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Educação de Adultos: década de 70

Capítulo I Educação de Adultos: Contextualização Histórica

2. A Educação de Adultos em Portugal

2.1 Educação de Adultos: década de 70

Até à revolução de 1974, a Educação de Adultos em Portugal era quase inexistente, uma vez que, até este período “a capacidade de intervenção da sociedade civil foi muito limitada, designadamente ao nível da liberdade de expressão, de reunião e de associação” (Lima, 2004, p. 62). Dado que, cerca de um quarto da população portuguesa era analfabeta na década de 1970, o regime democrático viria a ser confrontado com a necessidade de reinventar políticas de educação de adultos. Melo (2010) caracteriza esta situação de “obscurantismo programado”, defendendo que o desafio se prendia com a mudança de orientação das políticas públicas, tal como das condições materiais e simbólicas, quer de motivação quer da mobilização da população adulta. Enquanto universo de práticas sociais, a educação de adultos não terá sido objeto de políticas públicas globais e polifacetadas, mas sim de orientações segmentadas e heterogéneas, a curto prazo. Lima (2007) defende que a educação de adultos corresponde ao “sector mais crítico no âmbito de um sistema e de uma política pública de educação ao longo da vida em Portugal”, devido ao facto de ser um sector indispensável e aos seus impactes sistémicos na economia como na sociedade (p. 25). É, portanto, um sector “sem lugar no quadro das políticas educativas ou objeto de uma presença apagada e intermitente, em geral marcada por ausências, descontinuidades e abandonos” (Lima, 2005, p. 32).

No âmbito da educação popular, a recusa de uma política de educação de adultos global e integrada representa uma forma de controlo e de reprodução social. Neste contexto, as políticas públicas de educação de adultos permitiam analisar o grau de compromisso social, coesão social e de democratização das próprias políticas educativas. Embora distintas, duas lógicas articuláveis adquiriram protagonismo neste quadro (Lima, 2005). De um lado, a lógica de controlo social que parte da educação escolar como meio de controlo social e da educação de segunda oportunidade (ensino recorrente) e, por outro lado, a lógica da modernização económica, de produção de mão- de-obra e de gestão de recursos humanos comandada por orientações vocacionalista e de produção de capital humano.

Deste modo, a educação tem vindo a ser transformada num capítulo da gestão de recursos humanos, orientada para a produção de competitividade no mercado global. Com efeito, os indivíduos são vistos enquanto consumidores e clientes que atuam num

mercado de aprendizagem. Este mercado, por seu turno, encontra-se ao serviço de uma competição económica conduzida pelo individualismo e pelo mercado capitalista desregulado. Segundo Jarvis (2000), a educação transformou-se numa mercadoria para ser consumida. Aliás, o mercado da aprendizagem tornou-se

um mercado global, com as instituições a procurarem vender as suas mercadorias pelo mundo fora. O sistema educativo é tão só um fornecedor no mercado da aprendizagem e, enquanto ele ainda tiver uma clientela estabelecida haverá uma competição crescente para os negócios. (pp. 39-40)

Neste contexto, torna-se importante ressaltar que a lógica do mercado de aprendizagem não garante a igualdade de oportunidades no acesso nem no sucesso educativo. Lima (1996) defende que estamos perante uma “educação contábil” que favorece a estandardização, valoriza o que é contável, fundamenta-se em regras burocráticas e, por fim, fragmenta os processos educativos em elementos passíveis de mercadorização (p. 73). A democracia e a participação são cruciais para a concretização de uma educação democrática. Quer isto dizer que, a formação para a democracia, a participação cívica, a autonomia, os direitos humanos, entre outros representam “hoje um vector essencial em termos de solidariedade social e educativa e de democratização

da democracia” (Lima, 1994, p. 21).

É criada, em 1971, a Direcção-Geral da Educação Permanente (DGEP)15 que dinamizou uma política pública inovadora com o propósito de dar resposta às solicitações da iniciativa popular. Ou seja, este serviço propôs-se articular o Estado com o movimento popular (Guimarães, 2009). De acordo com Melo e Benavente (1978), constitui-se como uma “unidade «subversiva» (…), com uma ação dupla (uma porta aberta em direção à hierarquia ministerial e outra em direção aos grupos populares” (p. 18). Após o ano de 1974 surgiram, em Portugal, alguns movimentos populares promovidos por associações culturais e recreativas, associações de moradores, associações de trabalhadores, sindicatos, entre outras, que promoveram diversas iniciativas de educação popular, nomeadamente atividades de alfabetização. Estes movimentos tinham o propósito de promover a democracia, o desenvolvimento, a liberdade e a igualdade de oportunidades.

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Sendo um dos serviços executivos no sector do ensino, a DGEP que tinha como responsabilidade ações de alfabetização e cursos de EA (Melo et al., 1998).

A partir das condições históricas vividas até ao momento, dinamizava-se estratégias de autoeducação e de autogestão das organizações locais para produzir conhecimentos importantes para a população local. Perante este contexto, a participação dos próprios adultos iria contribuir para uma democratização do sistema de ensino. Quer isto dizer que os adultos são, por seu turno, os principais atores da mudança social.

Em finais de 1975, Melo é nomeado Diretor-Geral da DGEP e, este organismo tutelava a Educação de Adultos (Nico, 2011). Com efeito, este organismo define educação permanente como “aprendizagem para autonomia gradual de pessoas e coletivos” (Melo & Benavente, 1978, p. 100). E em termos de atividades, promoveu as seguintes:

i. Atividades de alfabetização e Cursos Supletivos do Ensino Primário para Adultos

(CEPSA’s) com programas e métodos diferentes do ensino regular;

ii. Bibliotecas populares fixas e itinerantes e difusão de obras literárias e artísticas;

iii. Criação dos cursos gerais do ensino liceal noturno, reestruturação dos cursos de ensino técnico e introdução do exame “ad hoc” à universidade;

iv. Iniciativas de base introduzindo práticas educativas inovadoras no domínio da EA

são desenvolvidas por grupos e associações, em diferentes zonas do país. (Melo et al., 1998, pp. 69-70)

Ao atribuir notoriedade ao associativismo socioeducativo, a DGEP rejeitava uma “política de intervenção agressiva”, através de recursos, instrumentos jurídicos e meios pedagógicos adequados (Lima, 2005, p. 38). Sob influência da educação permanente, preconizada pela UNESCO, este serviço visa promover a democracia, o desenvolvimento, a autonomia e a justiça social através da igualdade de oportunidades. Com efeito, a atuação da DGEP revelou-se bastante dinâmica, inédita e inovadora para um órgão do Estado. Nos finais de 1975, um dos principais pressupostos dos responsáveis da DGEP prendia-se com a integração da educação de adultos e da educação popular num sistema de avaliação que permitisse obter equivalências ao ensino oficial. Para tal, era necessário que o ensino oficial “reavaliasse” os seus princípios e critérios (Melo & Benavente, 1978).

Pese embora apresente uma política pública inovadora para o contexto português, a DGEP foi “abandonada” pelo Governo em 1976. No âmbito do período de normalização política e constitucional, o Estado tinha como responsabilidade a

democratização da educação, contribuindo, assim, para a igualdade de oportunidades e para o desenvolvimento pessoal e social dos cidadãos (Rico & Libório, 2009; Guimarães, 2011).

Melo (2010) aborda a questão da educação se constituir como uma ferramenta imprescindível para a compreensão da sociedade. Na realidade, a educação de adultos devia promover uma compreensão crítica dos problemas quotidianos, bem como uma participação ativa na sociedade, através de diversas formas de organização coletiva. Desta forma, o período de 1974 a 1976 foi extremamente significativo para a Educação Popular, na medida em que foram implementadas medidas importantes com o intuito de combater o analfabetismo e os baixos níveis de participação social, cultural e política da sociedade portuguesa. Este período foi marcado pelo forte apoio público a diversas iniciativas educativas que tinham como objetivo articular as ações de alfabetização e atividades de carácter mais formal contendo, também, ações não-formais de intervenção cultural e de educação comunitária (Melo & Benavente, 1978, p. 11). De acordo com Belchior (1990), a principal viragem na política de educação de adultos ocorre quando a

Assembleia da República aprova uma Lei16 relativamente à “eliminação do

analfabetismo” e à educação de base de adultos. Afirma-se, na referida lei que, a alfabetização se desenvolve a partir da

aprendizagem da leitura e da escrita, acompanhada de outros programas de educação não formal de interesse para os adultos [e que a] alfabetização e educação de base são entendidas na dupla perspectiva da valorização pessoal dos adultos e da sua progressiva participação na vida cultural, social e política, tendo em vista a construção de uma sociedade democrática e independente. (p. 35)

É então, delineado pelo Governo, em 1979, um Plano Nacional de Alfabetização e de

Educação de Bases dos Adultos (PNAEBA17). Considerado um marco fundamental para

a definição da educação de adultos como para a sua conceptualização em Portugal, o PNAEBA foi importante, uma vez que “revogou todo o passado e relançou o futuro da EFA” (Silvestre, 2003, p. 115). Coordenado com as políticas de desenvolvimento cultural e de animação sociocultural, o PNAEBA tinha como objetivos reduzir o analfabetismo, expandir o acesso à escolaridade obrigatória e articular as ações de

16 Lei nº3/79, de 10 Janeiro de 1979 17

Criado através da Lei n.º3/79, o PNAEBA destaca as ideias de Paulo Freire e da Conferência de Nairobi.

educação de base com a educação popular e a formação profissional. Procurava-se, deste modo, desenvolver ações que privilegiassem a qualidade da ação educativa, refletir a diversidade de formas de analfabetismo e, por último, considerar a diversidade de necessidades educativas básicas da população portuguesa.

Adotando uma perspetiva alargada (associações de educação popular, por exemplo), este documento define uma ampla área de intervenção estadual na educação de adultos, nomeadamente a criação de um Instituto Nacional de Educação de Adultos, que tinha como finalidade conferir unidade, visibilidade e coerência à educação de adultos a nível central; os programas regionais integrados a nível regional e os centros de cultura e de educação permanente e apoio à educação popular a nível local. Melo et al. (1998) caracterizam o PNAEBA como um instrumento que lançou e, simultaneamente manteve “artificialmente” um subsistema de educação de adultos, na administração portuguesa. Segundo Lima (2007), o PNAEBA delineou uma situação de forte protagonismo e investimento do Estado ao articular o movimento associativo com os municípios. Contudo, a tentativa de expandir os direitos sociais e educativos da população adulta não ocorreu devido à falta de investimento político e financeiro. Ainda em 1979, destaca-se a criação do Conselho Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos (CNAEBA). Tendo uma composição alargada a diversos sectores da sociedade portuguesa, o CNAEBA coordenava e acompanhava a execução do PNAEBA (Belchior, 1990). Este documento pretende, deste modo, valorizar os adultos e a participação dos mesmos na vida social, cultural e política com o propósito de construir uma sociedade democrática.

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