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CAPÍTULO 2 A COMPOSIÇÃO DE UM SISTEMA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

2.2 Sobre o físico, a cultura física e a educação física: os saberes e as práticas da

2.2.1 Para que Educação Física?

Diferentes eram os benefícios quando da prática dos exercícios físicos. Dos mais evidentes relacionados à constituição do corpo, destacam-se as habilidades físicas, o desenvolvimento muscular, a correção de distorções ortopédicas, e a prevenção de doenças. Intencionalidades essas reunidas para buscar saúde, em qualquer idade que se tivesse, como exposto no texto intitulado A educação fisica na A.C.M.: “Em aulas distintas e successivas vão crianças buscar robustez, adultos procurar destreza e corrigir defeitos; doentes procurar saude; homens velhos vão enfrentar as ameaças do reumatismo, conservar a elasticidade dos tecidos, entreter a flexibilidade das articulações”129.

Logo no início dos trabalhos, a robustez foi uma característica atribuída aos alunos do Departamento. O noticiarista d’O Imparcial, ao descrever a festa ginástica em 1913, dizia que os exercícios demonstrados “provocaram ensejo para que se observassem a musculatura desenvolvida dos alumnos da Associação Christã de Moços”130. Não só em função de uma presumível saúde, mas os músculos em evidência produziam efeitos sobre outros aspectos da vida. Pareciam também ser um atrativo diante do público feminino, como indica um fragmento do já citado texto publicado em O jornal, em 1919. “Eva, transfigurada, trocava promessas de felicidade com um sócio da Associação Christã de Moços, de compleição robusta”131. O desenvolvimento dos músculos serviria também à masculinidade. Jean-Jacques Courtine (1995), ao estudar a cultura americana do corpo, argumenta que “na virada do século, o ideal corporal masculino vai reclamar uma massa muscular aumentada. (...). Nessa valorização moral e estética do volume muscular, o homem americano lia uma tradução literal da superioridade do sexo viril, e eventualmente da raça branca” (p. 97, grifo do autor). O doutor Jorge J. Fisher, em texto intitulado La nueva Educación Física132, publicado em documento da Federação Sul-

129 Mocidade, junho de 1918, n. 292, p. 6. 130 Mocidade, setembro de 1913, n. 235, p. 13.

131 O jornal, Rio de Janeiro, Ano 1, n. 72, 27 de agosto de 1919, p. 2. 132 O texto é uma tradução de um artigo publicado em Association Men.

Americana das ACM’s, em 1921, demarca ainda outro elemento constitutivo da relação entre os músculos e a masculinidade: “Cristo fuerte, robusto, masculino, es el Cristo que hoy apela con éxito a los hombres, y la educación física es parte de Su programa, porque tiende a engrandecer la vida”133. Talvez se refira a tal entendimento o que os acemistas vão chamar de “virilidade cristã”.

Robustez física, robustez moral. A Educação Física “é preciso que se diga, raia muito de perto com a educação moral”134. A afirmação feita no texto intitulado O Dep. Physico da A.C.M. reforça a hipótese de incorporação de bons hábitos por parte dos seus frequentadores. Como dimensão que passaria menos pelo intelectual e mais pelo sensível, a moralidade poderia ser mais facilmente agregada às ações quando passasse pela corporeidade. As palavras de Gulick, expostas em um dos números do periódico acemista, revelam tal entendimento.

Póde a Associação Christã de Moços fazer com que o caracter sobrepuje a victoria? Si o póde, encontrará no desporto esplendido auxiliar para a formação do caracter. Si não o póde, encontrará no desporto os meios efficientes para a introducção daquelles elementos que levam ao aviltamento do caracter135.

Na publicação seguinte da Mocidade, a expressão e o reconhecimento de que a ACM tinha por orientação a argumentação de Gulick. Por ocasião do 3º campeonato de basquete, promovido pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres no Rio, em 1921, enfrentaram-se o Fluminense Futebol Clube e a ACM, que perdeu a partida e consagrou o primeiro time como campeão do torneio. Para noticiar o resultado do jogo, mais uma vez a estratégia de levar para as páginas do periódico acemista as notas de outros impressos:

Descrevendo com pericia o alludido jogo, externou o chronista desportivo de O Paiz as suas impressões da seguinte maneira: <<O quadro da Associação, se

bem que dominado, não esmoreceu um só instante e só por uma infelicidade nos seus arremessos finaes, não teve coroados os seus esforços. Assim mesmo vencido, o valente quadro da Associação soube se conduzir de fórma perfeitamente desportiva, perdendo com honra. O seu procedimento foi o attestado flagrante de que os moços, que recebem alli a verdadeira educação desportiva, fazem sport pelo sport e para o sport. Registramos este facto, porque hoje em dia elle é tão raro, que se torna necessario o seu registro>>.

Pelo mesmo diapasão se afinaram as linhas do popular vespertino A Noite:

<<E’ sempre com prazer que se assiste a um encontro desportivo na sede da

A.C.M., pela ordem e disciplina irreprehensiveis que alli imperam. Ainda ante-hontem, gentilmente convidados pela Directoria da pujante sociedade,

133 YMCA. Reglamentos Oficiales de juegos atléticos. New York: American Sports Publishing Co. 1921, p. 11. 134 Mocidade, junho de 1918, n. 292, p. 7.

não nos furtamos ao prazer de nosso comparecimento e termos a satisfação de, mais uma vez, constar o que acima ficou dito. Embora derrotados, os seus dois teams de basket ball pelos do Fluminense Foot Ball Club, o meeting foi de primeira ordem, pois que a cordialidade e o amor sportivo se patentearam em toda a linha. E o saber perder é tão difficil!>>136.

Os impressos parceiros mobilizados na Mocidade repercutiam valores considerados centrais quando da prática dos jogos promovida pela ACM. Uma educação esportiva permeada por honradez, cordialidade, disciplina e amadorismo. Para os significados desse último termo, a exposição de motivos que levaram a ACM a dar “um passo corajoso” quando deliberou “o funccionamento da sala de gymnastica no domingo e a representação da A.C.M. em eventos athleticos nesse dia”. A iniciativa, que visava “achar o meio de fazer com que o dia contribua para o bem estar do homem em todo o terreno e não para sua perdição”, destacava o amadorismo como uma característica para a prática dos exercícios físicos, especialmente, dos jogos realizados nos “eventos athleticos” 137. Para expor os sentidos desse modo de interação com os jogos, foi apresentada a tradução de um texto inicialmente publicado em Association Men, em dezembro de 1921:

AMADORISMO

<<Um amador é aquelle que se entrega ao sport sómente por prazer e para o

fim de gosar dos beneficios physicos, mentaes e sociaes que provêm delle e para quem o de (sic) sport não é mais de que uma distracção.

O espirito do amadorismo traz com elle tudo que está incluido na definição de um amador e muito mais. Representa a alta concepção de honra, honstidade (sic), jogo licito, cortezia e vida moderada, da parte dos participantes, hospedes ou convivas, officiaes ou espectadores. Não se curva para pequenas technicalidades para voltar ou evitar as regras ou ganhar uma vantagem desleal dos adversarios. Significa o reconhecimento da grande influencia do athletismo no desenvolvimento do vigor organico, aptidão physica, efficiencia intellectual, qualidades moraes e habitos sociaes. Procura augmentar o valor desta qualidade, engrandecendo os padrões de todos os desportos. E’ em opposição a toda pratica que seja nociva para o individuo ou o athletismo amador em geral, como jogar por dinheiro, ou ganho de qualquer especie, apostar, vender premios, fazer proselyto e especializar em jogadores espectaculares para a conclusão da maioria dos jogadores. Reconhece a necessidade de uma organisação sabia, fiscalização de athletas e cooperação para fazer estes eficientes.>>138.

São sentidos culturais para a prática esportiva que se aproximam da análise procedida por Baía (2012) ao investigar o projeto formador da ACM: “os jogos diziam de hábitos,

136 Mocidade, outubro de 1921, n. 332, p. 15 (grifos do autor). 137 Mocidade, janeiro de 1922, n. 335, p. 10.

comportamentos e valores que, orientados pela indissociabilidade moral-religiosa, eram também elementos formativos” (p. 32). O autor assevera ter acontecido um investimento acemista para o ajustamento do associado a uma “forma protestante de viver” e, a partir do diálogo com Max Weber, estabelece contornos para essa denominação. Os sujeitos deveriam estar permanentemente orientados pela necessidade de alcançar a graça divina “através de seu trabalho, de sua atividade constante, criando, assim, a necessidade do protestante puritano trabalhar constantemente a serviço de Deus e assegurando, de forma subjetiva, a salvação da alma” (op. cit., p. 41). Como aspecto do conjunto argumentativo estabelecido pelo autor, a conduta moral do associado seria conformada por esse ethos protestante. Nas ações cotidianas, e também naquelas menos corriqueiras, promovidas ou aderidas pela ACM, a formação física vai ganhando suas feições, demarcando valores e modos de interação com práticas sociais.

Exercício físico no domingo? Inicialmente adotada com reservas pela ACM, a iniciativa provocou estranheza, porque parecia controversa, mas, logo os diretores acemistas apresentaram a razão de tal ação dizendo que “o espirito que prevaleceu entre elles não foi um espirito de descuido e sim de um profundo desejo de achar uma solução christã do problema que se apresenta ao moço, presa das exigencias da nossa vida extenuante”139. Para a exercitação física fora dos dias úteis, moral e trabalho constituíam-se como aspectos representativos daquela “forma protestante de viver”. Essa argumentação é desenvolvida por Courtine (1995) ao discutir a cultura física como elemento integrante da sociedade dos Estados Unidos no final do século XIX.

A antiga desconfiança puritana a respeito das distrações assim como as condenações religiosas da ociosidade encontram na prática cotidiana e generalizada de exercícios físicos, a possibilidade de enquadrar o tempo individual num modelo de atividade contínua: o exercício físico passa a ser um lazer às margens do tempo de trabalho e um trabalho instalado no coração do tempo de lazer. Ninguém ficaria mais sem fazer nada. Lutar contra o tempo morto, a vacuidade, a desocupação: esses prolongamentos da ética puritana da “tarefa” marcaram profundamente o desenvolvimento de uma civilização americana do lazer, tendendo a nela confundir o dever e o prazer, o útil e o agradável (p. 94, grifos do autor).

Para a Associação, “a Moral é constructora do caracter”140. Para essa construção, a ACM fazia também uso de sua revista, publicando ali noções que deveriam ser seguidas para a conquista da saúde corporal, moral e social. No texto intitulado A Ginástica, prescrições para a

139 Mocidade, janeiro de 1922, n. 335, p. 10. 140 Mocidade, junho de 1918, n. 292, p. 6.

moralização dos costumes que colocavam em evidência a produção de proposições para os corpos e seus usos.

Os vicios sexuaes quer sejam solitarios, quer sejam os da vida desordenada, são outros tristes factores que destróem não só o vigor fisico como o intelectual.

A vida genital não deve ser começada em tenra edade; o homem pode esperar sem perigo a epoca do matrimonio para exercer suas funções, chegando ao talamo nupcial nas mesmas condições de pureza que exige da esposa141. Junto à moral, o bem social e corporal que decorreria do bom costume: “Só assim se conseguem filhos sãos, e se obtem a verdadeira felicidade conjugal. Eis um poderoso meio de evitar no lar o triste flagelo da sifilis hereditaria”142.

Considerando a existência mundial da ACM, no processo de incorporação mais decisiva da formação física, diferentes propósitos foram reunidos aos objetivos iniciais do Departamento Físico, o que comportou um movimento de reacomodações. Henry Sims, em texto intitulado Qual é o campo de educação physica da A.C.M. e como é determinado, apresenta o alargamento dos fins do Departamento à medida que seus líderes tiveram maior entendimento da influência da Educação Física sobre a vida e o caráter dos homens.

Revela o estudo de sua historia cinco distinctos estagios progredindo até á importante posição actual na politica da Associação.

Primeiro: - Comprehendiam-na simplesmente como attractivo em opposição ao crescente numero de divertimentos duvidosos nas grandes cidades, e como meio de pôr os homens debaixo da influencia religiosa da Associação. Segundo: - Reconheceu-se que a saude era factor primario no moral, tanto quanto no exito dos negocios. Logo que a população nas grandes cidades se tornou mais e mais congestionada e, correlativamente, decresceram as opportunidades de exercicio e recreação saudaveis, os resultados se fizeram sentir na diminuição da vitalidade e no crescimento da corrupção na vida dos moços.

Terceiro: - Redundaram tambem numa perda consideravel da efficiencia do systema neuro-muscular a urbanisação e a especialisação da industria e reconheceu-se a necessidade de exercicios e jogos organizados para enfrentar esta situação.

Quarto: - Em seguida, reconheceu a Associação que o exercicio não era o unico factor na manutenção da saude, mas que a cada phase da vida physica se deve prestar a devida attenção, uma vez que se queiram obter os melhores resultados. Por este motivo, ella adoptou o seu programma de <<Educação da

Saude>>, que visa instruir os homens ácerca de todos os assumptos pertinentes

ao bem viver.

Quinto: - Com o progresso da biologia, o enorme lugar que as recreacções e jogos occupavam no desenvolvimento do caracter deu á Associação a

141 Mocidade, maio de 1917, n. 279, p. 5. 142 Mocidade, maio de 1917, n. 279, p. 5-6.

perspectiva do seu talvez mais amplo campo de serviço, o de usar suas actividades recreativas como meio de determinar e dirigir as caracteristicas da raça, as quaes são fundamentaes á virilidade Christã na pujança do seu desenvolvimento143.

Tal publicação consta como uma tradução e adaptação feita por Sims a partir do livro Educação Physica. O diretor não explicita o ano de publicação da obra, nem as demarcações temporais dos estágios estabelecidos. Na investigação foi realizado o exercício de encontrar nas fontes vestígios, ora sobre a YMCA, ora sobre a realidade do Rio de Janeiro, que se aproximavam dos significados estabelecidos no texto de Sims para cada fase do Departamento. Longe da intenção de descolar as ideias de seu tempo, a operação de relacionar os estágios com iniciativas promovidas pela ACM vinculou-se mais à sua compreensão como uma dinâmica cultural. Esse modo de operar permitiu perceber que os fins do Departamento Físico não obedeceram a um sentido evolutivo do tempo e fragmentário do estabelecimento de fases, porque a documentação revela finalidades imbricadas e ênfases que não necessariamente adotam a ordem dos estágios.

O primeiro momento destacado por Sims remete ao conflito já antes mencionado entre parte da igreja na Inglaterra e a YMCA, quando de sua segunda década de existência naquele país. Em contrapartida à contestação dos divertimentos e dos jogos de competição, a YMCA decidiu por promover a “diversão inofensiva” e “a aplicação da ética cristã para o espírito esportivo”. Os exercícios físicos eram uma oportunidade para vivenciar valores cristãos.

No estágio dois, a saúde é vinculada à moral e ao sucesso nos negócios. A “degeneração” na vida dos moços certamente era marcada por diferentes feições. Passada mais de uma década da inauguração do Departamento Físico da ACM carioca, aspectos relacionados ao combate à “corrupção” dos jovens ainda constituíam princípios para a organização de proposições para tal público. Em Educação physica dos adolescentes, a expressão da preocupação com instintos sexuais que poderiam engrandecer ou degradar os moços, por isso seria “necessario incluir no programma a instrucção respectiva para incutir-lhes os ideaes de força, de cavalheirismo” buscando, se possível, parcerias com outras autoridades no assunto. Ainda constituía preocupação da Associação “o uso do alcool e do fumo, affectando seriamente o physico e o intellecto dos rapazes”. Aqui, a colaboração ficaria a cargo dos pais, uma vez que, deveriam exercer a “importancia moral do exemplo”144. No tocante aos negócios, a relação estreita entre a dimensão física dos sujeitos com o mundo do trabalho é percebida no texto de

143 Mocidade, setembro de 1921, n. 331, p. 6-7. 144 Mocidade, fevereiro de 1925, n. 372, p. 6

Roméro, aquele que teve um fragmento exposto na epígrafe deste capítulo. “Geralmente se proclama que todos os que fazem ginastica alcançam nos seus trabalhos mais belos resultados do que o homem inactivo”145, destacava o doutor.

O segundo e terceiro estágios evidenciam mudanças nos costumes em função da urbanização das cidades. Nesse processo de remodelação, reacomodações nas formas de relacionamento, de trabalho, de diversão. Para dizer do Rio, Sevcenko (1998, p. 554) afirmava: “Uma vez mais é preciso pensar como a urbanização acelerada pôs em contato gentes estranhas entre si, vindas de diferentes partes do país ou de diferentes regiões do mundo”. Nessa ambiência “congestionada” o autor destaca “uma escalada alarmante das práticas do jogo, com destaque para essa grande contribuição carioca ao repertório lúdico da humanidade que é o jogo do bicho” (p. 554). Estaria aí uma das práticas de “corrupção na vida dos moços”... Exercícios, jogos, recreação, desde que “saudáveis”, reiterava a ACM.

Especificamente sobre o terceiro momento, destaque-se uma noção fundamental no contexto de intensificação dos ritmos da cidade: a eficiência. A situação ali denunciada e que merecia ser enfrentada sugere um estreitamento das conexões entre corpo e máquina que indicam preceitos de uma formação física orientada para um melhor resultado. Um ajustamento no sistema neuromuscular que aprimorasse a recepção de um estímulo e a resposta muscular. Aperfeiçoamento do rendimento, destacando-se sua necessidade para o mundo do trabalho: “A efficiencia do individuo depende da manutençáo da saude. O valor de um homem para a sociedade é determinado pela quantidade de trabalho mental ou physico, que é capaz de produzir”146. Parece residir nessa compreensão a terceira finalidade da organização dos exercícios físicos pela Associação Cristã de Moços.

Para o quarto momento, a ampliação dos cuidados com a saúde. Não só exercícios físicos comporiam as ações do Departamento Físico para a manutenção de uma vida saudável. Outros elementos são incorporados às iniciativas acemistas no sentido de cuidar do bem-estar dos associados. Expressão desse entendimento é o artigo intitulado O minimo que todo o homem deve saber quanto á sua saude editado por Sims, “escripto por um medico de renome nos Estados Unidos, chefe do Departamento Physico da Commissão Internacional das A.C.M., Dr. George J. Fisher147”. No texto, uma série de prescrições em relação aos exercícios físicos, mas ainda sobre a respiração, a dieta, o dormir, o asseio, a dor e o incômodo, os primeiros socorros,

145 Mocidade, maio de 1917, n. 279, p. 7 (grifos do autor). 146 Mocidade, outubro de 1921, n. 332, p. 12 (grifos do autor).

147 É possível inferir que o médico nomeado como George J. Fisher seja o mesmo que publicou o texto La nueva

o contágio, o casamento. Ao final de tantos preceitos, um encerramento astuto: “não vos irriteis a toa, e sereis alegres e felizes”148!

No quinto estágio, a presença dos conhecimentos biológicos e o reconhecimento dos jogos como meio de desenvolvimento do caráter são considerados fundamentais para o trabalho na ACM. Biologia e recreação para servir à constituição da raça. Para essa discussão, trago as contribuições de Ana Carolina Vimieiro Gomes e Meily Linhales (2010) a respeito da legitimação de saberes e práticas sobre a saúde e as condições necessárias à vida em uma sociedade moderna, a dos Estados Unidos. A partir do filme Novo mundo149, as autoras abordam políticas seletivas de imigração daquele país estrangeiro referenciadas em padrões higiênicos e eugênicos vinculados a princípios étnicos, políticos e morais do país. “Cabe chamar a atenção para o fato de que, em princípios do século XX, vigorava, nos Estados Unidos, um movimento eugênico, de cunho racista, que se estruturava na matriz de pensamento mendeliana, ou seja, da genética que atualmente conhecemos” (p.159). O entendimento consistia em conceber cada raça com uma identidade biológica fixa, que orientaria as características físicas, as condições de vida, as doenças. O doutor Fisher demonstrava sintonia com o ritual de controle social e a expressava nos contornos que estabelecia para La nueva educación física:

La educación física nueva debe producir en el hombre típico las siguientes características: de talle más bien delgado que grueso, gracioso, de musculatura flexible, con ojos claros, piel sana, ágil, despierto, derecho, dócil, entusiasta, alegre, potente, imaginativo, con imperio sobre si mismo, sincero, honesto, limpio de acto y de pensamiento, con el sentido de honor y la justicia, complacido con el compañerismo de sus semejantes, y llevando el amor de Dios en su corazón150.

Homem típico, olhos claros, pele sã e um bocado de valores, não seriam também as palavras de Fisher referenciadas em padrões higiênicos e eugênicos vinculados a princípios étnicos, políticos e morais dos Estados Unidos? Afinado também com o discurso de supremacia, G. Stanley Hall, aquele psicologista com quem a YMCA travou interlocução, acreditava no primado dos instintos e emoções “primitivas”. Ao explicar que o primitivismo não era uma condição permanente, demonstrava uma visão que ressaltava a superioridade da raça branca. “Os não-brancos na opinião de Hall podem languir para sempre em um estado de primitividade permanente. Mas o primitivismo para os meninos brancos era supostamente apenas uma fase pela qual eles tinham que passar”. Se eles obtivessem força e coragem necessárias em sua fase