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Educação de Jovens e Adultos: a História comum na diversidade

CAPÍTULO I EDUCAÇÃO NO BRASIL: HISTÓRIA DE FRAGILIDADES E

1.3. Educação de Jovens e Adultos: a História comum na diversidade

Apesar de considerarmos as situações específicas e de acordo com contextos locais, podemos afirmar que existe um perfil particular de alunos da educação de jovens e adultos.

... esse território da educação não diz respeito a reflexões e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou adulto, mas delimita um determinado grupo de pessoas relativamente homogêneo no interior da diversidade de grupos culturais da sociedade contemporânea. (OLIVEIRA, 2002, p. 15)

O adulto na educação de jovens e adultos é, geralmente, o migrante que chega às grandes cidades oriundo de áreas rurais, filho de trabalhadores rurais não- qualificados e com baixa escolaridade, assim como ele, trabalhando em ocupações urbanas não-qualificadas. Após experiência no trabalho rural na infância e na adolescência, busca a escola tardiamente para alfabetizar-se. O jovem da EJA é também um excluído da escola, mas incorporado aos cursos supletivos em fases mais adiantadas de escolaridade, com maiores chances de concluir o ensino fundamental ou mesmo o ensino médio.

Por outro lado, o adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de maneira diferente do adolescente. Ele traz consigo uma história de vida mais longa de experiências, conhecimentos acumulados, auto-reflexões e reflexões sobre outras pessoas e o mundo externo.

A exclusão da escola coloca os alunos/adultos em situação de desconforto. Eles sentem vergonha de freqüentar a escola depois de adultos, sentem-se humilhados quanto a sua própria capacidade para aprender.

Esses alunos que retornam aos estudos ou freqüentam a EJA são, geralmente, pessoas empregadas ou não, vivendo em situações precárias de vida. São, como os alunos da escola pesquisada, trabalhadores da construção civil, do

comércio, donas de casa, empregadas domésticas, faxineiros, balconistas, que não tiveram condições de terminar os estudos na época certa da escolarização. Há um grande número de migrantes de outros estados, principalmente do nordeste. A renda salarial, quando empregados, está na faixa de até cinco salários mínimos.

Muitos abandonaram os bancos escolares por motivo de trabalho, a fim de auxiliar a renda familiar e, por paradoxal que possa parecer, retornam aos estudos por motivo de trabalho, exigência do mercado por mão-de-obra especializada e de maior escolaridade, com o objetivo de melhorar de emprego e de condições de vida e não correr o risco de ser demitido pela concorrência.

As razões apontadas para a volta à escola, geralmente estão ligadas ao trabalho, que exige a escrita e a leitura. Além das habilidades de saber ler e escrever, o trabalho exige pessoas dotadas de autonomia e iniciativa para resolver problemas.

Num mercado de trabalho que exige o ensino médio, a necessidade de conclusão do ensino fundamental é uma verdadeira corrida contra um tempo de exclusão não mais suportável.

Os obstáculos como cansaço, trabalho e família, pesam muito no momento da volta à escola, mas a força de vontade e a própria exigência do trabalho por uma maior escolaridade, falam mais alto e eles retornam carregados de sonhos e desejos por uma vida melhor. No Estudo da Arte (2000), sob a coordenação do professor Haddad, a pesquisa realizada com 48 escolas paulistanas de EJA, aponta que os alunos são pessoas marcadas por carências materiais e afetivas. Há uma inserção cada vez maior de mulheres e jovens nos cursos da EJA.

De acordo com essa pesquisa, a escola está longe da realidade e das necessidades concretas dos alunos. Disso resultam repetência, evasão e fracasso, entre os jovens que cada vez mais ocupam as escolas noturnas. Por outro lado, não se pode desconsiderar que na escola noturna a freqüência às aulas é prejudicada pela falta de professores, pelos serviços de apoio pedagógico, quase sempre inexistentes, pelo relacionamento não cordial com o corpo administrativo. As experiências de cursos e exames supletivos reforçam esta marginalidade da Educação de Jovens e Adultos, segundo o estudo. Da parte dos alunos do noturno,

muitos destes, incorporando a ideologia dominante do fracasso, consideram-se incapazes e fracos.

Ao longo de minha experiência como educadora da EJA é comum constatar, pelas falas de alguns alunos, o sentimento de impotência frente à dificuldade em aprender e o fato de se auto-responsabilizar pelo fracasso, pela idade avançada, pelo longo tempo sem estudar, pelo nervosismo e ansiedade no dia da prova.19

Nessa perspectiva, os alunos não se dão conta de refletir sobre a sua realidade histórica e social e, portanto, não percebem a sua situação relacionada com uma ordem social em que imperam as desigualdades, injustiças e exclusão. Portanto, incorporam as justificativas da ideologia capitalista/dominante que atribui ao indivíduo a culpa pelo seu fracasso na escola e na vida.

É importante ter sempre claro que faz parte do poder ideológico dominante a inculcação nos dominados da responsabilidade por sua situação. Daí a culpa que sentem eles, em determinado momento de suas relações com seu contexto e com as classes dominantes por se acharem nesta o naquela situação desvantajosa. (FREIRE, 2002, p. 92).

Por trás desse enfoque está a concepção liberal de educação, coerente com o capitalismo moderno e que propõe a livre iniciativa individual, contribuindo com a manutenção das desigualdades e com a elitização do saber ao selecionar os mais “capazes”.

Com relação aos níveis de aprendizagem da leitura e da escrita, a pesquisa mostra que os adultos analfabetos apresentam um baixo nível referente às operações mentais, sem a presença do objeto concreto. A maneira de operar dos alunos limita-se à percepção e experimentação.

19 “Eu fico muito ansiosa, troco letras. A minha vontade de ler e escrever é muito grande, pois, eu

queria estudar e naquela época o meu pai não deixava. Naquela época as pessoas estavam com a cabeça pronta para aprender. Com a idade, o excesso de preocupação atrapalha” (CEMEFEJA Pierre Bonhomme, I. 59 anos, 2004).

“Eu não sabia decorar a tabuada, contava no dedo, demorava muito e a professora dizia que eu tinha que decorar, dizendo: deste jeito vou ter que te dar zero. ( M. 50 anos)

“Eu aprendi somar, diminuir e multiplicar e estranhei essas coisas novas, por exemplo, raiz quadrada, expressões, regra de sinais.

(Pesquisa realizada pela diretora do CEMEFEJA Pierre Bonhomme em 2005 para um trabalho de conclusão de curso, não publicado. Os resultados constam do PPP de 2006. Titulo do trabalho: Sucesso e Fracasso escolar na Educação de Jovens e Adultos nas disciplinas de Matemática e Português no CEMEFEJA Pierre Bonhomme.)

As conclusões apresentadas pela pesquisa o “Estado da Arte” reafirmam um dilema que a Educação de Jovens e Adultos carrega consigo: o de pretender garantir a escolarização básica como direito a esses alunos, mas ao mesmo tempo levantar uma grande expectativa nos que freqüentam os cursos quanto às mudanças almejadas e quanto aos aspectos profissionais. A realização dessas expectativas não depende apenas da escola. Há ganhos para quem está vivenciando a experiência de voltar à escola depois de adulto, mas há também decepções por ela não corresponder a tudo o que se espera dela.

A educação de jovens e adultos, na perspectiva dominante, sempre foi considerada como uma educação compensatória, com o único objetivo de suprir a carência de escolarização dessa população, nos moldes da educação fundamental regular. Ignora-se a sua especificidade, as características de desenvolvimento e de aprendizagem, as diferenças culturais e a riqueza de suas experiências e histórias de vida.

Oliveira diz: ”... a idade e vivência social e cultural dos educandos é ignorada, mantendo-se nessas propostas a lógica infantil dos currículos destinados às crianças que freqüentam a escola regular”. (OLIVEIRA, 2004, p. 105).

Pensar uma escola específica para as características dos alunos de EJA significa pensar a questão curricular e, nela, a problemática da avaliação. Significa, também, pensar na integração escola/comunidade, atendimento às diferenças individuais, novas metodologias e novas maneiras de conceber a avaliação.

Além dos conteúdos que serão desenvolvidos por disciplina, existem outros currículos que acontecem nas salas de aula, nos diferentes espaços escolares, nos intervalos, nas relações entre todos, nos ocorridos nos espaços extra-escolares e que interferem no currículo planejado pela escola.

Entendo a concepção de currículo para a EJA como sendo toda prática educativa de caráter político, econômico, social, cultural, ético e estético, envolvendo todos os sujeitos da escola, na busca de uma educação de qualidade.

Estamos tomando Currículo, aqui, em sua acepção ampla; não apenas um repertório ordenado de conteúdos disciplinares (“disciplinares” nos dois sentidos: de saberes e de procedimentos), mas o denso conjunto de saberes e procederes teóricos e práticos, explícitos e implícitos, didáticos e organizacionais, cognitivos e comportamentais, racionais e emocionais,

sociais e afetivos, éticos e estéticos, científicos e não-científicos, econômicos, políticos e culturais, endógenos e exógenos, que constituem as práticas escolares cotidianas. (CASALI, 2001, In: CAPPELLETTI (ORG.), 2007, p. 17).

O acesso às informações permite saber sobre notícias, ouvir dizer algo sobre o que se dialoga. As trocas das informações permitem valorizar o que os sujeitos sabem, portanto há a democratização dos saberes. O conhecimento diz respeito a conhecer, entender o processo de compreensão, apropriação e aplicação da informação.

Para Freire (1997, p. 34-36), o conhecimento adquire uma postura de leitura do mundo, de sua compreensão e do comprometimento com a transformação da sociedade. As habilidades referem-se ao saber fazer. Os alunos jovens e adultos já possuem um conjunto de habilidades e a função da escola é a de potencializar essas habilidades, tornando-os capazes de resolver as dificuldades do cotidiano.

Por último, os valores que fazem parte do currículo escolar: o respeito, a auto-estima, o afeto, a criatividade e o pertencimento: valores em prol da auto- estima coletiva; valores que dizem respeito à saúde ambiental: responsabilidade, solidariedade, democracia e resolução de conflitos; e valores que se relacionam com o futuro: superação e ações para a mudança.

Gadotti (2001, p. 31-32) ao discursar sobre a educação de jovens e adultos e sobre o analfabetismo como conseqüência de uma estrutura social injusta, coloca a concepção de pertencimento.

O educador de jovens e adultos, para o autor, precisa conhecer as condições objetivas de vida do analfabeto: o salário, o emprego, a moradia, bem como a história de cada grupo, suas lutas, organização, conhecimento, habilidades, enfim, sua cultura. Mas, conhecê-las convivendo com os alunos e não apenas pelas leituras.

Não pode ser um conhecimento apenas intelectual, formal. O sucesso de um programa de educação de jovens e adultos é facilitado quando o educador é do próprio meio.20

Nesse sentido, a concepção de pertencimento adquire importância para a diretora/pesquisadora que, mesmo antes de se tornar educadora na EJA, já convivia com a problemática do analfabetismo em sua origem.

Ser professora e falar sobre o trabalho docente de professores e monitores é arriscado. Corro o risco de cometer o mesmo erro: silenciar vozes. Não é o meu desejo. Pelo contrário, sem ter a pretensão de ser representante das vozes silenciadas, o meu brado é apenas um, que como outros, marcam uma possibilidade e expressam uma identidade, ou um pertencimento a esse grupo, [à minha comunidade de destino, como mulher e professora [...]. 21

Em plena sociedade da aprendizagem e do conhecimento, o currículo no século XXI, apresenta uma concepção polissêmica, segundo Abramowicz (2007, p. 59) encarada como uma construção em processo, na qual se destacam as dimensões cultural, social e histórica e as experiências práticas dos sujeitos.

A avaliação é um componente essencial do currículo, devendo ser ela própria um meio de reflexão sobre a aprendizagem, manifestando-se num clima de confiabilidade, de lealdade recíproca entre todos, professores e alunos e demais interessados nos processos educativos.

Muitas vezes, a avaliação, na sua forma classificatória, é realizada em função da comparação entre os alunos, considerando a nota maior como padrão ou norma. Esse procedimento, no caso da educação de jovens e adultos, pode ter como conseqüência a evasão, pois, ao se sentir humilhado com a comparação, o aluno pode abandonar a escola. Numa visão dialético/libertadora/formativa, as provas devem servir como instrumentos da situação de aprendizagem e como meios para superação das dificuldades apresentadas.

20...Contudo, nem sempre isso é possível. É preciso formar educadores provenientes de outros meios

não apenas geográficos, mas também sociais. Moacir GADOTTI. Educação de jovens e adultos:

correntes e tendências, 2001, p.32. Ler sobre a educação de adultos não é suficiente. É preciso

entender, conhecer profundamente, pelo contato direto, a lógica do conhecimento popular, sua estrutura de pensamento em função da qual a alfabetização ou a aquisição de novos conhecimentos têm sentido. (Gadotti, 2001, p. 32-33)

21 Afirmação de Roseli Fontana ao assumir o conceito de comunidade de destino de Bosi, citada por

Silmara de CAMPOS: Considerações sobre o trabalho docente na educação de jovens e adultos

Nascimento (1999, p. 29-30) destaca alguns aspectos na avaliação de EJA: a) Fala-se em avaliação processual e contínua, mas os educadores, na sua maioria, não têm o hábito do registro das atividades desenvolvidas, comprometendo uma análise sistemática do processo de ensino-aprendizagem;

b) Ainda ocorre o espontaneísmo detectado pela falta de planejamento das atividades desenvolvidas na sala de aula, inviabilizando, portanto a avaliação processual e contínua;

c) O papel das provas no processo de avaliação tem determinado o sucesso ou insucesso dos alunos que acabam por dar mais valor à nota do que à sua aprendizagem;

d) O foco da avaliação incide sobre a memorização dos conteúdos, ignorando habilidades relacionadas aos conteúdos trabalhados;

e) A avaliação tem sido realizada de forma unilateral, do professor para o aluno, e tem sido usada para classificar e punir os alunos;

f) Considera-se a avaliação como um fim em si mesmo e não como meio para informar sobre a aprendizagem.

Na abordagem dialética, crítica, libertadora e dialógica da avaliação tem-se que romper com a dicotomia entre quantidade e qualidade. De acordo com esse enfoque, ganha relevância o diálogo permanente entre educadores e educandos no processo da aquisição e avaliação em busca da qualidade sócio-cultural.

Hadji afirma que a avaliação deve ser encarada como uma prática pedagógica a serviço das aprendizagens, utilizando a expressão “aprendizagem assistida por avaliação”. (HADJI, 2001, p. 09).

De acordo com o autor, na concepção de avaliação formativa o avaliador deve realizar quatro tarefas: desencadear comportamentos a observar/interpretar, proceder à observação/interpretação desses comportamentos, comunicar/divulgar os resultados de sua análise e seu parecer final e remediar as dificuldades analisadas. Há a necessidade da construção de um dispositivo de avaliação, definindo as questões que devem ser respondidas a respeito do objeto avaliado; tomada de decisões pós-avaliação, a fim de orientar a busca de informações úteis, determinar os espaços de observação em função de cada objetivo a ser observado, selecionar

os instrumentos de coleta de dados e a articulação/coerência entre o objeto e os exercícios de verificação.

1.4. Avaliação Institucional: um lugar na história da avaliação da Educação de