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Capítulo I – A Indisciplina: enquadramento teórico e normativo

2. O fenómeno da indisciplina na escola

2.1. Educação e conflito

A escola, enquanto organização, envolve, naturalmente, um conjunto de factores onde as relações harmoniosas nem sempre proliferam, manifestando-se, por vezes, como um campo propício à emergência do conflito. Neste trabalho subordinado à problemática

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da indisciplina, parece-nos pertinente fazer uma pequena reflexão sobre a questão do conflito na escola, porquanto ele pode ser também motivador de situações de indisciplina.

A ideia de conflitualidade na escola é um tema da actualidade, gera debate e questiona a acção educativa quando os conflitos passam pela autoridade, pela disciplina, pela violência e pela intolerância.

O contexto escolar constitui um espaço de socialização por excelência onde se estabelecem relações diversificadas decorrentes do processo de ensino-aprendizagem ou dos diferentes contextos escolares que podem potenciar uma dinâmica conflitual de desordem, de mudança ou de resistência à própria mudança.

Ora, neste sentido, parece-nos que o conflito em contexto educativo se afigura como uma realidade incontornável e endogénica ao quotidiano escolar assumindo, por isso, inegável pertinência e actualidade.

O conflito enquanto realidade emergente e própria da natureza humana não pode ser relegada e, tal como advoga Jares (2001), deve ser encarado como um fenómeno natural e necessário ao crescimento e desenvolvimento das sociedades, no sentido em que pode estimular o interesse, a curiosidade, expressando-se como um meio propício ao esclarecimento, ao debate e à discussão de vários problemas.

Contudo, culturalmente, a ideia de conflito propício à relação humana, tradicionalmente, é tida como algo negativo e não como algo natural. Na opinião de Jares (2001), a educação não só não se livrou de relações de conflitualidade como as propicia.

De acordo com o mesmo autor (2001), a vida em sociedade implica uma convivência com os outros baseada em diferentes contextos sociais, com códigos de valores e princípios morais subjectivos que, necessariamente, marcam um tipo de convivência potencialmente propícia a relações de conflito, considerando que a ideia de conflitualidade é inerente a qualquer processo relacional e, por conseguinte, faz parte da vida.

Porém, falar de conflito na escola pode levar-nos a supor algum abalo no cumprimento dos objectivos educativos, isto é, a existência de conflito em contexto educativo pode pôr em causa o sucesso do processo de ensino-aprendizagem ou a própria formação e educação dos jovens. Actualmente, a função da escola não se cinge apenas a um contexto meramente académico, mas tem igualmente uma função socializadora, como defende Gotzens:

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[…] valorar unicamente los objectivos de tipo eminentemente académico, obviando los de carácter socializador que contituyen igualmente uno delos ejes fundamentales de la educación de los indivíduos en nuestro actual sistema educativo. (Gotzens, 2001: 25)

Ao referirmo-nos à função socializadora da escola, como advoga o mesmo autor (2001), reportamo-nos ao desenvolvimento de comportamentos que conduzam a uma formação dos indivíduos que facilite a sua integração social e onde a escola poderá ser um meio, entre outros, para essa formação.

Neste sentido, parece-nos que olhar a escola enquanto organização socializadora agregadora de um conjunto de diversidades culturais, de valores e princípios morais gera, naturalmente, situações de conflitualidade.

Segundo Jares (2001), o conflito não equivale obrigatoriamente a um processo de destruição, pelo que a solução para esta problemática não passa pela sua eliminação, mas antes pela sua regulação e resolução de um modo justo e não recorrendo a processos de violência. A regulação desta problemática reclama o conhecimento dos contextos em que o conflito ocorre, uma aprendizagem do controlo e gestão de conflitos, aprendendo métodos de regulação e não de eliminação. A existência de conflitos, tal como referia Escudero:

[…] pueden y deben generar debate y servir de base para a crítica pedagógica, y, por supuesto, como una esfera de lucha ideológica y articulación de prácticas sociais y educativas liberadoras. (Escudero, 1992: 27)

Do mesmo modo Jares (2001) considera que as situações de conflito estão inerentes a todo o processo educativo, sendo, por isso, um processo natural que não tem que ser necessariamente negativo nem transportar consigo destruição e sentimentos de agressividade, pelo contrário, trata-se de um elemento de aproximação que pode proporcionar alterações sociais, tornando-se, deste modo, um factor de socialização e renovação ao nível das relações do colectivo e, neste contexto, do colectivo educativo.

A mesma ideia é partilhada por Carita (2001) ao considerar que a intervenção educativa na gestão de conflitos não é mais do que o reconhecimento da sua existência e na

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influência positiva que ele pode ter nas relações pessoais e interpessoais, porquanto pode contribuir para combater alguma inércia pessoal, propiciando condições de mudança.

Acresce referir que situações de conflito emergem de múltiplas concepções de vida e diversidade de valores, pelo que a escola tem necessidade de acompanhar esta multiculturalidade que grassa no ambiente escolar de modo a não ser posta em causa qualquer uma das suas funções educativas e formativas.

Ao referirmo-nos ao conceito de conflito, socorremo-nos de Gotzens (2001) e consideramos o conflito uma fenómeno de incompatibilidade de valores e princípios entre pessoas e grupos. Perante tal inevitabilidade de conflitos e a sua necessária resolução em prol do sucesso do processo de ensino-aprendizagem é fundamental, de acordo com o mesmo autor (2001), um contributo educativo através de programas de ensino- aprendizagem que conduzam à resolução de problemas, no sentido de aferir o conflito, as causas que o provocam e os consequentes comportamentos, procurando criar condições de o debelar ou controlar:

[…] como se encaran los conflitos a menude constituye el principal obstáclo para su rsolucion. Y aqui es donde, precisamente, más sentido tiene la aportación educativa a través de programas de enseñanza-aprendizaje para la resolución de los conflitos.porque una cosa es elconflicto, las causas que lo provocan, y outra diferente las manifestaciones, actidudes, comportamientos y estratégias que utilizan los protagonistas para afrontalo.(Gotzens, 2001: 53)

A questão do conflito pode derivar em situações de indisciplina pelo que exige uma actuação consentânea dos diferentes actores socioeducativos, no sentido de evitar problemas disciplinares que condicionem o contexto educativo.

Vivemos numa sociedade democrática e livre em que todos têm direito à educação o que torna a escola um espaço onde interagem diferentes valores, princípios, modos de encarar a vida e contextos familiares, o que deve conduzir a organização escolar a uma adaptação a esta diversidade:

[…] Nestas circunstâncias e atendendo ainda à universalidade do ensino tornado obrigatório para todos durante nove anos, a problemática da indisciplina nas escolas constitui uma de difícil resolução… na sociedade como na escola, a

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liberdade provocou a emergência dos mais variados valores e concepções de vida. A escola terá de fazer a sua adaptação aos novos tempos.(Curto, 1998: 36)

Esta heterogeneidade que se cruza no contexto educativo gera situações de conflito que a escola tem necessidade de acompanhar e gerir numa atitude de respeito e de tolerância, sob pena de fragilizar o seu sucesso enquanto serviço público ao alcance de todos os cidadãos.

A inevitabilidade de conflitos em contexto escolar é uma realidade da qual não nos podemos alhear e, desse ponto de vista, devemos aceitá-los com a naturalidade com que eles emergem, procurando não fugir deles, mas antes criar condições para regular e resolver toda a dinâmica de conflitualidade que o contexto educativo fomenta em prol do sucesso educativo dos discentes. Partilhamos da opinião de Jares (2001) quando defende o papel das hierarquias organizacionais no controlo e no combate ao conflito.

Cremos que o conflito e o seu controle são uma parte essencial da natureza organizativa da escola que reclamam uma política organizativa estratégica de gestão, de controlo e de prevenção, reflectindo a eficácia da organização escolar e a harmonia na gestão dos recursos directivos, pedagógicos e humanos da escola, sendo certo que o poder exercido numa escola pode também ser motivador de conflito

[…] desde el momento en que se crea una organización inevitablemente se produce entro de ella un cierto tipo de hegemonia, de poder, y, como afirmaba Gramsci y más tarde Foucault, toda hegemonia genera una resistência y com profissional, porquanto manifesta uma sendella una determinada conflitividade. (Jares, 2001: 87)

Em conclusão, entendemos, tal como Jares (2001), que o conflito é parte integrante da orgânica escolar, pelo que enfrentá-lo pode estimular e favorecer o desenvolvimento organizativo da escola, possibilitando uma maior autonomia e uma melhor desempenho profissional, porquanto expressa uma sensibilidade perante o fenómeno social em causa.

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