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Educação: entre a desigualdade, a superação da pobreza e a promoção da cidadania global

CAPÍTULO II – EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODOS: NEGLIGÊNCIAS

3.2 Educação: entre a desigualdade, a superação da pobreza e a promoção da cidadania global

Os seres humanos são diferentes, mas podemos considerar como iguais suas necessidades básicas de sobrevivência e seus direitos enquanto seres humanos. Para viver com qualidade de vida no mundo contemporâneo, todos precisam de alimentação, saúde, educação, moradia, segurança, necessidades básicas que são asseguradas como direitos iguais a todos os homens. Entretanto, o atendimento a essas necessidades não tem sido igual para todos. A grande maioria da população brasileira, os cidadãos simples ou aqueles considerados elementos38, não têm

suas necessidades básicas atendidas. Essa maioria freqüenta as escolas da periferia, aquelas voltadas para a população pobre, com professores geralmente desestimulados, com prédios em condições físicas precárias, sem biblioteca, sem espaço para o lazer, sem gestão democrática. Muitos até que tentam continuar, mas na maioria dos casos acabam deixando ou sendo expulsos da escola. O resultado acaba sendo visto em poucos anos, aqueles do primeiro grupo vão ser os patrões, os doutores, os políticos, a elite dominante. Os do segundo grupo vão ficando cada vez mais distantes na escala econômica e social. Uns até que ainda conseguem burlar as barreiras e se mantém no meio do processo, mas grande parte vai parar no fim da fila ou depois dela, esquecida e abandonada, excluída cada vez mais e mais. Suas necessidades básicas não são

38 José Murilo de Carvalho (2002), na obra:Carvalho (2002), na obra: Cidadania no Brasil: um longo caminho, chama atenção para os três tipos de cidadãos presentes na realidade brasileira: o cidadão doutor, o simples e o elemento, sendo que os últimos têm menos acesso e conhecimento de seus direitos que o primeiro grupo, que faz parte de uma pequena elite política, empresarial ou intelectual privilegiada. Além disso, os cidadãos doutores são geralmente brancos ou quase brancos, têm melhor nível educacional e recebem altos salários.

atendidas, seus direitos violados e a situação ignorada. A pobreza, a desigualdade e a exclusão acabam provocando violência, assaltos, tráfico de drogas e fortalecimento de um Estado paralelo que acaba ameaçando o mundo daqueles que são protegidos pelo Estado denominado, Estado Democrático de Direitos. A privação de uma educação de qualidade encurta cada vez mais as possibilidades de emancipação e de mudança do quadro de desvantagem social e econômica. Eis que surge e cresce a desigualdade e se distancia mais e mais a cidadania.

Nunca foi tão desigual o tratamento dado às crianças no mundo, não mais segundo sua origem geográfica, senão segundo sua origem social [...] O século XX construiu uma barreira que diferencia de maneira radical, talvez definitiva, as crianças do mundo. Elas foram separadas em dois grupos. Algumas viverão com as sofisticadas tecnologias do século XXI, outras com os primitivos recursos do século XIX. Em breve essa “cortina de ouro” que separa os homens em dois tipos tão desiguais passará a separar dois tipos diferentes, biologicamente distintos, duas espécies dessemelhantes. Os incluídos na modernidade tomarão para si o sentido de humanidade e deixarão para os outros um vago conceito de desumano, ou mesmo de não-humano. (BUARQUE, 2006, p.17) A história da educação nos países latino-americanos encontra-se contaminada por fatos e situações, nas quais a voz dos sem voz encontra barreiras enormes em se expressar e alcançar os canais correspondentes. Os bolsões do analfabetismo se misturam com os bolsões de pobreza. Casassus (2002), destaca que, em média, na América Latina, os 10% mais ricos têm quatro vezes mais educação do que os 10% mais pobres. A educação tem funcionado muito mais como expediente de consolidação e ampliação dos privilégios do que de mobilidade social, uma vez que as pessoas de condições socioeconômicas mais elevadas dispõem de maiores facilidades no que se refere ao acesso e ao sucesso educacional (DEMO, 2004c). A região é marcada também pela injustiça social. Ao longo dos anos criou- se uma distância cada vez mais acentuada entre, de um lado, aqueles que têm acesso a uma educação de qualidade e a uma boa condição econômica, e, de outro, aqueles que correm o duplo risco de receber uma educação deficiente e viver na pobreza. O que se percebe claramente é que os que têm menos encontram-se limitados nas suas possibilidades de existência, pois são os que ganham menos, os que têm piores condições de vida.

Spitz (2007), divulga o resultado do levantamento feito pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), e aponta que o Brasil ficou na nona posição entre os países com a maior taxa de analfabetismo da região, ficando atrás apenas de Haiti, Nicarágua, Guatemala, Honduras, El Salvador, República Dominicana, Bolívia e Jamaica em número de pessoas que não sabem ler e escrever. Apesar de ter conseguido reduzir sua taxa de analfabetismo para 11,1%, ainda se encontra acima da média dos países da região, onde 9,0% da população é analfabeta. O relatório denuncia também que o analfabetismo no Brasil se concentra nas regiões mais pobres e nos grupos de idosos, negros e pobres. A média de anos de estudos da população subiu para 7,2 anos, mas se consideradas as regiões mais marginalizadas essa média é bem inferior, já que enquanto os mais ricos têm em média 10,2 anos de escolaridade, os mais pobres não passam de 3,9 anos. Por outro lado, os países que se encontram em melhor situação

educacional na região são Barbados, Chile, Argentina, Costa Rica, Guiana, Uruguai, Trinidad e Tobago, Cuba, Antilhas Holandesas e Bahamas, que mantêm as taxas de analfabetismo da população urbana em até 5,0% da população.

Ribeiro (2006) denuncia que apenas algumas sociedades do continente africano apresentam situações de desigualdade mais elevadas do que em alguns países latino-americanos. O índice elevado de desigualdade na América Latina tem lhe cobrado alto custo, uma vez que contribui para a proliferação da pobreza e dificulta os efeitos que o crescimento econômico poderia provocar mediante a redução da pobreza, contribuindo para que as possibilidades de conflitos sociais sejam cada vez maiores e mais intensas. A distribuição do Índice de Gini39

da região revela que além de apresentar as taxas mais altas do mundo, a região não tem conseguido êxito na redução dos índices negativos desde a década de 70. A concentração de renda no topo da distribuição expõe a desigualdade, já que apenas um pequeno grupo detém a maioria da riqueza nos países da região, deixando a grande maioria da população com uma pequena parte do bolo para ser dividida. Na tabela abaixo, é possível ter uma visão geral de como a desigualdade tem se desenvolvido no cenário internacional nas últimas décadas, mostrando que o Brasil tem encontrado muito mais dificuldade para lidar com o problema.

Tabela 6. Coeficientes de Gini Medianos por Região e Decênio

Região Decênio

‘60 ‘70 ‘80 ‘90

Europa Oriental 0,25 0,25 0,25 0,29

Ásia Meridional 0,36 0,34 0,35 0,32

OCDE e Países de Alta Renda 0,35 0,35 0,33 0,34

Ásia Oriental e Pacífico 0,37 0,40 0,39 0,38

Oriente Médio e África do Norte 0,41 0,42 0,41 0,38

África ao Sul do Saara 0,50 0,48 0,44 0,47

América Latina 0,53 0,49 0,50 0,49

Brasil 0,54 0,60 0,60 0,60

FONTE: Morley, S. (2000) La distribución del Ingresso en America Latina y el Caribe, Santiago: Fondo de Cultura Econômica; Barros, R. P., R. Henriques e R. Mendonça, (2000) “A Estabilidade Inaceitável: Desigualdade e Pobreza no Brasil” in Henriques, R. (org.)Desigualdade e Pobreza no Brasil, Rio de Janeiro: Ipea (Apud RIBEIRO, 2006, p.2)40

Apesar de a maioria dos países ter conseguido expandir sua economia e aumentar o gasto social durante os anos 90, a América Latina não conseguiu modificar a distribuição de renda (RIVERO, 2000). Durante este período, se por um lado, ampliou-se de modo considerável o número de matrícula, por outro lado, presenciou-se a redução radical da despesa em educação,

39 O Índice de Gini varia entre zero (nenhum grau de desigualdade) e um (extrema desigualdade) e mede a desigualdade de renda em determinada região ou país.

40 Disponível em: www.observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas/umpanorama_das_desigualdades_na_america_ latina.pdf

resolvida por intermédio de um grave corte nos salários da educação e na eliminação de recursos para investimentos em pesquisa, qualificação de pessoal, manutenção da infra-estrutura e compra de material didático. Em sociedades tão desiguais como as latino-americanas, e com insuficiência crônica de recursos, um esforço de incorporação dos excluídos da Educação Básica de qualidade requer um pacto social com base em alguns consensos e altas doses de solidariedade com os mais desprovidos de oportunidades. Faz-se necessária a implementação de políticas que gerem maior igualdade nas oportunidades de educação, contrabalançando a grave segmentação de nossos sistemas educacionais que oferecem uma educação pobre para os pobres.

No Brasil, pesquisas recentes têm mostrado que as atuais políticas sociais, como o Programa Bolsa Família tem contribuído bastante para a redução das desigualdades gritantes entre pobres e ricos, mas há ainda um longo caminho a ser percorrido e ainda não houve tempo suficiente para se fazer uma avaliação fidedigna sobre até que ponto essas políticas estão promovendo a cidadania emancipada da população mais pobre, levando-os a não depender mais delas no futuro. O que fica claro é que assim como na maioria absoluta dos demais países dessa região latino-americana, a pobreza e os baixos resultados educacionais sempre ficaram do mesmo lado. Ao analisar os dados da pesquisa: “Estatísticas do IBGE do século XX”, Costa (2003) mostra o agravamento das desigualdades sociais no Brasil, evidenciando que a concentração de renda está cada vez pior. Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, evidenciando também um alargamento na fatia social referente aos pobres.

O país encontra-se na companhia embaraçosa de países como Botsuana e Serra Leoa. Os salários dos brasileiros perdem cada vez mais seu poder de compra, sendo que o verdadeiro milagre brasileiro frente à situação instalada é que ainda não foi declarada, até agora, uma guerra civil. A desigualdade extrema presente na realidade brasileira influi de modo marcante no baixo desempenho educacional de sua população e na realidade econômica e material. Todos os fatores capazes de provocar uma má distribuição de renda estão presente no cenário nacional: diferenças significativas entre capital e trabalho, diferenças regionais, sistema tributário injusto, grande contingente de trabalhadores no setor informal sem registro e desempregados, inexistência efetiva de instrumentos de justiça econômica, salário mínimo abaixo das possibilidades econômicas do país, forte polarização urbano/rural, diferenças de renda, segundo o sexo e etnias e níveis altos de corrupção no sistema público e, especialmente, no privado (RIVERO, 2000). O autor denuncia que as “disparidades regionais no país também gravitam em volta do educacional. Os dados oficiais revelam que há vários Brasis que coexistem” (id.ibid., p. 244). Um bom exemplo dessa realidade é que a qualidade do ensino em escolas públicas das Regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste se mostram sempre superiores à qualidade das Regiões Norte e Nordeste em todas as pesquisas e avaliações.

Em pleno século XXI, ainda são poucos os jovens negros e pobres que conseguem chegar à Universidade e, por isso, acabam repetindo o futuro de seus pais, abandonando a escola, ou quem sabe, sendo abandonados por elas. Conforme destaca Demo (2004a), a

esperança de sorte da população pobre de poder contar com uma educação pública e gratuita de qualidade virou pelo avesso, pois o pobre vem sendo excluído dela, tanto pela falta de condições socioeconômicas de concorrência como por armadilhas legais. A noção igualdade de acesso é a principal delas, uma vez que esconde que pessoas tão desiguais, de mundos e realidades tão desiguais dificilmente podem ter acesso igual. Na verdade, até que ponto é possível se falar em desigualdade dentro da sociedade capitalista de cunho neoliberal? A igualdade na educação supõe disponibilizar oportunidades semelhantes de aprendizado para todas as pessoas, o que inclui condições materiais mínimas, estímulos e processo organizados para o desenvolvimento integral de suas capacidades.

Fica difícil falar de igualdade social, de inclusão social uma vez que as estatísticas da educação brasileira denunciam que uma parte considerável de nossa população ainda é analfabeta, que um número significativo dos alunos que estão ou que saíram das escolas não estão aprendendo ou não aprenderam. Que igualdade é essa? Que inclusão assimétrica é essa? Para Demo (2004d), a desigualdade constitui um fenômeno histórico-estrutural e como tal faz parte da história conhecida e encontra-se imersa na estrutura de qualquer sociedade, de tal modo que social e desigual seriam, na verdade, sinônimos. O autor salienta que nunca existiu uma sociedade igual, que a igualdade talvez fosse algo utópico. Entretanto, o autor destaca que sendo quase impossível visualizar uma sociedade igual, podemos ter “sociedades mais igualitárias, no sentido democrático, orientadas pela idéia de que o bem comum deveria prevalecer sobre apropriações individuais ou minoritárias” (id.ibid., p. 17).

A desigualdade de renda tem um impacto notório no acesso e na permanência da educação. À medida que os sistemas educacionais vão se expandindo, pode-se pensar que a brecha da desigualdade na educação vai diminuir. Na verdade, enquanto o Estado não criar políticas públicas mais intencionadas, menos focalizadas e mais efetivas no intuito de alterar a situação, a probabilidade é que a inércia de base fará com que se mantenham os altos níveis de desigualdade. Casassus (2002) diz ser necessário ver a educação enquanto um elemento fundamental tanto para o desenvolvimento das pessoas e de suas comunidades quanto como um meio para reduzir a desigualdade social e possibilitar a integração social.

Se o berço da desigualdade está na desigualdade do berço, é nele que devemos corrigir a desigualdade social que desponta no horizonte da história. Um programa mundial para igualar os berços das crianças, garantindo a todas elas bens e serviços essenciais, especialmente educação, ajudará o mundo a derrubar a “cortina de ouro” e romper a apartação. (BUARQUE, 2006, p.18)

O dado da desigualdade persistente acaba de uma vez por todas com o mito da visão de neutralidade da educação, própria da visão tecnocrática das políticas educacionais dos anos 90. A educação não é algo que ocorre num vazio social abstrato. Pelo contrário, o contexto cultural e social no qual ocorre é elementar. Um fator considerável nesse contexto refere-se à influência da globalização econômica mundial nos rumos da educação, fazendo com que os objetivos educacionais se voltassem exclusivamente para a competitividade e para o desenvolvimento

de uma força de trabalho competente. O ideal de educação e as sociedades almejadas se converteram na dos países do sudeste asiático e de suas fortes economias, sustentadas pela educação. As reformas educacionais não nascem de discussões e debates gerados no seio da sociedade, encontram-se distanciadas de toda a mobilidade social e são frutos de gabinetes e de políticas isoladas. A idéia de que a educação constitui um fator de eqüidade social não tem encontrado espaço para se concretizar, uma vez que a desigualdade e as condições materiais de vida da grande maioria dos alunos são precárias. Demo (2004) lembra que a educação é um direito humano fundamental e que por isso é preciso se livrar da idéia neoliberal que é possível vendê-la ou comprá-la como mercadoria.

Ao povo deveres, sem direitos. À minoria privilegiada só direitos, como dever. Para tanto, cultiva-se o analfabetismo, a desorganização da sociedade civil, o atrelamento dos sindicatos e partidos, o desmantelamento das identidades culturais, o centralismo administrativo. É pobreza política não reivindicar direitos, mas os pedir, os suplicar, os esperar passivamente. Demo define Pobreza Política como:

[...] A condição de massa de manobra do pobre, seja no sentido de que ele nem sequer consegue saber criticamente que é pobre, seja no de ver-se como objeto de cuidados da elite, dos governos e do Estado, seja no de não saber realizar efetivo controle democrático sobre mercado e Estado. No seu extremo, politicamente pobre é quem espera a emancipação dos outros, sobretudo dos que a impedem (DEMO, 2002c, 78).

A pobreza ainda representa um problema sério para a sociedade brasileira, não apenas no que se refere à ausência de recursos materiais, mas no que se refere, também à pobreza política, que é geralmente deixada de lado no momento de se pensar políticas públicas de enfrentamento da desigualdade social e da pobreza na maioria dos países pobres ou em desenvolvimento. Conforme destaca Demo (2001a, 2002c) a pobreza na sua versão material é a face mais visível e por isso é a forma geralmente tratada pelos estudiosos da área. Por outro lado, dificilmente se reconhece a pobreza política, porque não se vê com facilidade. O autor define como politicamente pobre não apenas um povo destituído de recursos materiais, de alimentos, mas um povo que aceita um Estado avassalador e prepotente, bem como uma economia selvagem. É pobreza política conviver com um Estado de impunidade, de exceção, de privilégio, em vez do Estado de direito.

Apesar das recentes políticas de acesso à educação, do Programa Bolsa Escola e outros programas sociais vinculados à educação, que têm procurado de modo focalizado resolver o problema da pobreza material, ainda é enorme o número de crianças que ingressam, mas que não conseguem aprender e permanecer na escola, dando continuidade aos interesses escusos do Estado neoliberal em manter a situação de pobreza política de grande parte da população, que precisa continuar agindo como massa de manobra. Sem ter acesso ao saber elaborado e ao conhecimento científico, fica mais difícil para essa parcela da população exigir seus direitos enquanto cidadãos e competir igualmente no mercado de trabalho com a outra parcela da

população, aquela que freqüentou as melhores escolas e que teve acesso ao conhecimento, aquela cuja escola lhes ensinou a aprender e a pensar e que, por isso, terão melhores condições de vida que os demais, que só foram à escola para reproduzir e seguir instruções, geralmente, de um professor ultrapassado e pouco comprometido com a mudança social.

Na visão de Bourdieu, o sistema escolar, acaba reproduzindo e legitimando, predominantemente, os privilégios sociais, limitando as possibilidades de reversão das desigualdades sociais por meio da escola. Ropé (2000), ao fazer uma análise das tendências do currículo escolar destaca que Bourdieu analisava a cultura escolar como um modo de inculcação de um conjunto de categorias de pensamento graças aos quais os indivíduos se comunicam entre si e, mantém a cultura de classe veiculada pela escola, fundada sobre a primazia de certos modos de pensamentos, de expressão e de comunicação específicos que mantém relações similares e de cumplicidade com as classes dominantes.

O sistema de ensino contribui amplamente para a unificação do mercado de bens simbólicos e para a imposição generalizada da legitimação da cultura dominante, não somente legitimando os bens que a classe dominante consome, mas também desvalorizando os bens que as classes dominadas transmitem [para não falar das tradições regionais] e tendendo, por esta via, a impedir a constituição de contralegitimidades culturais. (BOURDIEU, 1987, p. 142).

O autor estabelece uma correlação entre as desigualdades sociais e escolares e acredita que por mais que o acesso ao ensino por meio de uma escola pública e gratuita se democratize e se consolide, ainda continuará existindo forte correlação entre as desigualdades sociais, sobretudo culturais, e as desigualdades ou hierarquias internas ao sistema de ensino. Prova disso é que as posições mais elevadas dentro dos sistemas de ensino acabam sendo geralmente ocupadas por pessoas pertencentes a grupos sociais dominantes (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004). O que ocorre na verdade, é que a escola acaba valorizando um modo de relação com o saber e com a cultura que apenas os filhos das classes dominantes, dado seu processo de socialização familiar, conseguem ostentar. Para Bourdieu, “Toda ação pedagógica [AP] é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p. 20.).

Os alunos ou estudantes provenientes das famílias mais desprovidas culturalmente têm todas as chances de obter um diploma ao fim de uma longa escolaridade, entretanto, apesar de ser pago com grandes sacrifícios, muitas vezes acaba sendo desvalorizado (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1998). A concepção de escola de Bourdieu é considerada bastante pessimista no âmbito educacional por não considerar o caráter emancipatório que pode envolver a prática pedagógica, conforme defendem Gramsci, Paulo Freire e Pedro Demo e tantos outros autores que vêem na educação escolar uma possibilidade estratégica de mudança e de confronto. Por outro lado, não restam dúvidas de que suas reflexões contribuem para uma compreensão mais sistêmica e profunda das questões educacionais. Além disso, aponta pistas na direção de que