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Como visto anteriormente, um dos principais objetivos da atenção pré-natal e puerperal é acolher a mulher desde o início da gravidez, de forma a assegurar o parto e o nascimento, garantindo o bem estar materno-fetal.

Os manuais técnicos da assistência pré-natal apontam que a educação em saúde seja desenvolvida de modo a permitir trocas de experiências e informações entre as mulheres e os profissionais de saúde, como discussões em grupos e dramatizações valorizando temáticas como: modificações fisiológicas do organismo materno, higiene corporal, nutrição, direitos trabalhistas, dentre outras que, comumente, partem das necessidades de informações das gestantes. Recomenda aos profissionais que evitem a modalidade de palestra por ser pouco produtiva, despertando pouco interesse de participação pelas gestantes, e porque ofuscam outras questões subjacentes. Além disso, a história de cada mulher grávida deve ser acolhida integralmente, a partir do seu próprio relato e do seu parceiro (BRASIL, 2001; 2005; 2006).

Ainda encontramos nos manuais técnicos do Ministério da Saúde, propostas avançadas de inclusão dos parceiros e familiares das gestantes nas ações educativas. O referido documento recomenda que estejam abertos às mudanças sociais e que cumpram de maneira mais ampla o seu papel de educador e promotor em saúde. Nos termos das políticas de saúde, o envolvimento dos familiares e do companheiro implica na participação desses indivíduos como responsáveis pelas questões da saúde sexual e reprodutivas (BRASIL, 2005).

Mesmo que o foco central seja a mulher, o envolvimento do companheiro e dos familiares de certa forma aponta, como tendência, o envolvimento da sociedade nas discussões sobre gestação, parto e nascimento. Estas propostas políticas têm a intencionalidade de que a sociedade comece a participar dos caminhos assistenciais reprodutivos, onde o espaço do pré-natal possa ser também espaço político para o fortalecimento dos direitos de cidadania dos usuários do sistema de saúde, como partícipes nas formulações e co-gestão dos serviços.

Percebe-se nos documentos ministeriais que a participação do homem, companheiro e pai, vem sendo cada vez mais enfatizada no contexto da humanização. Isto também se deve ao fato de que, a partir dos avanços nas discussões sobre as questões de gênero, alavancaram-se

novas redefinições de papéis atribuídos socialmente a homens e mulheres, inclusive sobre as questões que envolvem aspectos da reprodução.

Outro objetivo da participação do pai desde o pré-natal até o nascimento é o de preparar o casal para o parto fisiológico, estimulando a formação precoce de vínculos afetivos entre a mulher, o pai e seu filho. E isso significa também o alcance das transformações sociais, necessárias e previstas no processo de humanização.

Todos os objetivos da participação e envolvimento do pai, no contexto da reprodução, são sustentados por evidências científicas que demonstraram transmitir segurança e confiança das mulheres durante seus partos (BRASIL 2006). Contudo, no contexto do pré-natal, a participação do homem, companheiro-pai, vem ainda apresentando alguns desafios que merecem ser destacados, como o exemplo a seguir, com duas produções que tratam desta temática. Cabe enfatizar, que existem poucas produções científicas que tratam sobre a participação do pai, na gestação, parto e nascimento.

Num estudo desenvolvido no Rio Grande do Sul, de Piccinini et al. (2004), com a participação de 35 pais que esperavam seus filhos pela primeira vez, constatou-se que a maioria destes homens disse ter apoiado suas companheiras durante o pré-natal, oferecendo-lhes “apoio emocional e material”, e ainda, que encontravam dificuldades de estar envolvidos com a gravidez, mais especificamente com relação ao bebê, por não o perceberem enquanto “bebê vivo e real”. Expressaram, inclusive, que não desejariam assistir ao parto, e tampouco participar de práticas educativas no âmbito de pré-natal, como também buscar conhecimentos sobre a gestação, parto e nascimento através da mídia em geral.

Estudo mais recente de Oliveira et al. (2009), que trata dos fatores que influenciam a participação dos pais no acompanhamento pré-natal em uma Unidade de Estratégia da Família no Recife (PE), demonstrou que numa amostra de 13 homens companheiros das gestantes, 53,8% desses sujeitos não consideravam a gravidez oportuna, referindo-se às suas atividades laborais como motivo para não participar do acompanhamento pré-natal, enquanto 61, 5% do total dos sujeitos, informaram que contribuíam com suas companheiras durante o pré-natal, através do apoio financeiro e emocional.

Os estudos acima realizados, mesmo em épocas e regiões distintas do país, a saber, Sul e Nordeste, demonstraram características semelhantes nos comportamentos e atitudes destes homens com relação às suas participações no pré-natal, uma vez que se tornou muito vago o entendimento sobre o “apoiar a mulher emocionalmente” nos dois estudos. No primeiro, os pais apoiavam emocionalmente e não participavam de forma mais efetiva, pois seria preciso estar “vendo” o bebê (bebê real); e no segundo, os homens mencionaram que as gravidezes

não eram oportunas, ou seja, mantiveram-se contrários à gravidez não desejadas de suas companheiras, porém aceitas. Mas, em ambos os casos, os pais expressaram claramente, que no contexto do pré-natal, a participação do pai na gestação está relacionada à provisão de recursos materiais.

Apesar de todo o avanço no enfoque às questões de gênero nas diretrizes políticas na atenção à saúde das mulheres, em especial na assistência obstétrica, quanto à participação e envolvimento do pai, podemos pensar que talvez este envolvimento e participação possam estar além das possibilidades dos homens em nossa sociedade em lidar com mudanças nas questões voltadas às diferenças sexuais como, por exemplo, os papéis assumidos por homens e mulheres frente à maternidade e à paternidade.

No contexto da minha prática assistencial-pedagógica no pré-natal no HESFA, situado na Cidade do Rio de Janeiro, estes aspectos referentes à participação dos companheiros das gestantes, pais, não diferem tanto dos dados apresentados nos artigos citados. A participação dos companheiros-pais no pré-natal ainda é muito tímida. Apresenta dois grandes problemas: um deles, o fato de que os homens comumente não são liberados de suas atividades laborais para acompanharem as mulheres no serviço de pré-natal; o outro, que tenho observado empiricamente, com certa freqüência, e este acredito ser um fator diferenciador, é o número significativo de mulheres abandonadas pelos companheiros no momento em que descobrem suas gravidezes. Inclusive com esses companheiros desejando que elas façam testes de paternidade após o nascimento da criança.

Desta forma, a maioria das mulheres acompanhadas no pré-natal, vivencia suas gestações sem a presença de seu companheiro, muitas vezes contando com o apoio financeiro de familiares, vizinhos, amigos, e até mesmo com a colaboração de profissionais que prestam assistência.

Outro aspecto importante a mencionar, deve-se ao fato de que nas diretrizes políticas da saúde das mulheres, as inferências sobre a educação em saúde no contexto do pré-natal, não se encontram explícitas quais seriam os referenciais teóricos e metodológicos recomendados, para nortear os profissionais em suas práticas educativas em saúde, no contexto da humanização. E como já mencionado, os conteúdos temáticos quando recomendados, continuam sempre pautados na dimensão biotecnicista, como por exemplo: fisiologia da gravidez, aleitamento materno, desconfortos ocasionados pela gravidez, higiene, alimentação, sinais e sintomas do parto, dentre outros.

Por conseguinte, no cotidiano das instituições, as práticas educativas em saúde no pré-natal ainda vêm sendo conduzidas, tal qual um receituário coletivo, com prescrições do

que deve e o que não deve ser feito, completamente alijadas das condições socioeconômicas e culturais das gestantes. Além disto, as práticas educativas em saúde está longe de ser considerada estratégia de acolhimento, uma vez que na maioria das vezes não há uma escuta sensível às histórias trazidas pelas mulheres. Como já tive oportunidade de assistir as práticas educativas no pré-natal de diversas instituições, outra característica é a constatação de um monólogo disfarçado de diálogo.

Porém, torna-se mais fácil aos profissionais desenvolverem suas práticas educativas com uma abordagem informativa, do que promoverem discussões numa perspectiva problematizadora, com temáticas relacionadas às realidades concretas das gestantes.

3 AS BASES TEÓRICAS DO ESTUDO

“O exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de pensar o conhecimento enquanto se conhece, de pensar o quê das coisas, o como, o porquê... são exigências fundamentais de uma educação democrática à altura dos desafios dos nossos tempos”

(FREIRE, 1994, p. 46)