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OS LIMITES DOS DIREITOS HUMANOS NA BATALHA

2. Que atores se colocam em jogo?

Para o exercício, o empenho e o desenvolvimento da saúde, torna-se necessário que entendamos bem e melhor não so- mente o processo formativo do profissional da saúde, mas, sua prática numa realidade desarranjada, como a brasileira e, em especial, a nordestina, na qual impera o pragmatismo utilitário norteado pela ideia economicista tornando o pró- prio doente um mero objeto, uma coisa e não um ser huma- no. Não obstante, tornou-se comum, corriqueiro o número alto de casos e situações de pessoas doentes que morrem nas portas e nos corredores dos hospitais por falta de as- sistência médica e de medicamentos. O problema bioético é claro, mais uma vez, pela falta de cuidado, pelo não com- promisso em defesa da vida humana onde os princípios de beneficência e não maleficência são desprezados negando, assim, os direitos do cidadão à saúde.

O agir humano representa formas de atuação diferenciadas que merecem destaques e atenção, também da sociedade, que moralmente tem sua parcela de exigência diante das ações humanas boas ou más. Neste caso, entra em jogo o profissional da saúde levando-se em consideração deonto- logicamente sua ação ética no exercício de sua função pela intensidade e relevância social da responsabilidade e repre- sentatividade considerável profissionalmente. A constru- ção de uma identidade pessoal e profissional é de extrema relevância por parte do agente diante do dinamismo e da complexidade da sociedade gerando muitas vezes repúdio e desentendimento entre o doente os profissionais da saúde. Contudo, há um fascínio e uma admiração que a população, principalmente carente, tem para com os médicos, os en- fermeiros, os agentes comunitários de saúde tornando-se, assim, como uma possibilidade de aproximação entre o pro- fissional e as demais pessoas da comunidade.

Ainda, é também, perceptível que o exercício da profissão requeira do profissional uma tomada de consciência a par- tir de uma visão crítica da realidade no sentido de que toda sociedade está em contínuo movimento de transformação na qual as pessoas podem crescer. É, por isso, que a área que demanda muita atenção é a da saúde porque dela a re- lação entre as pessoas deve ser sempre de cuidado e de cura. Salutarmente, o cuidar implica também passar ao outro a devida confiança da cura da doença que o atinge. Essa ati- tude de confiar requer uma relação ética bastante coerente e crescente. Ao agir desse modo é dada a devida importância pelos profissionais da saúde na vida das pessoas e, nesse sentido, desde o agente comunitário de saúde, ao enfermei- ro e ao médico o objeto da profissão é conferir segurança e confiança ao doente fortalecida pela credibilidade da pre- sença humana do profissional.

Hoje em dia, nas comunidades ou bairros populares é conside- ravelmente reconhecida a presença humana do ACS quanto do enfermeiro, principalmente, pela aproximação que os mesmos estabelecem entre os doentes e suas famílias ao transmitirem segurança, afabilidade, paciência, desvelo, cuidado para com as demais pessoas da comunidade. Uma atenção especial a partir do cuidado preconizando o fortalecimento das relações sociais no seio da comunidade. Faz-se entender que a promo- ção da saúde passa a existir acima de tudo pela consciência não somente da cura, como também da prevenção.

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Promover é um ato extremamente humano no contexto do cuidar, pois a própria capacidade que o profissional tem é a de prevenir. Segundo Paulo Freire (1975), tudo isso está in- terligado a partir da condição do educar para a saúde e para a vida como atitude primordial porque,

Educar alguém para a saúde implica que tenhamos, por um lado, investido comunitariamente em estruturas e modos de vida com significados ricos e múltiplos e que, por outro lado, tenhamos efetivamente conseguido contribuir para a construção de mundos de significa- ção, num processo de aprendizagem ininterrupto entre todos, simultaneamente educandos e educadores.

Para o ACS, para o enfermeiro quanto para o médico essa condi- ção do aprender com os demais é uma constante, pois a comu- nidade é a própria “escola da vida” onde todos aprendem con- juntamente principalmente a partir do sofrimento. Ainda, são esses atores que fazem denotar pelo próprio estilo de vida social considerando que o próprio doente se torna o referencial maior em suas vidas profissionais. Contudo, é característica própria da comunidade que todo trabalho seja realizado em equipe por ser mais eficiente na obtenção dos resultados positivos. Para o ACS está integrado ao grupo de trabalho é condição sine qua non que ele atue num trabalho conjunto com os outros profissionais por- que assim deve ser sua característica principal na vida profis- sional. A influência pela experiência dos outros profissionais em seu processo educacional também dá sua parcela de contribui- ção a outros profissionais que vão chegando. Segundo, Loureiro e Miranda é

certo que através da educação para a saúde os profissio- nais devem saber proporcionar às comunidades o conhe- cimento científico que lhes permita trazer à evidência as necessidades reais, é necessário que desenvolvam a capacidade para aproximar saberes, recursos e objetos (2010, p.247).

Na comunidade alguém deve ser elo e fazer a ponte entre os demais por áreas de interesse e o ACS é um desses elemen- tos presentes que tem a atribuição permanente de atuar de forma vigilante, pois ele está em todos os momentos parti- cipando da vida da comunidade independentemente de sua atuação num posto de saúde ou fora dele. O certo é que o ACS, na prática, é o coadjuvante primeiro na relação utente (paciente), enfermeiro, médico. Nesse contexto, o ACS dá a primeira cobertura e o apoio básico e necessário aos outros profissionais. Ele se familiariza rapidamente com as famílias e se integra no mundo das pessoas fazendo uma interlocu- ção eficiente quanto ao cuidado e a solução dos problemas de saúde existentes na comunidade. A grande vantagem do papel do agente de saúde popular é sua aproximação com as pessoas da área em que se situa e sua identificação rapida- mente estabelecida com as famílias, tornando o trabalho da equipe, onde está inserido, mais eficiente.

O mais importante nesse contexto é perceber que a relação e a identificação do ACS com a comunidade e o trabalho de- sempenhado por ele torna-se muito valorizado, levando em consideração que ele está inserido no seio da comunidade

e busca conhecê-la por dentro para poder levar aos outros agentes o conhecimento do terreno do qual estão pisando, como dizia Bachelar, “conhecer é descrever para reencon- trar” (1927, p. 9). Esse papel do ACS faz com que os outros profissionais descubram o valor do servir e do cuidar como uma dimensão profundamente ética e humana. A formação do ACS o conduz a ter abertura suficiente para trabalhar em equipe já que ele se apresenta como uma peça mestra na relação comunicativa diante da comunidade pela sua de- senvoltura no lidar com as pessoas e, principalmente, com os doentes. É perceptível que sua atitude de entrega huma- nitária com sensibilidade humanística, pela sua solicitude contínua, é fator de transformação na comunidade.

Portanto, se torna evidente que um processo de mudança assim, requer consciência de pertença e capacidade de inter- venção por meio da participação ativa, gerindo os diferentes conflitos que a comunidade apresenta, lembrando-se de ter sempre presente os indivíduos como elementos do processo da transformação que se quer promover tanto pela educa- ção quanto pela saúde. Nesse caso, especificamente, revolu- cionar a concepção de saúde na comunidade é uma grande tarefa, porque todo processo de transformação gera dinâmi- ca de aprendizagem e conhecimento. Para Paulo Freire, “A educação reproduz, assim, em seu plano próprio, a estrutura dinâmica e o movimento dialético do processo histórico de produção do homem. Para o homem, produzir-se é conquis- tar-se, conquistar sua forma humana” (1987, p. 13).

Seguindo esse mesmo raciocínio, destaca-se a presença do enfermeiro que carrega consigo o valor da formação inte- lectual adquirida pela enfermagem. Vale salientar que esta é uma das áreas da saúde mais especificamente humana por sua conotação humanística no trato cuidadoso com o doente. A enfermagem, portanto, “é a profissionalização da capacidade humana de cuidar, um processo intersub- jetivo e de conhecimento epistêmico que inclui transação de um ser humano para outro” (Paiva, p. 55). O contexto da enfermagem se desdobra enfaticamente no “saber cuidar”, na experiência humana do sentir mais de perto a dor, o sofrimento alheio. O enfermeiro é aquele que consegue se humanizar mais concreta e diretamente, pela própria con- dição existencial que lhe concede a profissão no dinamismo da hominização e, mais do que isso, uma missão repleta de doação pelo espírito de solidariedade e alteridade que esse profissional vai adquirindo a se tornar mais humano e mais sensível na convivência com as situações-limites do sofri- mento alheio. A enfermagem faz história na humanidade, pois é só olhar a própria história e ver que na “antiguidade não se diferenciava o médico do farmacêutico, do fisiotera- peuta ou do enfermeiro” (Gomes, 2012, p. 50). Essa relação se desenvolve também num processo de hominização jun- tamente com tudo o mais que faz com que o homem e a na- tureza evoluam, porque “A “hominização” não é adaptação: o homem não se naturaliza, humaniza o mundo. A “homini- zação” não é só processo biológico, mas também histórico” (Freire, 1987, p. 14).

Assim é possível uma melhor compreensão do papel ou do exercício profissional do enfermeiro que, por sua vez, o faz necessário ter uma visão mais analítico-interpretativa da realidade do próprio profissional por considerar o seu lugar

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social e o universo de trabalho do qual faz parte. A enferma- gem, ainda, compreende, segundo Lucília Nunes, a essência e a especificidade do cuidar do ser humano em saúde como também a promoção dos projetos de saúde que cada pessoa vive e persegue, procurando prevenir a doença e promover os processos de readaptação após a doença e, assim, procu- rando a satisfação das necessidades humanas fundamentais e a máxima independência na realização das atividades da vida diária, tudo isso faz parte desse processo humanizador (Cf. Nunes, 2004, p. 37). Não obstante, mediante tal situa- ção, o enfermeiro se percebe bem relacionado formativa e profissionalmente motivado cotidianamente em seu labor. É evidente, porém, que a enfermagem perpasse a linha de um processo construído progressivamente no decorrer de sua história onde o mesmo tem características e significado pró- prios importantíssimos como ressalta Abreu (2008, p. 29):

É comum designar-se por “processo de enfermagem” a forma como o enfermeiro deve organizar sistematica- mente o conhecimento e a informação, que se traduz numa forma lógica, humana e cientificamente aceitável de intervenção. O propósito do processo de enferma- gem consiste em definir intervenções consistentes com as respostas e as necessidades humanas.

Com essa premissa primeira pode-se perceber o quanto é possível o enfermeiro desenvolver sua capacidade de anali- sar, interpretar e avaliar a competência do profissional que é ou que deseja ser. Daí, que se exige muito da sua formação científica, técnica, bioética e humana mediante os desafios que se colocam em sua vida profissional, principalmente, a partir de uma região como a do Nordeste brasileiro de extre- mas carências. As exigências da formação na enfermagem mostram a urgência de profissionais eficientes diante do quadro que se estabeleceu com a formação simplesmente técnica em enfermagem implicando uma prática na qual as consequências das incompetências são cada vez mais quantificáveis, quer do ponto de vista estritamente humano, quer na perspectiva de custos econômicos, o que conduz a uma maior preocupação com a produtividade e a eficiência (Queiroz, p. 30).

Não obstante, o enfermeiro, em seu cotidiano, sente a ne- cessidade de se ter uma formação continuada pelo nível de exigência em relação ao conteúdo intelectual e humanístico tendo em vista que se trata de conhecer cada vez mais o bio- lógico, o ético, o bioético e o cientifico (a genética) de forma mais consistente e crítica para melhor servir.

Contudo, como a saúde implica um complexo grandioso cientifico e técnico, envolvendo várias áreas de conheci- mento por se tratar de um campo de pesquisa e investigação cada vez mais minucioso e incansável, então, destacamos também a medicina porque sua função primeira não é curar, mas cuidar, não se tratando de dar mais atenção ao doente, porém cuidando do seu regime de vida, ajudando-o, desse modo, a conservar sua saúde e evitar a enfermidade (Cf. Go- mes, 2012). Por outro lado, trata-se também de a medicina ser uma verdadeira arte desenvolvida pelo homem em sua cultura. Historicamente, a medicina é uma área do conhe- cimento humano das que, notadamente, teve mais cresci-

mento e expansão em termos quantitativos como também qualitativos. Tudo isso, porque se trata do cuidado para com o ser humano integrado como um todo na natureza. A me- dicina não cuida do homem isoladamente, mas a partir de suas situações-limites e, assim, tem uma responsabilidade ética e bioética que deve ter também o respaldo das outras ciências das quais se serve. Comenta Lolas (2006, p. 21),

Assim, a medicina desde o século XIX se serve das ciências, mas não é ela mesma uma ciência. Utiliza téc- nicas, mas não é apenas técnica. Produz e usa símbolos e sinais, mas não é simplesmente tecnologia semiótica. Reconhece, no círculo frutuoso de seu desenvolvimen- to histórico e na sincronia de suas formas coetâneas (adequadamente interpeladas e interpretadas), todos os registos do humano. Proporciona um discurso que amalgama falante, intenção, língua. Constitui um sis- tema e uma “instituição social”, ou seja, objetos, práti- cas, pessoas, relações entre coisas e pessoas, interesses, projetos, história, coisas a serviço de objetivos sociais.

Nessa visão, é possível entender a medicina como uma grande área do conhecimento interagindo com as demais áreas, principalmente com a filosofia. Então, a medicina se apresenta realmente como uma arte, uma “arte de curar”, uma “arte como técnica”, uma “arte singular” como destaca Gadamer (2009, pp. 30,34,35), essa arte vem desde a anti- guidade marcada pelo código de ética, o juramento de Hipó- crates estabelecendo, portanto, uma promessa pública por meio de um compromisso com uma moral. É por isso que a função primeira do médico não é curar, senão prevenir, educar na boa gestão do corpo e da vida (Gomes, 2012). A medicina, até hoje, exerce explicitamente um grande po- der por destacar com intensidade seu lado racional, empí- rico, científico e técnico, mas também sem desmerecer seu lado não racionalizado, segundo Gadamer (2009, pp. 32-33), a medicina exerce um poder fascinante, ou seja,

O poder da medicina moderna é deslumbrante. No entanto, apesar de todos os progressos que as ciências naturais trouxeram ao nosso conhecimento da doença e da saúde, e apesar da enorme inversão efetuada em técnicas racionalizadas que permitem diagnósticos e o tratamento, o terreno do não racionalizado continua a ser, neste aspecto, particularmente, amplo.

Sendo assim, considera-se a figura do médico como sendo o referencial primeiro. O médico se vê envolvido na missão- -tarefa de salvar vidas, buscando um conhecimento que lhe ofereça “as condições de possibilidade da ação humana pro- jetada no mundo a partir de um espaço-tempo local” (San- tos, 2007, p. 48). Como também, “demonstra, com particular clareza, em que medida se agudiza a relação teoria e prática sob as condições da ciência moderna” (Gadamer, 2009, p. 32). Porque, na realidade atual a medicina como uma ciên- cia, trouxe também “um conhecimento funcional do mundo que alargou extraordinariamente as nossas perspectivas de sobrevivência. Hoje não se trata de sobreviver como de sa- ber viver” (Santos, 2007, p. 53).

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As políticas sobre a formação do médico é repleta de um di- recionamento não só didático-pedagógico, mas também de uma dimensão ético-filosófica como estratégia humanística do futuro profissional da saúde.

Como vemos a sociedade perpassa desafios que implicam em ações transformadoras em que a educação e a saúde são dois pólos fundamentais que necessitam de indivíduos com capacidades científicas e técnicas diante do desenvol- vimento da medicina que aí está; o cuidado que se deve ter diante dos órgãos institucionais burocratizados; a máquina pública sobrecarregada, inchada de pessoal em vários seto- res sem muita produtividade enquanto os profissionais da saúde que merecem mais atenção, qualificação não tem po- líticas públicas que os tornem mais competentes e, por isso, a crítica da sociedade sobre tais profissionais denigrem a sua imagem; por outro lado, os profissionais da saúde vivem num ativismo exacerbado e não conseguem atender devi- damente à população, principalmente, a mais necessitada.

3. Formação científica e ético-bioética dos profissionais