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ÉTICA, EDUCAÇÃO E INTERVENÇÃO SOCIAL

1. Educação e Indústria Cultural em Adorno

Aqui iremos pensar a educação tendo como análise a obra

Educação e emancipação (1971)113, e no segundo momento

iremos fazer a relação da educação e da Indústria Cultural, através da Dialética do esclarecimento (1947).

Refletir sobre a educação tendo como apoio as contribui- ções de Adorno ainda são pertinentes na contemporaneida- de? Quais as relações possíveis entre educação e Indústria Cultural? No texto Educação após Auschwitz114 presente Na

obra Educação e emancipação (1971).

A primeira exigência da educação deve ser que Auschwitz não aconteça novamente na história da humanidade. Por- tanto, segundo Adorno (1995, p. 119): “Qualquer debate acer- ca de metas educacionais carece de significado importante frente a essa meta: que Auschwitz não se repita”. O acon- tecimento de Auschwitz deve ser lembrado para que a hu- manidade não se esqueça dos atos bárbaros que ela é capaz de realizar, através da influência de concepções erradas de nacionalismo, e a busca de alternativas erradas para o de- senvolvimento de um povo e um país.

Esse enfrentamento é necessário fazê-lo para alcançarmos algumas respostas possíveis para o que possibilitou tal acon- tecimento cruel e bárbaro na história humana. A educação adorniana reflete sob esse paradigma dos pressupostos reais que potencializam a barbárie.

Com o desenvolvimento técnico da sociedade em direção a completa “civilização” algo foi perdido nesse caminho, pois o uso da ciência nos traz um testemunho vivo, real da má uti- lização do conhecimento para exterminar aqueles que repre- sentam o Outro em nosso cotidiano. Dessa forma, é possível anotarmos impulsos destrutivos presente hoje na sociedade tão evoluída tecnicamente. Há então um descompasso entre o progresso técnico e o amor que para Adorno (1995) representa a capacidade de se colocar no lugar do Outro. De igual maneira podemos dizer que há um enclausuramento e embrutecimento dos indivíduos que perdem sua capacidade humana de serem solidários e fraternos diante da barbárie (nazismo) e suas for- mas também contemporâneas: problemas climáticas, fome, miséria, guerra e imigrantes.

A educação tem perdido a sua capacidade de criar um espa- ço de resistência frente ao poder desses impulsos bárbaros de não se vê no Outro. No entanto, a educação não pode ser colocada como responsável por todo um complexo de problemas existente no mundo contemporâneo. Mas que ela pode contribuir com uma alternativa de repensar a final qual modelo de sujeito queremos formar? Qual modelo de sociedade queremos formar?

É necessário pensar a formação que potencialize a não-a- gressão, não-competição, não-brutalidade, sem perder uma formação do Eu forte e firme, segundo Adorno (1995, p. 127):

Considerar que o mais importante para enfrentar o pe- rigo de que tudo se repita é contrapor-se ao poder cego

113 – Obra de Adorno formulada de uma série de entrevistas dada a Hellmut Becker na Rádio Hessen nos anos de 1959-1969 em Frankfurt na Alemanha. 114 — Campo de concentração da Alemanha nazista construído na Polônia pelo regime totalitário promovido por Hitler com o intuito de sacrificar: ju- deus, ciganos entre outros.

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de todos os coletivos, fortalecendo a resistência frente aos mesmos por meio do esclarecimento do problema da coletividade.

É preciso fazer uma analise profunda do caráter manipula- dor que promove a ausência de emoção. Nesse sentido as pessoas são convertidas em coisas bem como a formação da consciência são também formadas como consciência coisi- ficada. Toda a barbárie para Adorno (1995) tem sua origem psicológica, pois é assim que é revelado a incapacidade pen- sar o Outro. Essa incapacidade é chamado de frieza burgue- sa (bürgerliche Kälte). Auschwitz não é o ultimo genocídio produzido pela humanidade, mas o potencial do impulso para a barbárie ainda hoje é possível encontrá-lo nas for- mas de defesa de um novo nacionalismo que dá origem a um embrutecimento revelando a tendência destruidora da sociedade tão desenvolvida tecnicamente.

Adorno (1995) se pergunta qual seria a direção que a educa- ção deveria tomar, em virtude das discussões ocasionadas na Alemanha acerca das reformas na educação alemã. Sen- do assim, na entrevista Educação para que?115 A educação

deve promover o comportamento no mundo, não deve se preocupar em modelagem de pessoas a partir do exterior e suas estratégias devem possibilitar a formação da consciên- cia verdadeira.

A educação adorniana não trata de receitas prontas para re- solver os problemas da educação, mais também não discute partindo da educação como formadora de modelos ideais (Leitbilder). Tal forma de consciência verdadeira acontece na democracia que visa decisões conscientes independen- tes de cada pessoa, ou seja, ela é contra aquilo que Alema- nha viveu, uma formação de uma massa de coletivo cego. A educação convive com uma pressão que vem do mundo, e muitas vezes colocam nela a função para salva a socie- dade de todos os problemas sociais, econômicos..., portanto a função da educação ampliada, mas ela não pode ser res- ponsável por todo um complexo de problemas e soluções. Dessa maneira, a educação adorniana é contra as formulas educacionais que tentam criar sujeitos adaptados ao mun- do, pelo contrário a educação deve sempre se contrapor ao conformismo cego, segundo Adorno (1995, p. 144): “A edu- cação, por meio da família, na medida em que é consciente, por meio da escola, da universidade teria neste momento de conformismo onipresente muito mais a tarefa de fortalecer a resistência do que fortalecer a adaptação”.

Esse direcionamento para adaptação faz com que os jovens se direcionem para a realidade de forma supervalorizada, não observando que a educação se dá também em vários ambientes. Portanto, a concepção de educação adorniana observa um empobrecimento do repertório de imagens, lin- guagem e expressão., o que traz como conseqüência o apri- sionamento da criatividade e espontaneidade.

Pela forma com que se desenvolve a educação passou a ser uma delimitadora da experiência imediata da realidade contemporânea, pois se cria a inaptidão à experiência pri- maria, sem coação. Contrapondo isso, a educação deveria

115 – Entrevista dada na Rádio Hessen transmitida em 26 de setembro de 1966 e publicada na obra Educação e emancipação (1971) na Alemanha.

promover a ampliação da experiência e ser contra a repres- são e atitudes reativas tais como o ressentimento. Dessa for- ma, pensar a educação para a experiência é pensar ao mes- mo tempo para a emancipação. Com o desenvolvimento do modo capitalista de produção, a educação passou a valorizar uma não-individualidade.

A barbárie é um descompasso entre a sociedade e sua evolu- ção técnica e que ela não se desenvolveu valores humanos: a solidariedade, o colocar-se no lugar do Outro pelo contrá- rio Adorno (1995) observa os impulsos para a destruição da Sociedade Ocidental que ao mesmo tempo evoluiu através da ciência e do pensamento racional, mas que ainda neces- sita de uma reavaliação de sua capacidade de humanização. O ato de contemplar a barbárie e se omitir é uma ferramenta para a formação de uma sociedade voltada para a passivida- de. A existência da violência na educação é uma conseqü- ência do principio de autoridade na cultura, por isso é ne- cessária pensar uma educação que reflita sobre um processo de desbarbarização. Assim, na concepção de Adorno (1995) é responsável pela abertura de um diálogo de enfrentamen- to da barbárie ao mesmo tempo em que se preocupa com a ampliação da exigência democrática e a emancipação. Uma das preocupações de Adorno (1995) é a emancipação. Ele defende uma educação que também seja voltada para a emancipação no sentido de uma aptidão e coragem para a democracia representativa.

Na contemporaneidade existe uma educação que se preo- cupa muito com os números, as notas, as metas nos siste- mas avaliativos nacionais. Dessa forma a educação é delimi- tada para o êxito nesses exames, o que faz com que também aconteça uma competição entre escolas, municípios e Es- tados pelos melhores números. As reformas ocorridas na Alemanha pós-nazismo ainda tinha uma classificação das crianças tendo como objetivo definir os alunos com mais ta- lento, os que tinham menos e aqueles desprovidos de talen- to, portanto estabelecendo uma concorrência, competição entre as crianças. A educação é muito mais do que índices, números, ela deve ser a oposição ao adestramento das pes- soas ao mesmo tempo em que sua função é a da reeducação para a ampliação da experiência. A palavra compromisso para Adorno (1995) deve ser substituída pela palavra eman- cipação, porque a palavra compromisso se remete ao dever, organização, metas a serem alcançadas, já a palavra eman- cipação trata de uma concepção mais ampla e abrange as várias mediações que estamos imersos.

A educação formulada por Adorno (1995) é uma influência do pensamento kantiano por tratar a questão como Muen-

dikeit (emancipação) enquanto poder de fala, auto-afirma-

ção, entendimento e maioridade do homem moderno em utilizar a razão para esse entendimento.

A formulação da concepção de educação na obra educação e emancipação (1971) deve ser vista de maneira global, não se trata de receita pronta para resolver todas as implicações que envolvem a educação e sua possível contribuição na sociedade. A educação adorniana é preocupada com a BIldung (Formação Cultural) que visa contrapor-se a Halbbildung (Semiformação) para que possa forma uma consciência verdadeira em oposição a consciência falsa formada pela Semiformação.

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impõe de cima para baixo a determinação do campo simbó- lico, tais como: sensações, emoções. Por outro lado a cons- ciência verdadeira se fundamenta pela leitura diferenciada da realidade, uma leitura crítica que busca a possibilidade de vivências da experiência. Pensando na experiência Adorno (1995) defende que a educação é um saber dialético, portan- to ela deve promover espaços de resistência e contradição para pensar diferente. A educação assim é refletida para além do conformismo de práticas educativas que não po- tencializam a formação do EU, mas coletivo cegos voltados para a adaptação segundo Pucci (2010, p. 46)116: “ No caso, o

trabalho de educação/formação consiste em conscientizar e em dissolver esse mecanismos de repressão e essas formas reativas que deformam nas pessoas sua aptidão a constituir experiência”.

O modelo educacional da Alemanha pós-guerra passava por mudanças, tais mudanças visavam o aprimoramento para atender as necessidades do mercado de trabalho que pas- sava a utilizar cada vez mais a mecânica, técnica (o uso de máquinas).

Sendo assim, Adorno (1995) observa que a educação estava se tornando uma educação planificada, que antes atendia a formação dos interesses nazista e que depois da guerra passou a se preocupar com uma formação para o trabalho. Isso implica dizer o adestramento das pessoas, criando um sujeito genérico, esquecendo toda uma complexidade de particularidades dos sujeitos. A educação deve refletir para além das receitas prontas e adequações ao mercado, ela deve possibilitar a formação que contemple a resistência e a contradição frente aos mecanismos que afastam a Bildung (Formação Cultural) que na verdade uma massa amorfa, co- letividades sem opinião crítica e reflexão para com o real. Tanto a Bildung (Formação Cultural) quanto a Halbbildung (Semiformação) estão associadas à forma como nos apro- priamos da cultura de maneira subjetiva. Esse processo co- meça na modernidade117 que vai promover a discussão da

autonomia e liberdade do homem. A concepção de Bildung (Formação Cultural) é resultado de uma tensão entre um campo de forças do espírito e da natureza, entre individuo e cultura, subjetividade e sociedade, sensibilidade e comu- nicação.

É dessa tensão que nasce às concepções de sujeitos autô- nomos da modernidade, o sujeito que passa a utilizar a ra- zão para alcançar a emancipação. Esse ideal de autonomia e liberdade vai ser frustrado originando uma sociedade alta- mente competitiva e desumanizadora a favor da reprodução do sistema capitalista que diminuem o potencial humano e torna a cultura em bens culturais coisificados. Esses bens culturais tem a função de padronizar o campo simbólico e subjetivo dos sujeitos impossibilitando sua autonomia e liberdade, ou seja, a cultura acontece como uma forma de

116 – Texto com o titulo de: Theodor Adorno, educação e inconformismo: ontem e hoje de Bruno Pucci, publicado em 2010, In B. Pucci, A. Zuin & L. Latória, Teoria Crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisa. Campinas, São Paulo: Autores Associados.

117 – A modernidade é o movimento ocorrido na Europa que começa com René Descartes (1596-1650) a desenvolver explicações filosóficas, científi- cas sem o auxilio da metafísica e da teologia, mas através da: matemática, mecânica e física.

embrutecimento dos sujeitos e limitação da experiência como formação continua para além do que o padrão cultural exige, segundo Zamora (2010, p. 103)118:

En realidade no es posible “experimentar” un mundo preparado para el consumo, sólo se puede comprar e consumir. Una vez canjeada la competencia para dar forma a la própia vida por um dejarse abastecer com fragmentos de mundo preparados para consumir, los indivíduos se vuelven demandantes menesterosos de individualidad, pero ésta, una vez perdida aquella com- petencia, ya sólo depende de la capacidad adquisitiva, de la fuerza para imponerse a la competência e del refi- namento del gusto.

Nesse sentido Adorno (1995) pensa a educação para além da relação com o mercado de trabalho, mas a favor da am- pliação da interioridade, ou seja, capacitar os sujeitos a re- fletirem sob sua própria condição. Pensando a educação as- sim faz-se necessário fazermos aqui uma crítica a Indústria Cultural, pois é ela que através da racionalidade organiza o campo simbólico da sociedade atual.