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CAPÍTULO IV – PROFESSOR PúBLICO: DESAFIOS E CONTRADIÇÕES EM

4.2 Professor: da concepção de aprender à aprendizagem emancipátória

Quando se fala de aprendizagem, é comum encontrar afirmações no sentido de que o professor precisa transmitir conhecimentos para que o aluno aprenda. Esse pensamento está relacionado com idéia de que o professor é o detentor do saber e que o aluno é aquele ser passivo que deve se render ao conhecimento do professor caso queria aprender algo. Por outro lado, o conceito de aprendizagem abordada no presente estudo parte do princípio que a aprendizagem é um processo humano, interno, recíproco e contínuo, onde professores e alunos interagem e fortalecem a aprendizagem própria e do outro ao mesmo tempo. Trata-se de um fenômeno reconstrutivo, político e completamente humano. Um processo ativo, estimulante que torna o aprender algo dinâmico, prazeroso e natural, que tem na figura do professor alguém responsável pela sua coordenação, uma vez que o professor tem, ou pelo menos, espera-se que tenha, formação mais aprofundada sobre o assunto e maior experiência, mas que ao mesmo tempo, é alguém que também está na busca permanente pelo conhecimento. Trate-se de um processo humano, que faz parte da sua natureza de estar sempre em condição de aprendizagem: aprendendo a ser; aprendendo a aprender; aprendendo a compreender; aprendendo a pensar; aprendendo a se organizar e aprendendo a mudar.

O que se percebe é que grande parte de nossas escolas ainda é dominada pela idéia de ensino que visam a “transmitir”, transferir conhecimentos, ou seja, treinar, instruir e domesticar alunos. Para Demo (2004a), a própria LDB traz em si a idéia de um ensino meramente formal, que não leva em consideração as habilidades do saber pensar e do aprender com autonomia. O grande problema nisso tudo é que o instrucionismo presente em nosso sistema educacional alimenta a condição de massa de manobra, uma vez que torna o aluno passivo, subalterno, reprodutivo. No lugar de fazer com que o aluno maneje conhecimento com autonomia, a escola faz com que o aluno contente-se em reproduzir mimeticamente, permanecendo como simples porta-voz ou marionete. A escola que deveria ser espaço de aprendizagem assume o lugar da reprodução e da inércia.

Se estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor reveladores da qualidade de nossa educação. (FREIRE, 2003, p. 37)

Para Paulo Freire (2003), a aprendizagem ocorre a partir de um processo dialético, dialógico e democrático onde ensinar e aprender vão se tornando conhecer e reconhecer.

Uma teoria da educação realmente dialética teria que incluir em seu quadro teórico os elementos da prática que possibilitasse a superação de um determinado ‘status quo’. Essa teoria deveria mostrar o caminho para uma ação emancipatória da educação no contexto estrutural analisado (FREITAG, 1986, p. 36).

O educando vai conhecendo o ainda não conhecido e o educador, re-conhecendo o antes sabido. Esse modo de não somente compreender o processo de ensinar e aprender mas de vivê-lo demanda uma disciplina que jamais poderá estar dicotomizada da disciplina política, fundamental para a invenção da cidadania. A cidadania é uma invenção, uma produção política, principalmente numa sociedade como a nossa, de tradições tão autoritárias e discriminatórias do ponto de vista do sexo, da raça e da classe. Assim, o exercício pleno da cidadania por quem é vítima de qualquer das discriminações ou todas a um só tempo não é algo de que gozarão como direito pacífico e reconhecido, mas sim, um direito a ser alcançado e cuja conquista faz crescer substancialmente a democracia. A cidadania não cai do céu, não chega por acaso, pois trata-se de uma construção jamais terminada, cuja consolidação demanda luta, engajamento, clareza política, coerência, decisão (id.ibid.). Essa educação só pode ser desenvolvida a partir da utilização de práticas pedagógicas que possibilitem ao aluno participar ativamente de sua aprendizagem, estimulando-o a agir e a pensar criticamente.

Quanto mais respeitamos os alunos e alunas independentemente de sua cor, sexo, classe social, quanto mais testemunho dermos de respeito em nossa vida diária, na escola, em nossas relações com os colegas, com zeladores, cozinheiras, vigias, pais e mães de alunos, quanto mais diminuirmos a distância entre o que dizemos e o que fazemos, tanto mais estaremos contribuindo para o fortalecimento de experiências democráticas. Estaremos desafiando-nos a nós próprios a mais lutar em favor da cidadania e de sua ampliação. (FREIRE, 2003, p. 119-120).

Uma vez que se pretende estudar a influência da baixa qualidade da educação na escola pública de Ensino Fundamental ante o processo de consolidação da cidadania, necessário se faz, compreender melhor a questão da aprendizagem, termo tão complexo e que alcançou lugar comum na sociedade contemporânea, que faz parte dos discursos de pessoas comuns, estudiosos, professores e políticos e define a qualidade da educação que a escola oferece. Conforme destaca Demo (2002b), ao se falar de aprendizagem, é preciso ter em mente que conhecer e aprender não são sinônimos, pois enquanto o primeiro orienta-se sobretudo pela qualidade formal; o segundo destaca a qualidade política. O fenômeno da aprendizagem tem caráter reconstrutivo e político. É fenômeno reconstrutivo porque traz em si sempre algum nível de inovação, pesquisa, elaboração, implicando ademais sua tessitura questionadora e crítica. Aquele que não é capaz de inovar, de elaborar e de questionar é porque não aprendeu. Nessa perspectiva, não se aprende apenas reproduzindo o que a realidade ou a sociedade nos impõe, porque não emerge o sujeito, condição elementar para a aprendizagem adequada. A aprendizagem é também fenômeno político porque é capaz de forjar um sujeito capaz de história própria, saindo da condição de massa de manobra, de objeto premido de fora, para assumir a condição de sujeito capaz de conduzir seu destino.

O fenômeno político da aprendizagem é algo biologicamente fundado, tanto no aspecto negativo do perigo constante de reduzir a aprendizagem a processos de domesticação, como no sentido positivo da capacidade emancipatória de reagir. A politicidade da aprendizagem significa relação forte de poder entre professor e aluno, tipicamente formativa, sempre arriscada

e desafiadora, que paira o desafio emancipatório do aluno e o risco da imbecilização. O desafio do professor diante da aprendizagem é possibilitar que o aluno aprenda a pensar com autonomia, sem perder de vista a solidariedade humana. A aprendizagem é fenômeno reconstrutivo e político porque não somente interpreta como interfere na realidade interna e externa (id. ibid.).

O desafio maior da escola é fazer com o aluno aprenda, aprenda a ler e a escrever, a interpretar a realidade, mas, sobretudo, aprenda a ser cidadão. Um cidadão global emancipado, que sabe de sua responsabilidade social e ao mesmo tempo, tem consciência de seu poder de transformação e enfrentamento das injustiças sociais. Pike; Selby (1988) ao defender a necessidade da aprendizagem global, defendem que a prática educativa global precisa ajudar as crianças a compreender a dimensão espacial e temporal, de que fazem parte de um todo e que uma ação positiva ou negativa, aqui e hoje, pode afetar outros locais, hoje ou amanhã. Precisa discutir os problemas sociais e as decisões que afetam a vida das pessoas e das comunidades. Precisa preparar as pessoas para situações de crise, ajudando-as a solucionar conflitos internos e externos de modo saudável e inteligente. Mas precisa também, possibilitar que as pessoas acreditem nelas mesmas, acreditem no ser humano e no seu poder de mudar as injustiças e de lutar por uma sociedade mais humana e mais democrática.

Para dar conta desse desafio, a aprendizagem precisa ter caráter global e emancipatório, sendo fruto de uma educação que vise a provocar no aluno o interesse pelo conhecimento, o gosto pelo aprender, pelo pensar, pela natureza e pelo fortalecimento das relações democráticas. Essa aprendizagem não pode jamais ser fruto de uma prática pedagógica instucionista porque nasce de dentro para fora e não de fora para dentro, como pontuam Maturana e Varela, 1994 (apud DEMO, 2002), que com base em estudos biológicos, afirmam que “aprender é dinâmica de dentro para fora, característica própria de todo ser vivo. Entendida como “autopoiese”, essa habilidade constitui a dinâmica de autoformação, na condição do sujeito da aprendizagem ou do ponto de vista do observador. A propriedade hermenêutica do cérebro humano deixa clara essa habilidade, uma vez que ao invés de refletirmos a realidade como espelho, a interpretamos e a reconstruimos a cada instante, num processo de dentro para fora.

Uma vez que os seres vivos são autônomos, uma prática pedagógica baseada na imposição de conhecimentos de fora para dentro não possibilitará a aprendizagem porque estará na contramão do processo do conhecer, natural do ser vivo enquanto autoprodutor de conhecimento. “O que caracteriza o ser vivo é sua organização autopoiética. Seres vivos diferentes se distinguem porque têm estruturas distintas, mas são iguais em organização (MATURANA; VARELA, 2001, p. 55). Dentro da concepção autopoiética da aprendizagem, o aprender é algo inerente ao ser vivo e, portanto, não existe informação transmitida na comunicação. Os sistemas vivos representam sistemas estruturalmente determindados e, logo, não admitem interações instrutivas.

Quando estamos na dinâmica social, estamos na aceitação do outro. No momento em que alguém se coloca na exigência, no fanatismo, rompe a dinâmica social porque nega o outro através da exigência, da pretensão de ter acesso privilegiado a uma

realidade em si [...) Eu diria que o que se tem que enfatizar é algo que os educadores sabem: que a aprendizagem tem a ver com o modo de vida. A palavra aprendizagem vem de apreender, que quer dizer, pegar, ou captar algo. No entanto, de acordo com o que eu lhes disse, a aprendizagem não é captação de nada: é o transformar-se em um meio particular de interações recorrentes. (MATURANA, 2001, p.127).

O mundo em que vivemos é construído por nós mesmos durante nossas vidas. Entretanto, ao mesmo tempo em que construímos o mundo, ele também nos constrói, o que se transforma em uma viagem comum (MATURANA; VARELA, 2001). Desse modo, se vivemos e nos comportamos de um modo que torna insatisfatória a nossa qualidade de vida, a responsabilidade cabe a nós. Essa concepção representa um convite ativo a participar nessa construção, uma vez que fica claro que construímos o mundo de modo incessante e interativo, além de ser um convite também à assunção das responsabilidades inerentes a esse processo. Mariotti, no prefácio da obra: “A árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana”, ao falar das idéias de Maturana e Varela, destaca que:

Se a vida é um processo de conhecimento, os seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo. Essa posição, como já vimos, é estranha a quase tudo o que nos chega por meio da educação formal. (MATURANA; VARELA, 2001, p.12)

Para Hélène Trocmé-Fabre, 1997 (apud ASSMANN, 1998, p. 15), o termo ‘aprendizagem’ deve ceder lugar ao termo ‘aprendência’, que traduz melhor, pela sua própria forma, este estado de estar-em-processo-de-aprender, esta função do ato de aprender que constrói e se constrói, e seu estatuto de ato existencial que caracteriza efetivamente o ato de aprender, indissociável da dinâmica do ser vivo. Assmannn (ibid.) considera que ainda ignoramos muita coisa sobre o que é aprender.

Uma vez que a aprendizagem é um fenômeno reconstrutivo político do saber pensar, de estilo autopoiético em contraposição ao instrucionismo, fica evidente que a aula reprodutiva, baseada na reprodução e na mera transmissão de conhecimentos não permite o desenvolvimento da aprendizagem, comprometendo tanto a qualidade formal quanto e, principalmente, as qualidades política, humana, global e emancipatória. A aprendizagem é algo que nasce de dentro do indivíduo, que não pode ser imposta. A educação bancária, no dizer de Paulo Freire (2005, 2000, 1988, 2006a, 2006b), é uma educação que ao pretender o indivíduo como vazio e como objeto da aprendizagem não consegue alcançar a finalidade de fazer efetivamente com que o aluno aprenda, emancipe-se.

A educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante [...] Quanto mais vai ‘enchendo os recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente ‘encher’, tanto melhores educandos serão (FREIRE, 2005, p.69).

Quando se fala de qualidade da aprendizagem do aluno, entende-se que o aluno deve aprender a aprender a ser, a aprender, a compreender, a pensar, a se organizar e a mudar. Para

Demo (1999), a situação caótica apontada pelos dados nacionais e internacionais sobre a aprendizagem no Brasil é resultado de um currículo instrucionista, que prioriza a reprodução de conhecimento, a repetição, a aula enquanto lugar de “decoreba”, reprodutiva. Se defendemos que a conquista da cidadania pelas classes menos privilegiadas mantém relações estreitas com a educação, defendemos também que este processo educacional precisa ser efetivamente capaz de promover a aprendizagem do aluno.

Enquanto espaço da aprendizagem, a escola precisa também manter-se em condição permanente de aprendizagem, assim como todos os profissionais que nela atuam. Como formar um cidadão global emancipado se a escola não discute os problemas da humanidade? Se a prática educativa desenvolvida é alienada e descomprometida com o enfrentamento das injustiças do mundo e com a construção de um mundo melhor para todos? Se a escola é um lugar sem vida, parada no tempo e fechada para as mudanças que estão ocorrendo ao seu redor?

A escola precisa de mudança frontal, radical, decisiva, em primeiro lugar para corresponder ao que prega. Lidando com aprendizagem e conhecimento, e sendo tais dinâmicas tipicamente disruptivas e inovadoras, é absurdo sem nome que a escola não saiba e não queira mudar. Ocorre aqui grande contradição: parte dos professores não sabe lidar com aprendizagem e conhecimento, porque foram (de) formados em entidades instrucionistas, e porque continuam, na vida escolar, a praticar instrucionismo obtuso, à medida que só dão aulas reprodutivas e não se recapacitam de maneira minimamente adequada. (DEMO, 2004a, p.30)

Na mesma linha de pensamento da aprendizagem enquanto processo ativo e dinâmico, Gramsci (1988, p. 138) destaca que “o discente não é um disco de vitrola, não é um recipiente passivamente mecânico”. Para o autor, a crise da escola está relacionada ao fato dela ter se separado da vida. A reorganização da escola demandaria sua reaproximação com as coisas da vida real, onde o aluno precisa ocupa lugar ativo na produção do conhecimento, superando a mera passividade. Gramsci propõe a criação de escola pública, unitária, capaz de envolver todas as gerações, sem divisões de classe sociais. Na visão do autor, não é possível existir uma escola para os governantes e outra para os governados, todos os alunos deveriam ter condições formais e políticas para governar. Toda escola deveria “conduzir o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige.” (GRAMSCI, 1988, p. 136).

A aprendizagem só existe diante do respeito à presença crítica e criativa do sujeito, caso contrário ocorre apenas manipulação da consciência do outro. A concepção de aprendizagem adotada neste estudo entende que a educação capaz de promover a cidadania global emancipada, vai muito além de seus aspectos técnicos e formais, sobretudo de seus procedimentos instrucionais, porque enquanto os educandos se limitarem a seguir ordens, não se farão sujeitos capazes de história própria. Paulo Freire (apud BECKER, 2003, p. 60) destaca que “no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas”. O autor destaca a

compreensão de educação enquanto um fazer político, que transcende a sala de aula e projeta- se para os grandes problemas vividos pela humanidade, sobretudo os problemas gerados pelas diferentes formas de opressão. Neste processo, a educação bancária, passiva, cede espaço para a educação problematizadora, que reconhece a inclonclusão dos seres humanos.

A inconclusão dos seres humanos é caracterizada pela constante procura de alternativas, maneiras de inserção autônoma e digna no mundo. Para Freire (2005, 2006b), a inconclusão nos insere no movimento permanente de aprendizagem sempre inacabada e por isso, permanentemente reconstruída. E é esse movimento que alicerça o conhecimento. Desse modo, a nossa capacidade de aprender é caracterizada pela perene necessidade de transformar a realidade, para nela intervir, recriando–a, não apenas nos adaptando a ela. Isso porque os seres humanos são os únicos seres que, social e historicamente se tornaram capazes de apreender e intervir na realidade. Assim, somos capazes muito mais que reproduzir. Somos infinitamente capazes de construir, reconstruir, examinar para mudar.

Essa condição, onde atualmente se insere uma grande parcela da população traz à tona a importância da educação e do conhecimento, apontando para a necessidade da cidadania emancipatória, mais do que aquela apenas assistida e facilmente acomodada. Desse modo, a educação aqui sinaliza, sobretudo o lado político da cidadania, enquanto o conhecimento aponta para a qualidade formal e técnica. Ressalta-se que não é fácil combinar os dois termos, mas parece cada vez mais claro que as oportunidades de desenvolvimento dependem da qualidade educativa e do manejo crítico e criativo do conhecimento (DEMO, 2000a). A aprendizagem reconstrutiva nos torna capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela. Mas para tal é imprescindível o exercício de saber pensar. Uma vez que saber pensar é sobretudo saber intervir. Quem sabe pensar não faz por fazer. Sabe porque e como faz (2001b). Da mesma forma que é imprescindível pensar certo, o que envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer (FREIRE, 1998).

Somos seres mais capazes do que dependentes de condições, somos construção e reconstrução constante. Percebemos e deciframos a realidade não para nos a adaptar a ela, mas para transformá-la. Homens e mulheres caracterizam-se pela constante procura de alternativas, maneiras de inserção autônoma e digna no mundo (FREIRE, 1998, 2000, 2005, 2006b). E por isso devemos sempre estar em busca da cidadania emancipatória, e educação de caráter político é fundamental nesse processo. Ao destacar o caráter político da educação e da aprendizagem, Freire nos lembra que os homens são seres políticos. Assim, ao falar de aprendizagem cidadã e emancipatória é preciso levar em consideração também a dimensão humana complexa que está envolvida nessa relação entre educação, aprendizagem e politicidade.

Para se chegar à consciência do ser social é preciso reconhecer primeiro a historicidade dos seres, ou seja, seres que construindo o mundo, são por ele construídos e vice-versa. A biologia traz uma contribuição neste sentido com a discussão sobre a autopoiese, que implica a capacidade humana de se fazer história e com isso atuar no mundo autonomamente. Paulo

Freire não usa o conceito de autopoiese, mas explicita como fundamental para o saber pensar com qualidade (para o autor, pensar certo) o assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar (FREIRE, 1998; 2005, 2006b).

A sociedade humana é em si um “sistema” autopoético porque se auto-produz constantemente a partir de seus próprios “cordões”, ou componentes – os seres humanos – que são, por sua vez, autopoiéticos em si, pois também se auto-produzem. É possível aí identificar a dialética humana no seu aspecto de unidades de contrários, onde todas as categorias se juntam e formam um todo, mas não um todo estático e sim um todo móvel, em constante transformação. Entretanto, as transformações não dependem apenas de circunstâncias dadas, mas da ação humana. Esta pode se dar pelo simples saber pensar como qualidade humana, ou pelo saber pensar com qualidade. Além disso, é preciso reconhecer que a aprendizagem dos alunos é diretamente proporcional à capacidade de aprender do professor, portanto, para resgatar os sistemas educacionais latino-americanos, a premissa mais sensível é o professor, pois enquanto o professor for vítima da exclusão, não será a figura capaz de trabalhar a inclusão popular (DEMO, 1999). O professor precisa cuidar da aprendizagem do aluno, mas para tanto, precisa saber aprender também, compreender a complexidade da aprendizagem humana.

Após nos debruçarmos sobre as categorias teóricas que fundamentam o presente estudo, no próximo capítulo poderemos compreender melhor como o estudo foi desenvolvido ao longo desses quatro anos de pesquisa e a metodologia de pesquisa e de análise de dados adotada.