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CAPÍTULO 1 DO MOVIMENTO PROTESTANTE ÀS ESPECIFICIDADES

1.2 Os (des)encontros com os católicos

A circulação e a apropriação do repertório cultural estadunidense no Brasil não se fez de forma tranquila, posto que durante o período colonial brasileiro o catolicismo constituía-se como um monopólio religioso no país. Ramalho (1976) destaca que a presença efetiva de grupos protestantes no Brasil acontece a partir do século XIX, favorecida por um contexto histórico de independência do país, expansão de ideias liberais, instalação do regime republicano, de fortalecimento dos Estados Unidos e de sua demonstração de interesses econômicos no Brasil.

Imbuídos da tarefa de promover a conversão espiritual dos brasileiros, que no seu cotidiano vivenciavam a religiosidade católica, e de estabelecer uma nova forma de viver, os missionários, especialmente, vindos dos Estados Unidos, instalaram-se no Brasil55. Não sem

problemas. “Muitas dificuldades tiveram que ser vencidas, desde o problema da língua, das doenças da região, até uma série de leis do Império, que eram restritivas aos adeptos de um outro culto que não o oficial [a religião católica]” (RAMALHO, 1976, p. 57). Durante a

Caetano de Campos, em São Paulo no ano de 1890. Foi por intermédio de missionários protestantes “que ela entrou em contato com os métodos pedagógicos praticados nos Estados Unidos, nos quais ela se especializou estudando em Nova York, na década de 1880, e que lhe valeu a denominação, tantas vezes repetida na historiografia da educação, de avis rara” (CHAMON, 2005, p. 18, grifos da autora).

54 Compunham o grupo Carneiro Leão, Delgado de Carvalho e Lourenço Filho.

55 “Congregacionais, presbiterianos, metodistas e batistas se instalaram no Brasil, vencendo aos poucos as

dificuldades impostas pela religião oficial. Classificados como protestantismo missionário, esses grupos eram originados, em sua quase totalidade, dos Estados Unidos, sendo fruto de um movimento de expansão missionária norte-americana ocorrido na primeira metade do século XIX” (CHAMON, 2005, p. 52).

República, entraves entre católicos e protestantes também se fizeram presentes. No tocante à ACM, sua presença no Rio de Janeiro gerava mal-estar para os adeptos do catolicismo no país. O embate entre tais grupos sociais muitas vezes esteve impresso nas páginas de periódicos e também em documentos institucionais da Associação.

A constatação do Brasil como um país essencialmente católico era uma preocupação para as iniciativas da ACM orientadas por outro caráter religioso. Nessa relação conflituosa, as fontes indicam duas medidas astuciosas da Associação para superar a predominância da igreja católica: a desqualificação das suas ações e a tentativa de operar com tal predomínio mais como invenção do que como realidade. Impressões colhidas no Rio de Janeiro por J. M. Clinton, em serviço para a YMCA, apontavam para um povo exposto a muitas provações de caráter ao passo que a religião mais popular no Brasil não conseguia ter êxito na formação moral dos seus seguidores. Assim dizia seu relatório sobre a visita que fez ao Rio: “As tentações a que estes jovens estão submetidos podem ser apenas imaginadas. Há uma ausência de consciência pública sobre impurezas e jogos de azar. A igreja do Brasil (católica) perdeu o controle sobre os jovens e, portanto, não exerce força moral em suas vidas56”. V. P. Bowe, também a serviço da YMCA,

apresenta outros argumentos para o predomínio de católicos no país:

A religião católica é a religião predominante. No que diz respeito aos homens, no entanto, cito um dos nossos apoiadores, um homem de negócios católico consciencioso da América do Norte que diz que não é cometido maior erro do que chamar o Brasil de um país católico romano. Nenhum homem em cada 10.000 diz que é um verdadeiro católico. Ele continuou a falar de quantos conhecidos de negócios chamavam-se católicos, mas no próximo suspiro diria algo que indicaria que não significava nada para eles, exceto uma conexão formal devido a laços familiares ou sociais. Sua estimativa foi, é claro, declarada. Há, de fato, poucos homens que são fiéis à Igreja Romana57. Bowe indica que não só a ACM organizou estratégias para lidar com o grupo católico, como este também estabeleceu iniciativas para lidar com a inserção e expansão das ideias e práticas protestantes no Rio de Janeiro. Nessa relação dinâmica, ambos produziam novos argumentos, pareciam estabelecer práticas de aproximação e distanciamento e buscavam formas de afirmação.

Como resultado da introdução da Y.M.C.A. a Igreja Católica estabeleceu dois centros onde operam clubes conhecidos como Círculos Católicos. No entanto,

56 Report of visit of J. M. Clinton to Rio de Janeiro, Brazil, October, 1917, p. 1. Box 1. YMCA International work

in Brazil: an inventory of its records. Kautz Family YMCA Archives. University of Minnesota (tradução livre).

57 Survey 1920-24. Questionnaire for Rio de Janeiro, Brazil. p. 1. Box 2. YMCA International work in Brazil: an

eles não se desenvolveram em grande medida em qualquer uma das nossas cidades. No Rio de Janeiro, no entanto, um departamento do Círculo Católico Conhecido como a Liga em Favor de Moralidade fez em pequena escala um trabalho muito bom na luta contra a literatura pornográfica, vitrines e publicidade indecentes, etc. Isto é provavelmente uma consequência da visita do doutor Josiah Strong, quando o Sr. Clark conheceu o presidente do Círculo Católico, o doutor Ignacio Tosta58.

Uma primeira análise do fragmento do documento pode indicar uma ação mais dialogada entre os grupos católico e protestante. Contudo, o cruzamento de fontes apontou para interpretações mais cuidadosas. Se é possível falar em aproximações, estas também foram marcadas por tensões. Em seu periódico oficial, a ACM esclarecia comentários equivocados feitos sobre afirmações de seus membros em referência ao círculo católico e que foram publicados em O Apostolo. “Em primeiro logar não dissemos que o Circulo Catholico era imitação da Associação Christã de Moços, como declara o auctor nessas rabiscas; mas que foi

<<subordinado á mesma idéa que nos estimulou>>, e <<modelado pela nossa associação>>”59.

Para comprovar a argumentação, a ACM sugeria o confronto dos seus estatutos. A disputa por autoria e autoridade recairia também sobre a adesão dos sujeitos a uma ou outra religião, que significava ao fim e ao cabo a vinculação a formas de viver distintas60. Enquanto os católicos

eram interpretados pelo tom ameaçador, os de orientação protestante mostravam-se adeptos de práticas de liberdade orientadas por uma autorregulação em que “o indivíduo supervisionasse metodicamente o seu estado de graça em sua própria conduta, e nela introduzisse o ascetismo” (WEBER, 2005, p. 116).

Não entendemos o aviso que vem no fim das Rabiscas. Eil-o: <<A Associação

Christã de Moços é protestante, e portanto nenhuma pessoa catholica pode frequental-a ou pertencer a ella, embora vá exclusivamente com o intuito de frequentar aulas etc.>> Este aviso pode ser interpretado de duas maneiras;

primeira, que nós não admittimos, por sermos uma Associação sob direcção protestante, moços catholicos como membros ou frequentadores; e segunda, que elles prohibem os moços catholicos de frequentarem os nossos salões. Quanto á primeira interpretação, não é exacto: acceitamos como socio todo e qualquer moço de boa moral, qualquer que seja o seu modo de pensar sobre materia religiosa; d’onde se conclue que o moço catholico, sendo de boa

58 Survey 1920-24. Questionnaire for Rio de Janeiro, Brazil. p. 5. Box 2. YMCA International work in Brazil: an

inventory of its records. Kautz Family YMCA Archives. University of Minnesota (tradução livre).

59 A.C.M., 30 de dezembro de 1899, p.2 (grifo do autor).

60 Em seu trabalho, Baía (2012) em diálogo com Max Weber e sua obra A ética protestante e o espírito do

capitalismo denomina a “forma católica de viver” como uma ética que considerava a imperfeição natural das pessoas, portanto, possibilitava a elas agirem de modo flexível. Compreensão que colocava o católico suscetível ao pecado, mas que garantia sua salvação por meio da absolvição. Nesse sentido, a ética católica não estava demarcada pela entrega plena ao cumprimento dos princípios do cristianismo, como diziam fazer os protestantes. A conduta moral destes era moldada para o que o autor intitula de “forma protestante de viver”, marcada pela dedicação permanente às boas ações, pela incorporação de uma autovigilância constante.

moral, pode ser socio, e de facto muitos o são. Os nossos salões são sempre franqueados ao publico.

Quanto á segunda interpretação, folgamos muito de receber tal aviso e de tornal-o publico por nossas columnas, porque não cremos que a mocidade hoje, no fim do seculo XIX, seja escrava de taes prohibições: não cremos que o moço catholico brioso se submetta á semelhante escravidão de consciencia, precisando que se lhe indiquem quaes os logares que pode, e quaes os que não pode frequentar, sob pena de excommunhão61.

Na explicação das duas interpretações possíveis, a ACM colocava-se para o embate estrategicamente reforçando os aspectos de liberdade e responsabilidade individual que marcavam seu projeto formativo, ao mesmo passo que expunha a submissão, as práticas opressoras e a falta de consciência como características de uma formação católica. A Associação responsabilizava o grupo concorrente pela prática opressora, mas operava astutamente com tal elemento. A repressão estabelecida pela ACM parece estabelecer contato com as afirmações de Gramsci (2008) sobre as nuanças da coerção em ocasiões de adaptação a deslocamentos culturais. A coação acemista parecia “sabiamente combinada com persuasão e consenso” (op. cit., p. 75). Em nome de uma autodisciplina a instituição estabelecia contornos restritivos para os costumes e os comportamentos dos seus associados. Em tréplica às afirmativas da Associação, A. Veiga, o autor dos malfadados comentários que originaram a reação acemista, ironizou o “pequenino redactor do tambem pequeno jornal A.C.M.” e produziu outra versão para a proibição da presença de católicos na Associação: “disciplina moral, fidelidade ás suas crenças”62. Sem maiores indícios de uma proximidade mais amena, o que

fica evidente nos documentos é o tensionamento por estes grupos estabelecido. A expectativa de expansão da ACM carioca, expressão dos bem-sucedidos empreendimentos acemistas, dava continuidade às contestações por parte da igreja católica.

Pretenderam os catholicos desta cidade impedir o bom exito da subscripção da Associação Christã de Moços. Pregaram contra ella no pulpito, aconselharam pelos jornaes e por meio de circulares que lhe não dessem migalha. Por que? Porque, disseram, a religião que ella professa não é a catholica, apostolica, romana. (...) Para esses sectarios intolerantes, a unica religião verdadeira é a catholica, apostolica, romana; fóra della não ha salvação, clamaram elles ao povo, para induzil-o pelo terror do inferno – um dos seus processos de dominio – a não contribuir para uma obra de educação e de moralidade. (...)

O protestantismo é o primeiro estádio da liberdade do pensamento em materia religiosa; elle é a religião sobre todas favoravel á instrucção, á liberdade religiosa e politica; ao progresso, ao “self-government”; os Estados protestantes são nitidamente superiores aos catholicos, na politica, na ordem,

61 A.C.M., 30 de dezembro de 1899, p.2 (grifos do autor). 62 O Apostolo, 6 de janeiro de 1900, p. 2.

no commercio, na industria, na cultura intellectual; o seu clero é superior intellectual e moralmente63.

Escritos por Placido Barbosa, os fragmentos foram publicados sob o título de A.C.M. em um diário de notícias do Rio de Janeiro que, embora intitulado O imparcial, objetivamente posicionou-se a favor da ACM e sua orientação protestante. Os destaques produzidos pelo autor colocavam em circulação elementos centrais do modo de operar com o mundo forjados pelo protestantismo: a liberdade, a atividade individual e a expectativa de formar uma sociedade instruída e em constante desenvolvimento, que contrastavam com a doutrinação à religião católica. A defesa da Associação elaborada por Barbosa e o anúncio da ambiência conflituosa que marcava a atuação de católicos e protestantes mereceu uma tradução para a língua inglesa em documento confidencial encaminhado para Mr. Colton, possivelmente um acemista, visto que o texto traduzido foi encontrado nos arquivos da YMCA, em Minneapolis, em uma coleção que informa sobre o trabalho internacional da Associação no Brasil64. Do mesmo arquivo,

outros documentos informam sobre a contrariedade do grupo católico em ver a expansão acemista, por intermédio da construção de sua nova sede no Rio de Janeiro. Em carta, Sims relata ao Comitê Estrangeiro da YMCA, situado em Nova Iorque, dados financeiros sobre a nova edificação da Associação no Rio. A oposição da igreja católica é destacada pelo diretor físico: “Casos de intervenção direta de Roma com trabalhadores e doadores já vieram à luz. Foi anunciado que qualquer pessoa que tenha algo a ver com a Associação ‘mesmo que atraída pela curiosidade’ será excomungada da Igreja Católica”65. A contrariedade católica arrastou-se

desde 1917 quando realizada uma campanha inicial para arrecadação de fundos para tal empreendimento – nesse momento a quantia levantada foi revertida para a compra do terreno –

até a década de 1920 quando se iniciaram as obras de execução e finalização do projeto. O estabelecimento da nova sede, além de sugerir o alargamento da capacidade de atendimento da Associação e a qualificação de sua estrutura, ainda situava a ACM em um apreciado circuito cultural e central, o que poderia ser motivo para mais um incômodo dos católicos. A localização do novo edifício ganhava exaltação na documentação da YMCA, que anunciava a vista do centro comercial, educacional, hoteleiro e de diversões do Rio de Janeiro mostrando vários dos edifícios mais proeminentes da cidade e o local das novas instalações.

63 O Imparcial, 28 de outubro de 1917, p. 4.

64 Young Men’s Christian Association. A signed editorial in the “Imparcial”, Oct. 28th, 1917, Rio de Janeiro,

Brazil. Box 1. YMCA International work in Brazil: an inventory of its records. Kautz Family YMCA Archives. University of Minnesota.

65 Letter from H. J. Sims to G. I. Babcock. October 25, 1927. Box 2. YMCA International work in Brazil: an

Figura 2: Vista panorâmica da localização da construção do então novo edifício da ACM no Rio de Janeiro Fonte: View new Y.M.C.A. building. Box 2. YMCA International work in Brazil: an inventory of its records.

Kautz Family YMCA Archives. University of Minnesota.

Na ambiência de renovação educacional dos anos 1920 e 1930, católicos também se inquietaram com outras referências chegadas da “América”. “O pedagogo brasileiro está cego pelos Estados Unidos, pelos progressos modernos”, anunciava o padre Helder Camara, em 1933, em publicação na revista A ordem, do Rio de Janeiro. Suas palavras constituem-se como uma crítica a Anísio Teixeira e sua adesão às ideias pedagógicas estadunidenses. Ao comentar a então recente publicação de Anísio, Educação Progressiva, o padre afirma que o “livro é a repetição fiel dos mestres norte-americanos. Metade de Kilpatrick, metade de Dewey”66. Tal

crítica está inserida em uma ambiência cultural, na qual o debate educacional em torno de uma “escola nova” já causava efervescência desde a década anterior. Baseada nas argumentações desenvolvidas por Carvalho (1997) é possível afirmar que nos anos de 1920, a crença no poder regenerador da escola, promoveu a revisão de seus métodos, seus fundamentos, suas finalidades. Como referências das ideias reconstrutoras da educação, os já citados Kilpatrick e Dewey, e ainda Decroly, Claparède, Montessori, Ferrière, Luzuriaga, Kerschensteiner. Intelectuais que, segundo Carlos Monarcha (2009, p. 59), “percorreram os quadrantes do globo predicando uma educação nova para um mundo novo. No imaginário reconstrutor, a escola aparecia como causa primeira da sociedade do amanhã”.

Nesse movimento de remodelação dos princípios e das práticas educativas, encontramos um conjunto de novas formas de pensar e fazer a escola. Diana Vidal (2007, p. 515) comenta algumas delas: “o aluno observador era substituído pelo experimentador (...). O ensino dava lugar à aprendizagem. Racionalização e eficiência eram máximas que se impunham ao trabalho do aluno”.

Ah, a razão. Voltemos à crítica de Helder Camara. Esta merece ser entendida a partir da disputa pelos significados da educação entre católicos e aqueles representantes do movimento escolanovista. Aquela revista, que se destacava pela “obra de creação de uma cultura catholica superior”, expressava: “Áquelles que só crêm na Razão, é preciso mostrar que a Fé é a luz final do conhecimento. E para isso é necessario, hoje mais do que nunca, o desenvolvimento da cultura religiosa”67. Helder Camara contrariava a crítica de Dewey à moral tradicional, aceita

por Anísio Teixeira. Se estes argumentavam que “seria um erro ir buscar fora da terra e do homem os fundamentos de sua moral”, o padre reagia dizendo que é possível “provar que existe um Sêr supremo. Provar que Elle é perfeitissimo”, contudo, não seria “pelo facto de Deus superintender á criação, que, nós criaturas ficamos inhibidas de agir”. Segundo Camara, os estudos de Anísio seriam baseados em uma filosofia errônea e sedutora, que “se deixou arrastar, nas suas viagens á America do Norte, pelos meio-philosophos da escola nova”68.

Nas páginas da referida revista, outras ponderações e acusações acerca de práticas culturais estadunidenses que vinham estabelecendo-se no Brasil. Para a ACM, uma crítica contundente e com tons de ironia:

O GENIO DE ENGANAR

Das formas de propaganda anticatholica; uma das mais perigosas é esta que se apresenta sob a feição duma sympathia acolhedora, de tolerância e solidariedade humana. Ha dois perigos ahi: um, de aliciamento, pela exploração da sentimentalidade desprevenida do povo; outro, de relegação da Fé para um plano secundario, como se este choque fatal da Verdade com o erro não fosse alguma coisa de essencial, de supremo na vida de um homem. E’ o que ocorre, lendo no “Boletim mensal da Associação Christã de Moços” – o ACM – nóº (sic) de Março-Abril 1932, um trecho do Pe. Leonel Franca! O trecho em questão, como vem publicado, dá a entender que o notavel jesuita patricio é collaborador do mensario protestante, com “copyrights” para a A.C.M... Não ha indicação nenhuma da fonte, como se fez com outras transcripções, de modo que o leitor incauto terá como certa a participação intellectual do Pe. Franca no boletim dos nossos bravos evangelicos... Dahi se vai facilmente á convicção de que tudo fica em família... Não resta duvida que em materia de escamoteação levam a palma esses illusionistas geniais...69.

67 A ordem, Rio de Janeiro, 1929, volume 1, p. 5. 68 A ordem, Rio de Janeiro, 1933, edição 39, p. 544-545. 69 A ordem, Rio de Janeiro, 1932, p. 71-72.

A Ordem anunciava um incômodo pela apropriação considerada indevida que a ACM fazia das palavras de um padre. Do encontro entre católicos e protestantes, a disputa por autoridade, por espaços, pela formação do povo brasileiro. (Des)arranjos que ajudam a entender que o clima cultural estabelecido estava cercado de tensões, de uma multiplicidade de sujeitos, ideias, interesses. Moniz Bandeira (2007) comenta o receio nas opiniões de Alceu Amoroso Lima, sob o pseudônimo de Tristão de Ataíde, sobre o conjunto de referências vindo dos Estados Unidos. O autor afirma que este:

Compreendeu o papel do automóvel e do cinema como instrumentos de penetração da cultura americana, que começava a seduzir os brasileiros. Via no cinema duas horas contínuas de hipnotização sobre a massa passiva, que, desagregada pela música incessante, deixava inocular o subconsciente, sem querer, de tudo o que se passa na tela. Os Estados Unidos eram, para ele, admiráveis, mas não imitáveis em tudo (MONIZ BANDEIRA, 2007, p. 299, grifos do autor).

Tristão de Ataíde expressou por vezes suas críticas a sujeitos e suas respectivas apropriações de ideias escolanovistas provenientes dos Estados Unidos. Gustavo Lessa aparece como alvo das apreciações de Ataíde, bem como os próprios estadunidenses, como Dewey. Ressalte-se que Tristão de Ataíde era um defensor da tradição católica, são dele as palavras na revista A ordem que destacam tal impresso como contribuição para a criação de uma cultura católica e que defendiam a necessidade do desenvolvimento da cultura religiosa. Palavras proferidas no momento em que assumiu a direção daquele periódico, em 1929.

Nas páginas d’ O Jornal, Tristão de Ataíde travou objeções ao posicionamento de Gustavo Lessa que, na interpretação do primeiro, mostrava-se contrário ao ensino religioso nas escolas por haver uma oposição entre os princípios da escola ativa e aqueles da “pedagogia religiosa”. Naquele momento, 1931, Ataíde queixava-se a respeito da legislação que versava sobre a não obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas.

Quando um dia puder ser feita, longe das paixões do momento, a historia da reacção contra o decreto que facultou o ensino de qualquer religião organizada, em nossas escolas publicas, – ver-se-ha que nunca houve no Brasil