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Capítulo I – A Indisciplina: enquadramento teórico e normativo

2. O fenómeno da indisciplina na escola

2.2. O conceito de indisciplina

A problemática da indisciplina tem sido facilmente alocada a qualquer instituição escolar como algo que nela se gera a partir de atitudes e comportamentos dos discentes que pode fragilizar o seu sucesso escolar bem como pôr em causa o equilíbrio da organização escolar do ponto de vista do cumprimento das regras institucionalizadas.

A escola enquanto organização social agrega uma heterogeneidade de vivências e experiências humanas decorrentes dos diferentes intervenientes que nela coabitam. Esta heterogeneidade humana reflecte, naturalmente, todo um conjunto de valores, de princípios individuais e contextos pessoais e familiares de todos os actores educativos que integram a escola, bem como todas as mutações sociais, culturais, políticas e económicas que se operam fora da escola.

Ao invocarmos estas mutações sociais e relacionando-as com o conceito de

indisciplina somos levados a perceber que o próprio conceito pode assumir diferentes

conotações, mas também a admitir que um núcleo relativamente estável de factores e relações que designam a noção de indisciplina é compartilhado, grosso modo, por um grupo alargado de pessoas, ainda que sejamos levados a afirmar, tal como Curto (1998: 17), que a noção de indisciplina surge como um factor subjectivo e de difícil definição,

tendo os docentes formas diferentes de encarar os mesmos problemas.

O conceito de indisciplina na escola deve ser distinguido de um conceito de indisciplina social muitas vezes associada a delinquência ou violência, como defendia Estrela (1992), na medida em que a indisciplina não viola a ordem legal social mas tão-só a ordem estabelecida na escola. A mesma autora (1992: 17) entendia que o conceito de indisciplina se relaciona intimamente com o de disciplina e tende normalmente a ser

definido pela sua negação ou privação ou pela desordem proveniente da quebra das regras estabelecidas.

Em contrapartida, todos aqueles cujos comportamentos se enquadram dentro das normas estabelecidas são considerados pessoas adaptadas socialmente, por outras palavras, diremos, valendo-nos de Gotzens (2001), que se trata de pessoas que conseguem o respeito e a aceitação dos outros.

Em contexto educativo, a indisciplina na sala de aula, tal como a define Silva et. al. (2008: 19) diz respeito às atitudes e comportamentos que ocorrem na mesma e que

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Ao falarmos em atitudes e comportamentos dos discentes associados a situações de indisciplina referimo-nos ao incumprimento das regras estabelecidas que conduzem a situações de indisciplina, sempre que, segundo Amado (2000), se verifica o incumprimento das regras e normas estabelecidas pela escola em contexto de sala de aula ou fora dela, bem como o desrespeito de valores e normas que norteiam a relação e o convívio entre os diferentes actores do processo educativo quando defende que a

[…] indisciplina é, precisamente, um dos aspectos mais notáveis e “observáveis” dessa vida na aula enquanto fenómeno relacional e interactivo que se concretiza no incumprimento das regras que estabelecem, presidem e orientam as condições das tarefas na aula e, ainda, no desrespeito de normas e valores que fundamentam o são convívio entre pares e a relação com o professor enquanto pessoa e autoridade. (Amado, 2000: 43)

No entanto, esta problemática deverá ser analisada numa perspectiva holística, isto é, num contexto em que estão envolvidos vários condicionalismos. Segundo Amado (2000), a problemática da indisciplina relaciona-se estreitamente com as práticas, os objectivos e as “perspectivas” que pautam o ensino e que o orientam, do ponto de vista da sala de aula, da escola ou da comunidade educativa.

Uma perspectiva holística desta problemática, na opinião do mesmo autor (2000), exige que, ao analisar-se o problema, se tenham em conta várias áreas disciplinares, tais como a sociologia, a antropologia, a psicologia, a pedagogia, entre outras, permitindo questionar de forma mais especializada a ocorrência de comportamentos “desviantes”.

Deste ponto de vista, somos levados a concluir que este fenómeno deverá ser analisado e perspectivado sobre várias dimensões, sob pena de, se não o fizermos, ser analisado de forma demasiado limitativa e redutora.

Sousa Fernandes (1991) considera três aspectos essenciais no processo educativo: como processo educativo; como conjunto de aquisições; como uma acção socialmente orientada para uma finalidade.

Mais acrescenta que a escola ensina a viver numa organização, tal como se aprende a viver em outras organizações, isto é, a agir, a escolher, a reflectir, a relacionar-se com os outros de um modo apropriado.

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De acordo com este pressuposto, a escola apresenta-se como um local onde decorre o acto educativo que promove a aprendizagem não só sob o ponto de vista dos programas, mas na perspectiva do viver em organização, em associação ou em grupo. A estrutura social da escola, enquanto organização, consiste, naturalmente, em sistemas de acção e de comportamentos intencionais que ocorrem entre aqueles que são considerados seus membros, desencadeando processos de interacção pessoal e social que se desejam equilibrados, tolerantes, respeitadores e justos, mas que, muitas vezes, são abalados por problemáticas como a indisciplina.

Esta problemática tem proporcionado, ao longo da História da Educação, o debate e a preocupação de vários autores e investigadores. Se atentarmos nos mais diversos artigos e obras que grassam na literatura de investigação sobre Educação, facilmente, deparamos com definições, delimitações e quadros de referência que a procuram escalpelizar.

Alguns autores como De La Taille (1998) entendem que a indisciplina é um fenómeno que aloca a si várias dimensões decorrentes de diversos contextos culturais, socioculturais, afectivos ou mesmo psicológicos dos alunos e que muitos alunos na chegada à escola evidenciam uma ausência de regras e valores ou com regras e valores contrários aos praticados na sociedade, em geral, e na escola, em particular.

Por seu turno, Parrat-Dayan (2008) considera que a indisciplina pode ser provocada pelas circunstâncias atrás aduzidas ou ainda por questões decorrentes da própria estrutura organizacional da escola. Esta autora aponta ainda a personalidade do professor como outro potencial factor impulsionador de indisciplina em contexto escolar.

Para Castro (2010), um aluno indisciplinado é, em princípio, alguém que possui um comportamento desviante em relação a uma norma, explícita ou implícita, sancionada em termos escolares e sociais. A mesma autora defende (2010) que o conceito de indisciplina, ainda que possa envolver alguns actos de violência, não é necessariamente um fenómeno de violência e, nesse sentido, podem destacar-se diferentes níveis de indisciplina: perturbação, conflitos e vandalismo. Procedendo a este nivelamento,

[…] a perturbação pode afectar o funcionamento das aulas ou mesmo da escola. Os conflitos podem afectar as relações formais e informais entre os alunos, podendo atingir alguma agressividade e violência, envolvendo por vezes actos de extorsão, violência física ou verbal, roubo, vandalismo etc. Além disso, os conflitos podem afectar, também, a relação professor/aluno, colocando em causa

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a autoridade e o estatuto do professor. Já o vandalismo contra a instituição escolar procura, muitas vezes, atingir tudo aquilo que ela significa . (Castro, 2010: 2)

Barroso (2001), por seu lado, atribui diversas razões para o fenómeno em si, considerando que a indisciplina decorre de um conjunto de factores onde se destacam a perda de um consenso nacional sobre o valor da educação; a desvalorização do poder do Estado; a “usura dos dispositivos de imposição da “ordem escolar estabelecida”, passando pela “vetustez dos métodos” e consequente “complexidade das situações a controlar”, não esquecendo, naturalmente, a heterogeneidade do público escolar resultante da escolaridade obrigatória.

Independentemente, do nível de indisciplina a que nos reportemos, esta problemática pode provocar uma instabilidade no processo de ensino/aprendizagem, no sentido em que uma situação de indisciplina pode quebrar o ritmo do contexto de aprendizagem e pôr em causa a prossecução dos seus objectivos.

Hargreaves (1978) considera que a indisciplina deve ser vista antes de mais como um processo de categorização, defendendo a ideia de que todos os contributos teóricos ou recomendações ajudam a elevação da imagem e da profissão docente bem como do próprio trabalho docente.

Recorde-se, por exemplo, Afonso (1991) que refere, precisamente, esta ideia ao considerar que os comportamentos de resistência podem afectar a imagem do professor e até da própria instituição, no sentido em que o professor acaba por ser posto em causa perante a turma e, posteriormente, perante a própria instituição. Muitas vezes, comportamentos indisciplinados podem questionar a capacidade profissional do professor e, nesse sentido, a sua imagem pode sair mais beliscada do que a imagem dos alunos indisciplinados.

Outra da ideia veiculada por autores como Amado e Freire (2002) é a ideia de que a indisciplina é uma forma de manifestação dos alunos contra o poder instituído pelo docente em contexto de sala de aula. Ao criar-se um ambiente de indisciplina, o aluno tem a convicção de que poderá estar a pressionar o professor a criar situações mais favoráveis no processo de ensino/aprendizagem, tornando-o mais divertido.

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[…] a manifestação de actos/condutas, por parte dos alunos, que têm subjacentes atitudes que não são legitimadas pelo professor no contexto regulador da sua prática pedagógica e, consequentemente, perturbam o processo normal de ensino- aprendizagem. (Silva e Neves, 2006: 7)

Por outras palavras, diremos que os actos de indisciplina se revestem de um conjunto de comportamentos e atitudes que inibem ou privam o bom desenvolvimento da prática pedagógica, condicionando a aprendizagem e consequentemente o sucesso dos discentes.

Por oposição, as mesmas autoras (2006) advogam a ideia de que condutas e comportamentos manifestados pelos alunos, legitimados pelo professor dentro de um contexto educativo regulado nas suas práticas pedagógicas, são tomados como comportamentos de disciplina.

É importante que a acção pedagógica do professor se centre no envolvimento dos