais fracos.

Porém, é na memória a longo prazo (secundária) que as queixas dos ido- sos são mais pertinentes. As dificuldades dos anciãos – tendo presente essen- cialmente os três processos mnésicos – residem sobretudo a nível de codifica- ção e de evocação e não propriamente de armazenamento, tendo maior dificuldade em organizar e processar a informação e também em evocá-la (já não têm dificuldade no reconhecimento). Mas nem todos os autores coincidem na totalidade com estas conclusões sintéticas e falam ainda de outras classes de memória dentro da memória a longo prazo.

Assim, Tulving e colaboradores (cf. Simões, 2006; Pinto, 1999) distin- guem entre memória episódica (acontecimentos específicos ocorridos em de- terminado tempo e lugar, tratando-se por isso de uma memória autobiográfica e contextualizada) e memória semântica (relaciona-se com eventos ou factos fora do contexto, como o significado de uma palavra - espécie de enciclopé- dia de símbolos, principalmente linguísticos). Enquanto a memória episódica declina substancialmente com a idade, a memória semântica pouco ou nada se altera (Craik e Salthouse, 2000). Alguns autores falam ainda de memória procedimental (que permite rotinas ou hábitos), memória de recordação e de reconhecimento, memória prospectiva e metamemória.

Todas estas distinções referem-se à memória propriamente dita ou explíci-

ta (capacidade mnésica tradicional ou busca deliberada da informação,

abangendo a memória episódica e semântica), mas pode falar-se outrossim de uma memória implícita (busca inconsciente de informação, relacionada com a procedimental) onde os idosos parecem não distinguir-se dos mais no- vos. Finalmente, fala-se ainda de memória remota (recordação de aconteci- mentos muito antigos) onde não se verificam diferenças conforme a idade, mantendo os idosos uma recordação muito viva do passado longínquo.

Em conclusão, afirmar que a capacidade mnésica do idoso é menor, de- pende do tipo e processo de memória em causa, sendo verdade que nalguns perde potencialidades, mas noutros não. Outro factor importante a considerar – para além da individualidade - é a idade do idoso, pois muitos estudos são feitos com idosos-novos, enquanto os idosos-médios e particularmente os ido- sos-velhos são menos estudados, supondo-se que aí a memória em geral vai fracassando mais. Baeckman et al. (2000) fizeram uma síntese das investiga- ções com indivíduos a partir dos 75 anos, concluindo que se assiste em geral a um declínio generalizado nas potencialidades mnésicas; todavia a sua mag- nitude varia conforme os diferentes tipos de memória, tendendo os défices a

ser mais pronunciados na memória episódica e operatória e mais modestos na memória semântica e implícita.

Mais globalmente, Baeckman et al. (2000, p. 513) sintetizam os resulta- dos sobre a inteligência e a memória na velhice afirmando que “as tarefas que avaliam a inteligência fluída, a memória episódica e a memória operató- ria estão associadas a uma forte deterioração com a idade, caracterizada por um começo relativamente precoce no declínio que continua até idade muito avançada. Ao contrário, as tarefas que avaliam a inteligência cristalizada e a memória semântica em geral revelam estabilidade ao longo da maior parte do ciclo da vida, assistindo-se ao início da deterioração nas últimas fases da existência. Por último, as tarefas que avaliam a memória primária e a memó- ria implícita são as que mostram défices menos consistentes, do início à última adultez, mostrando a sua relativa preservação, mesmo na velhice extrema”. Todavia, alguns estudos põem em causa a validade ecológica de algumas destas investigações que são feitas em laboratório, com tarefas com as quais os idosos não se confrontam na vida real. Mas o essencial dos resultados não sofre contestação, até porque é empírico (verificado na experiência de cada um) e por isso do senso comum.

Pelo que mais nos interessa, o importante é perguntar se será possível compensar com a educação os défices mais notados nos idosos, particular- mente quanto à inteligência fluída e à memória episódica e operatória. Diver- sos estudos mostram que é possível inverter a tendência quanto ao declínio cognitivo com a idade.

Entre as várias hipóteses aventadas para explicar o declínio da inteligên- cia nos idosos, falou-se da teoria do desuso (a maior parte dos velhos não usa as competências cognitivas como usava em adulto) e a constatação de que há uma lentidão maior no funcionamento mental devido a problemas neurológi- cos que também colocam mais problemas à capacidade de atenção e de con- centração. Em todo o caso, ainda não é possível atribuir seguramente deter- minados défices cognitivos simplesmente ao processo de envelhecimento, devendo controlar-se todas as variáveis (cf. Marchand, 2001; Vandenplas- Holper, 2000).

Para compensar eventuais défices é necessário que o idoso se mantenha sempre intelectualmente activo, lendo, argumentando, pensando. Mesmo a in- teligência fluída pode ser estimulada, levando os gerontes a resolver novos problemas e exercitando-se na velocidade da solução. Em pior situação estão os analfabetos ou pouco dados à cultura, mas que também podem ser estimu- lados, mesmo em idade avançada.

No que tange à memória, também ela pode e deve ser exercitada (apesar das inevitáveis perdas neuronais com a idade), no sentido de tornar mais efi- caz a sua utilização, treinando, por exemplo, os idosos no uso de estratégias de codificação, precisamente aí onde têm mais dificuldade, dado que não usam tanto essas estratégias como os mais novos. Estudos há (v. g. Baddeley, 1999; Schaie e Willis, 1991) que mostram uma melhor prestação com o uso de diversas mnemónicas. Podem ser treinados também a prestar maior aten- ção ou a controlar os distractores pois, se não se presta atenção não é possí- vel memorizar (por exemplo, o nome de uma pessoa ou determinado lugar – memória episódica), supondo-se ainda que a sensibilidade sensorial, particu- larmente da visão e do ouvido, são suficientes ou melhorando-as através do uso de óculos ou de próteses auditivas.

Schaie (1994) procurou identificar as características do ‘micro-meio’ dos participantes no Estudo de Seattle, identificando uma série de factores suscep- tíveis de reduzir o risco de um declínio cognitivo precoce, como não sofrer afecções cardiovasculares ou doenças crónicas, ter tido um alto nível de esco- laridade e continuar a participar em actividades intelectuais estimulantes, trei- nar a flexibilidade, considerar-se satisfeito com o passado (cf. Vandenplas- Holper, 2000, p. 83).

Dixon, Backman e Nilsson (2004) editaram um Manual sobre “as novas fronteiras no envelhecimento cognitivo” onde identificam três novas fronteiras da investigação futura neste domínio: novas orientações teóricas do envelhe- cer cognitivo, novas direcções na neurociência cognitiva do envelhecimento, fronteiras dos efeitos biológicos e de saúde no envelhecimento cognitivo. Vá- rios especialistas que colaboram no livro insistem nos aspectos genéticos, bio- lógicos e neurológicos, servindo-se das novas tecnologias que possibilitam co- nhecer melhor o cérebro humano. Tudo isto em função de uma nova educação das pessoas idosas.

Mais em particular quanto às causas da diminuição de uma certa memó- ria nos idosos (lembrando que cada pessoa é um caso) elas podem ser várias, como o estado emocional, o nível cultural e instrucional, a situação sócio-eco- nómica, o stresse, e principalmente causas neuronais (declínio no número e na eficiência dos neurónios), relacionadas com mudanças anatómicas e funcio- nais, particularmente nos lobos frontais e no hipocampo. Uma pesquisa de West et al. (1992), com quase 2500 sujeitos, sobre memória em tarefas “rea- listas” (por ex., lembrar nomes de pessoas, reconhecer rostos) provou que, apesar de outros factores importantes, como o sexo, o que mais explicava o declínio da memória era a idade. Pinto (1999) seleccionou cinco modelos ex-

(o declínio será maior na memória episódica, seguindo-se a semântica e final- mente a procedimental), modelo contextual ou de suporte ambiental (dificulda- des em integrar o contexto da codificação com o que desejam recordar), mo- delo neurológico, modelo de lentidão cognitiva e modelo de memória operatória.

Conforme cada uma destas etiologias era necessário que a educação aju- dasse a superá-las, na medida do possível. Efectivamente, há investigações realizadas no âmbito da reabilitação da memória nos idosos, levando-os a admitir as dificuldades e fornecendo-lhes algumas estratégias compensatórias, como identificação do contexto, formação de imagens, associações verbais, uso de mnemónicas, etc. (cf. Pinto, 1999, 285-287). Um estudo de Cavallini et al. (2002) provou que o uso de boas estratégias ajuda a manter e a reabilitar a memória, quer nos mais novos quer nos idosos; os resultados confirmam a melhoria da capacidade mnemónica também através de estratégias metacog- nitivas.

Pode ainda treinar-se a eficácia verbal do idoso, sabendo-se da interac- ção estreita que existe entre linguagem e inteligência. Muitos remetem-se ao silêncio ou falam pouco, mas podem ser estimulados a manifestar o seu pen- samento. As limitações na linguagem oral e escrita podem dever-se outrossim a alterações da inteligência (fluída), por sua vez muito relacionadas com o es- tado neuronal do sujeito; mas também são devidas a uma menor motivação (cf. Richard e Mateev-Dirkx, 2004).