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CAPÍTULO 1 Raízes históricas dos direitos sociais e das políticas educacionais para

1.3 Políticas de pré-escola no Brasil: décadas de 1970 e 1980

1.4.2 Educação Infantil como direito social

A Constituição Federal de 1988, dentre outros aspectos, veio demonstrar a compreensão que o país tem da educação como um direito social e meio de acesso à cidadania, princípio este que contempla a égide da República. Pode-se observar também que o compromisso educacional do Estado com a criança de 0 a 6 anos salta aos olhos, uma vez que, pela primeira vez, o país reconhece na forma da lei o direito da criança pequena ao acesso a educação em creches e pré-escolas, bem como seu compromisso para com esta faixa etária, reconhecimento este que não está circunscrito ao âmbito do Direito da Família, mas da criança, em especial a de 0 a 3 anos25. “Destaca-se o significado da definição da creche como um direito da criança e não apenas da mãe trabalhadora, preceito que altera radicalmente a concepção da instituição enquanto guarda de crianças para incorporar claramente o educativo”. (NASCIMENTO, 2005, p. 123)

O movimento pré-constituinte ocorreu em um momento significativo no país: contemplar as lutas e debates que ocorriam desde o final da década de 1970, promovidos pelos movimentos sociais, que entre outros fatores, buscavam a universalização da escola

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Assim versa a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu capítulo II, Direitos Sociais, no Artigo 7: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)

XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os seis anos de idade em creches e pré-escola”.

N Capítulo III, da Educação, na seção I, o Artigo 208 afirma:

“O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de (...) IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.”

pública, seguida pelo reconhecimento do Estado como sua responsabilidade em todos os níveis.

Este momento foi também de abertura política com o fim do regime autoritário, trazendo em seu bojo, a concepção de um Estado de bem estar-social, que assume a educação como um direito social e atribui a esta o fundamental papel na construção da cidadania.

Desta forma, as lutas sociais reprimidas pelo AI5 são retomadas na década 1980 pós-abertura política, trazendo a questão social para o centro das discussões. A nova Constituição acenava como promessa à construção de uma sociedade capaz de conciliar maior liberdade e igualdade. (CAMPOS, 1986; TELLES, 1998; 1999)

A dívida social do país era grande, a população atravessava anos de repressão, desigualdades profundas e descaso público com serviços essenciais. A pobreza avançava em índices incontroláveis.

A escola pública, além da baixa qualidade, não conseguia dar conta da demanda: prédios escolares sucateados faltam de vagas, desvalorização dos professores, desvios de verbas e favorecimentos do dinheiro público com as instituições privadas.

A pré-escola amargava descaso com a ausência de uma política pública que pudesse dar conta de questões estruturais: a falta de vagas, profissionais despreparado, a alta incidência de leigos, péssima qualidade da estrutura física destinada ao atendimento. Além disso, desvalorizava o contexto sócio-cultural da criança de classes populares e sua origem, sendo consideradas como portadoras de “carências” que cabia à pré-escola supri-las. O Estado considerava as famílias de classes populares de alto risco, tornando-se alvo das políticas públicas. Porém devido à escassez de recursos, bem como os problemas econômicos que os pais sempre enfrentou, esta população sofria com a implementação de planos a baixo custo em relação ao atendimento de seus filhos na faixa de 0 a 6 anos: galpões, casas adaptadas, salões de igrejas, com pessoal despreparado e em grande parte voluntário. Cabia ao Estado prover apenas técnicos que orientariam as ações a serem desenvolvidas por instituições filantrópicas e fornecer os alimentos. Kramer (2005) afirma que na década de 1970 apenas 4% das crianças brasileira em idade pré-escolar recebiam algum tipo de atendimento, incluindo o setor privado.

O movimento feminista era intenso na luta pela creche, contudo, os poucos serviços que eram oferecidos, partiam do pressuposto que o atendimento destinava-se à mãe trabalhadora e não à criança. O modelo de atendimento era norteado pela noção de abrigo, ou seja, um espaço oferecido às crianças pertencentes às famílias de baixa renda que não poderiam cuidar de seus filhos sem ter que renunciar à sua fonte de subsistência – o trabalho (NASCIMENTO, 2001). A proposta pedagógica era de que a criança desde muito cedo, deveria ser retirada da considerada situação de desvio do meio social em que vivia. (KRAMER, 1982; KRAMER e SOUZA, 1991; KUHLMANN JR, 1991; ROSEMBERG, 1992)

Nas discussões pré-constituinte relativa à educação das crianças pequenas, houve muitos apontamentos dos grupos envolvidos no assunto, abordando questões como: o financiamento específico para o segmento, à necessidade de definir creches e pré-escolas como uma modalidade de ensino, a definição das responsabilidades do Estado para com este segmento, as estratégias que pudessem dar conta de reivindicações do movimento feminista no que tange à universalização da creche, entre outros.

Campos (1986) discutindo tais aspectos afirma que naquele momento, havia uma sobreposição de órgãos e programas destinados a atender a criança de 0 a 6 anos, além da pequena cobertura da demanda. Destaca, em segundo lugar, um forte peso dos grupos de mulheres trabalhadoras que participavam das discussões, chegando a ser em maior número do que os educadores. De forma geral, havia um consenso na importância desse atendimento enquanto possibilidade para prover a igualdade de condições de direito de trabalho sem que este se chocasse com o direito a maternidade.

Mas a vinculação da creche unicamente aos direitos da mulher era um ponto bastante controvertido entre os educadores, pois acreditavam em sua maioria que esta posição descaracterizava a dimensão educativa deste atendimento. Assim, considerava-se que o atendimento a esta faixa etária deveria ser uma resposta ao direito da criança à educação. A formulação que acabou por prevalecer foi a de que a educação de 0 a 6 anos estava ligada não somente ao campo educacional, mas à questão da família e dos direitos da mulher.

Campos (1986) também esclarece que naquele momento o Brasil ainda não tinha regularizado o acesso à escola a todas as crianças de 7 anos, o que causava grandes

controvérsias nas discussões sobre a universalização de creches e pré-escolas públicas como uma obrigação do Estado, uma vez que nem o ensino fundamental havia se universalizado. Tais discussões ampliavam-se nas questões de destinação de recursos nas esferas administrativas.

Algumas soluções eram apontadas no que tange ao financiamento da educação da criança pequena:

• defesa da autonomia dos Estados e Municípios decidirem sobre suas prioridades orçamentárias, opondo-se à manutenção da Emenda Calmon26;

• defesa por parte de educadores, que argumentavam para a substituição da base de cálculo da receita dos impostos pelo orçamento, o que poderia elevar o aumento de recursos;

• defesa da Emenda Calmon, mantendo-a no texto constitucional, sem muitas modificações, para que não corresse o risco de qualquer retrocesso;

• garantir a destinação de verbas exclusivamente para fins educacionais, inclusive na educação do pré-escolar, evitando-se que tais verbas fossem utilizadas em programas ligados indiretamente. Quanto a esta última proposta, Campos (1986) afirma que seria desaconselhável estreitar demasiadamente as possibilidades de uso de verbas, uma vez que seria uma lei para toda a extensão brasileira, uniforme, o que não corresponde à gama de variáveis regionais presentes no país;

• criação de um tributo semelhante ao salário educação, especialmente destinados às creches, uma vez que o FINSOCIAL27 (Fundo de Investimento Social) garantia verbas disponíveis para a pré-escola ou incluir a creche neste mesmo programa;

26 Em 1983, a Emenda Constitucional no. 24/83, conhecida por Emenda Calmon, determina que a União

deveria aplicar ao ano no mínimo 13%, os Estados, Distrito Federal e Municípios, no mínimo 25% de sua receita tributária na manutenção e no desenvolvimento do ensino, sem especificar em quais níveis. (OLIVEIRA, 1999)

27 O FINSOCIAL foi um decreto-lei no. 1940/82 que recolhia do contribuinte à base de 0,5% do faturamento

mensal de suas atividades para destiná-lo ao custeio de investimentos de caráter assistencial. Ele incumbia a sociedade como um todo a contribuir de forma direta ou indireta a seguridade social, atribuindo aos empregadores a participação mediante bases de incidência em folhas de pagamento, faturamento e lucro. O percentual deste imposto foi elevado após a promulgação da Constituição de 1988 a 1% pela lei 7787/89, em 1,2% pela lei 7894/89, e finalmente para 2% pela lei 8147/90. No entanto, em abril de 1992 o FINSOCIAL foi extinto, sendo substituído pelo COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). O

• reservar uma determinada porcentagem obrigatória de recursos na Constituição às creches e deixar com que outras leis regulamentassem a origem e destinação dos recursos.

O processo anterior a Constituição de 1988 revelou ampla polêmica sobre o assunto, em especial a respeito da inserção das creches no sistema educacional. De outro lado, os atores como o Conselho Nacional da Condição Feminina de São Paulo, a ANPEd, a Pastoral da Criança, o CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outros, buscavam fortalecer uma articulação capaz de viabilizar o assento de direitos que ampliassem o papel do Estado, uma política de envergadura universal e de qualidade e não cessavam em realizarem fóruns e debates. Porém, os avanços constitucionais não seriam capazes de promover de imediato uma mudança significativa nos programas de atendimento educacional à criança na faixa etária entre 0 e 6 anos.

Telles (1999) denuncia este desconcerto com grande perplexidade:

“Nessa perspectiva, o desconcerto de que se fala se apresenta, antes de tudo, como uma enorme perplexidade. Perplexidade diante de uma década inaugurada com a promessa de redenção para os dramas da sociedade brasileira e que se encerrou encenado aos olhos de todos o espetáculo de uma pobreza talvez jamais vista em nossa história republicana, uma pobreza tão imensa que se começa a desconfiar que esse país já ultrapassou as fronteiras da vida civilizada”. (p. 82)

Embora o vetor dos direitos tivesse mudado com a nova Constituição, incorporando a educação infantil como direito da família e da criança, os programas de governo infelizmente acenavam com políticas predominantemente assistenciais, pontuadas pela ótica da substituição dos cuidados maternos e, portanto não exigindo uma formação qualificada no trato com estas crianças. Ainda hoje há municípios que implementam

segmento pré-escolar, por pertencer às políticas de seguridade social chegou a receber aportes significativos deste imposto.

(CAMPOS, 1996; www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=1370, acesso em julho de 2005; www. bassiadvogados.com. br/tribut/tributário.htm, acesso em julho de 2005)

programas como “mãe crecheira” 28 pautados no pressuposto de que a mulher é naturalmente vocacionada para cuidar de crianças. (NASCIMENTO, 2005)

Mais uma vez este segmento deparava-se com uma política de segunda categoria, onde os direitos conquistados estavam distantes de serem efetivados. A questão da política de educação infantil colocava em pauta o modo como o Estado reconhecia a infância marcada pelo paternalismo, clientelismo e manipulação ideológico-eleitoral, não diferente da política geral. Ofereceria programas residuais e de baixo custo, não reconhecendo a criança pelo que ela é e desprezando seus direitos.

A qualidade na educação infantil deveria pautar-se primeiramente em uma educação para cidadania, colocando como princípio básico à criança sujeito de direitos, onde o Estatuto da Criança e do Adolescente seriam os princípios. Seria preciso considerar a criança historicamente, respeitando a sua diversidade cultural e não a sobreposição de uma cultura dominante que atribuí o fracasso a incapacidades, a carências culturais. Uma política de infância para cidadania tem também que contemplar estratégias que viabilizem a inserção de profissionais envolvidos e preparados, com salários dignos e formação específica, bem como, em condições de trabalho decentes e espaços físicos que atendam a especificidade da infância.

Em tempo, de nada adianta uma concepção universal de políticas educacionais, sob o lema da cidadania e do gozo dos plenos direitos da população, se não estão previstos recursos de implementação. Muito menos delegar tais responsabilidades às prefeituras, sem prever uma política de investimentos. Esperamos que a criação do FUNDEB (Fundo Nacional para a Educação Básica) possa minimizar para tal.

Mesmo após a promulgação da Constituição de 1988, é possível notar no Brasil uma estratificação social no atendimento infantil. Nascimento (1999) destaca que, no ano de 1995, 43,1% das crianças advindas de famílias com renda per capita maior que dois salários mínimos, freqüentavam a educação infantil. Já nas famílias com renda per capita inferiores a ½ salário mínimo, somente 19,2% de suas crianças de 0 a 6 anos eram atendidas. A maior parte do atendimento se dava na faixa etária de 4 a 6 anos, pois das 43,1% atendidas pertencentes a famílias com rendimento per capita acima de dois salários

28 Esta proposta consiste em que uma mulher da comunidade que iria cuidar de no máximo dez crianças. Ela

receberia um salário rateado pelos pais das crianças atendidas e a função do Estado seria de prover esta mulher com as necessidades materiais no fornecimento deste serviço.

mínimos, 70,6% estavam entre 4 a 6 anos, enquanto que na faixa de 0 a 3 anos somente 19,3%. Mais agravante era o caso das famílias com renda per capita abaixo de ½ salário mínimo, pois eram atendidas 37, 4% na faixa de 4 a 6 anos e somente 5,1% na faixa de 0 a 3 anos. Comumente, o atendimento na faixa de 4 a 6 anos se dá na pré-escola, enquanto que na faixa de 0 a 3 anos configura-se o atendimento em creche. Observa-se também que o país optou pelo oferecimento de vagas em pré-escola em detrimento as creches, podendo-se inferir que é um atendimento menos oneroso ao Estado. Nascimento observa que não há uma fonte de recursos definida para a implantação dos serviços em creche, bem como, a mesma possui características de custos elevados. No caso do município de Campinas, por exemplo, a autora afirma que em 1994, cada criança matriculada nas creches municipais - CI (Centro Infantil) tinha um custo aproximado de US$ 70/mês, enquanto que na pré-escola (EMEI) o custo de uma criança de período integral era de US$ 50/mês e de uma criança em meio período de US$ 28/mês (NASCIMENTO, 1994).

Isto indica que o Estado tem se caracterizado por uma política de omissão com relação ao atendimento às crianças de famílias de menor poder aquisitivo. Esta faixa da população, caracetrizou-se por uma política estagnada e omissa. Partindo do pressuposto que a política explicita um comportamento propositivo, intencional e planejado, que pretende alcançar determinados objetivos por determinados meios e estratégias (VILLANUEVA, 1996), constata-se que o insuficiente oferecimento de qualquer tipo de atendimento provido pelo Estado para este segmento denota insuficiência de políticas públicas para superar tal deficiência. Como afirma Nascimento (2001) “uma política pode consistir exatamente em nada fazer”. (p. 09)

Ainda, como última reflexão, é necessário esclarecer que apesar de reconhecer que o desenvolvimento econômico proporciona caminhos para provocar a justiça social, ele não é suficiente. Reduzir a questão a está ótica é incompleto. A questão da política social passa também pelo viés político, pela incorporação de uma cultura política que reconheça o Estado como articulador de políticas sociais, pressupondo a democracia como via necessária para o estabelecimento de canais de comunicação entre a sociedade civil e o Estado.

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