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CAPÍTULO 1 Raízes históricas dos direitos sociais e das políticas educacionais para

1.2 As políticas de atendimento à infância no Brasil

1.2.2 O Estado se organiza para o atendimento à infância

Segue o Quadro 2 onde são definidos os órgãos de atendimento à infância a partir de 1940, quando surge o primeiro órgão público destinado a este segmento – DNCr (Departamento Nacional da Criança) até 1960. Estes órgãos vão se formando vinculados a diferentes Ministérios ou organizações e em consonância com as políticas públicas que são desenhadas a cada período. Alguns deles já foram extintos: SAM e DNCr e outros ainda permanecem: LBA, UNICEF e UNESCO.

QUADRO 2 – Órgãos de atendimento à infância de 1940-1960 Órgão de atendimento à

infância

Função Vinculação Ano de criação/ extinção

D.N.Cr. – Departamento Nacional da Criança

Órgão criado para coordenar ações relativas à infância, maternidade e adolescência. Ministério da Educação e Saúde. 1940/1970, quando é transformado em Coordenação Materno Infantil e posteriormente em Divisão Materno- Infantil, cujo

objetivo era diminuir a mortalidade infantil. S.A.M. – Serviço de Assistência ao Menor Serviço para promover atendimento aos menores infratores, por meio de estudos sobre esta temática e formas de tratamento. Ministério de Educação e Negócios Exteriores. 1941/1964 L.B.A. – Legião Brasileira de Assistência A partir de serviços voluntários, promover serviços sociais à infância e a maternidade. Destacou-se com o Projeto Casulo. Ministério da Previdência e Assistência Social com apoio das Associações Comerciais e da Confederação Nacional das Indústrias. 1942

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância, Ciência e cultura /UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Infância.

Estimular os esforços no atendimento à criança, através de ajuda internacional, que possa alavancar a mobilização de recursos locais. ONU – Organização das Nações Unidas. 1946 - UNICEF; 1960 - UNESCO.

Fonte: Souza e Kramer (1991); Rosemberg (1992); Ferraz (2001); Kramer (2003).

Este estudo parte do pressuposto, conforme Kuhlmann Jr (1991; 1998; 2003) que não é somente uma concepção inovadora que necessariamente implica em uma proposta

pedagógica de atendimento à infância, pois toda proposta de atendimento possui um caráter pedagógico em consonância com determinados pressupostos educativos.

Considera-se que ao refletir e reconstruir políticas educacionais do passado é necessário compreender quais eram os objetivos a serem atingidos por um determinado programa de governo, suas estratégias de implementação e em qual conjuntura política econômica este programa estava inserido. Nem sempre os objetivos firmados efetivaram-se em ações concretas, pois para sua real efetivação deve haver o envolvimento e a concordância de todos os atores políticos envolvidos nestas ações, o que na prática planejamento e processo de implementação às vezes podem se distanciar.

Conforme Kuhlmann Jr (1991) o atendimento à infância no Brasil predominava pelo seu caráter filantrópico, através de entidades assistenciais que consideravam que este atendimento não era um direito do trabalhador, mas uma benevolência dos filantropos.

Nascimento (2001) explica que

“(...) o termo filantropia é ambíguo, pois ele pode designar genericamente um conjunto de obras sociais, caritativas ou humanitárias, sejam confessionais ou não; em sentido mais específico, costuma ser utilizado para designar empreendimentos que podem ser laicos ou interconfessionais sem finalidade missionária. (...) A filantropia – filha do Iluminismo, da Revolução Industrial, do Liberalismo e do Higienismo – objetiva um ordenamento da sociedade e do Estado que viabilize o progresso da nação.” (p. 175; 178)

Ainda segundo a autora a filantropia tomava por estratégica básica a educação, “na conversão dos pobres aos princípios higienistas e morais da burguesia”. (p. 178) O objetivo desta estratégia era à busca do estancamento da pobreza e da mortalidade, da melhoria de condições de vida dos operários e de seus filhos, tendo como motivação o controle social da ordem.

Kuhlmann Jr (2003) afirma que a “proteção à infância” no Brasil será o mote que impulsionará a criação de inúmeras associações e instituições filantrópicas e públicas para cuidar de crianças no Brasil, tendo como objetivos diferentes aspectos, desde a saúde e sobrevivência da criança organizada por médicos, bem como, propostas de legislação e de associações da educação e instrução pautadas nos direitos sociais, organizados por juristas.

Tanto juristas quanto médicos e demais filantropos da burguesia julgavam as famílias dos setores populares incapazes e ignorantes no que diz respeito à educação de crianças. Conforme Abreu e Martinez (1997) os homens públicos e filantropos propunham a fundação de escolas públicas, asilos, creches, escolas industriais e agrícolas de cunho profissionalizante, além da criação de uma legislação específica para os menores. 17

A abolição da escravidão e a necessidade de formar trabalhadores livres e disciplinados deram impulso às preocupações sociais com a criança. A proclamação da República também contribuiu para este debate, na medida em que sua base fundamental era a formação da nação brasileira. A problemática da criança ganhava nova dimensão tanto no campo jurídico como no médico.

Segundo Kuhlmann Jr (1991) o Congresso Penitenciário Internacional de 1895 contribuiu para a orientação de privar de pátrio poder aqueles pais considerados indignos, bem como ajudar aqueles incapazes de educar seus filhos oferecendo creches e salas de asilos temporários às crianças e aos adolescentes.

A perspectiva médico-higienista traça seus primeiros desenhos em 1836, quando concluída a primeira tese referente à criança: a importância do aleitamento materno dos recém-nascidos por Júlio Xavier. Ele inaugurou um longo e por vezes contraditório debate médico sobre o que consideravam os principais problemas da organização familiar brasileira, que não estavam dissociados de problemas sociais mais amplos. (ABREU e MARTINEZ, 1997)

O pressuposto médico-higienista tinha como tema fundamental combater a mortalidade infantil. Conforme Moncorvo Filho (médico, filantropo e fundador do Departamento da Criança no Brasil, em 1919 e do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, em 1929) o saneamento do Rio de Janeiro seria incompleto caso não estivesse aliado à proteção e assistência imediata à infância. (KULHMANN JR, 1991)

A pediatria surgiu também neste período, “encontrando na puericultura a forma de divulgação de normas racionais de cuidados com a infância”. (KULHMANN JR, 1991, p. 21) Conforme Nascimento (2001) “aos médicos competia à pediatria, saber teórico

17Considerando que este trabalho não irá abordar as políticas para a criança transgressora, vale ressaltar que

há um veio de estudos para esta área: Pilotti e Rizzini, (1995); Abreu e Martinez, (1997); Irma Rizzini, (1997; 1997b; 1997c); Sator, (1997); Veronese (2003).

elaborado, às mulheres a puericultura, técnica aplicada sob orientação médica masculina”(p. 324) Assim, seriam as mulheres as encarregadas de propagarem os saberes médicos referentes aos adequados cuidados a serem despendidos à criança.

Também era função da puericultura os conhecimentos relativos à reprodução humana e a sua conservação. Deste modo, conforme o autor, a preocupação com a mortalidade infantil desdobrava-se em propostas de controle racial, via eugenia.

A mulher passa a ser a “sacerdotisa da eugenia”, uma vez que é um elemento de destaque neste processo, sendo considerada a auxiliar dos médicos. A puericultura apesar de não ser um conhecimento obrigatório das mulheres que atuavam diretamente com as crianças em creches, fazia parte do currículo escolar de formação predominantemente feminina. (KULHMANN JR, 2003)

A eugenia almejava o aperfeiçoamento da raça através do controle do casamento e reprodução, bem como pela educação da higiene e da moral. Conforme Alfredo Ferreira Magalhães, “a higiene e a educação, solidárias uma da outra, são fontes verdadeiras da civilização e do bem-estar”. (KULHMANN JR, 2003, p. 479) A partir destes ideais a Pedagogia e a Psicologia Experimental passam a ser valorizadas, passando a predominar os conhecimentos para as propostas de atendimento à infância.

Neste percurso são feitos em escala mundial, com a participação do Brasil, congressos sobre a assistência à infância. Ocorre o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância em 1922 em conjunto com 3o Congresso Americano da Criança. Sua programação tratava de assuntos referentes ao atendimento à criança na perspectiva social, médico-higiênico e pedagógico, bem como as relações da família, da sociedade e do Estado no que se refere ao atendimento infantil, divulgando assim o moderno pensamento científico da época. (KUHLMANN JR, 1991)

O 2o. Congresso de Proteção à Infância, realizado em 1924, denunciava a falta de uma política governamental para a Infância. Com a regulamentação da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) no governo de Getúlio Vargas, no ano de 1934, tem-se a obrigatoriedade das fábricas com mais de 30 mulheres operárias oferecerem creches. Contudo, sabe-se que até hoje há muitos que burlam esta lei, preferindo contribuir financeiramente com alguma entidade de atendimento à criança ou simplesmente ignorando-a. (Id. Ibid, 2003)

Em 1940 é criado o Departamento Nacional da Criança (DNCr), um órgão pertencente ao Ministério de Educação e Saúde para coordenar todas as ações relativas à infância, maternidade e adolescência. Dentre suas ações, o Clube de Mães, de 1952, foi a primeira parceria entre este órgão e a UNICEF que objetivava fixar e valorizar a permanência da mulher no lar atuando na educação de seus filhos, assim como combater a mortalidade infantil através dos ensinamentos da puericultura. (VIEIRA, 1988) Contavam para este trabalho com o serviço voluntário de monitoras, orientadas por profissional técnico, em locais de maior afluência de mães. Suas atribuições também incluíam a fiscalização de instituições em todo o país relativas à higiene e à maternidade, à assistência social de ambos, realizando estudos e divulgações referentes à infância e maternidade. Em 1970 este órgão é transformado em Coordenação de Proteção Materno-Infantil e posteriormente em Divisão Nacional de Proteção Materno-Infantil, cujo objetivo era diminuir mortalidade materna e infantil.

É fundada também a LBA (Legião Brasileira de Assistência) em 1942, com o apoio da Federação das Associações Comerciais e da Confederação Nacional das Indústrias. Seu objetivo era unir brasileiros de boa vontade para serviços sociais em prol da infância e da maternidade, contando para isso com a colaboração do poder público e de instituições privadas. Durante a II Guerra a LBA criou o Corpo de Defesa Passiva, para o treinamento da população civil. Pós-guerra a LBA transformou-se, voltando-se inteiramente para uma política assistencial de atendimento à infância e à maternidade, através da família, passando a ser um órgão de consulta do Estado. Começavam a surgir os centros de proteção à criança e a mãe, criados pela própria LBA e/ou com recursos das comunidades. Foram centros disseminados por todo o país consolidando em 20 anos (1946-1966) sua posição entre as obras assistenciais brasileiras. Já nesta fase começa a enfrentar dificuldades financeiras por depender de subvenções diretas do orçamento da União. Em 1966 uma portaria do Ministério da Justiça faz modificações quanto à finalidade e à administração da LBA incluindo em seu atendimento, a adolescência e aumentando seu conselho deliberativo. Devido às dificuldades financeiras, passa a procurar por novas fontes de recursos, beneficiada por parte da renda líquida da Loteria Esportiva Federal, superando suas dificuldades. A LBA torna-se uma Fundação, vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social em 1974, propondo-se a executar o Projeto Casulo, inserido no

Programa Assistência (Subprograma Assistência ao Menor), com o objetivo de atender ao maior número de crianças, com pouco gasto. (KRAMER, 1982, 2003; ROSEMBERG, 1992, 1997, 1999)

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