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A Educação Infantil pública: um direito subjetivo da criança ainda mitigado

A educação das crianças de 0 a 05 anos, concebida ainda, muitas vezes, como amparo e assistência, passou a figurar como direito do cidadão e dever do Estado, numa perspectiva educacional, em resposta aos movimentos sociais em defesa dos direitos das crianças.

Apesar da sua breve existência como um dever de Estado e direito de todos, a educação das crianças de 0 a 05 anos, vem, nos últimos anos, conquistando cada vez mais afirmação social e ganhando prestígio no cenário político, tornando-se objeto de políticas públicas.

Em 1988, a Constituição Federal reconheceu a Educação Infantil como direito fundamental da criança, das famílias, como dever do Estado, determinando que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de Educação Infantil, em creches e pré-escolas, às crianças até 05 anos de idade (Art. 208, Inciso IV, CF/88, com redação determinada pela EC nº 53, de 9 de dezembro de 2006).

A partir de então, o direito à Educação Infantil vem sendo assegurado em outras normas nacionais, tendo como destaque o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n° 8.069/1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei n° 9.394/1996), o Plano Nacional de Educação - PNE 2001-2011 (Lei n° 10.172/2001) e o Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024 (Lei nº13.005/2014).

Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o direito à Educação Infantil foi reafirmado e mecanismos de participação e controle social na formulação e na implementação de políticas para a infância também foram estabelecidos. Dessa maneira, a população passou a contar com a regulamentação de mecanismos de exigência legal dos direitos das crianças.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9394/96, por sua vez, incluiu efetivamente a Educação Infantil no sistema educacional brasileiro, passando a ser considerada, a partir de então, como a primeira etapa da educação básica. A referida lei especifica, em seu Art. 29, que a finalidade da Educação Infantil é o desenvolvimento integral da criança até os 05 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Para a garantia deste direito, a Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Poder Público o dever de garantir o atendimento a estas crianças em creches e pré-escolas, determinando no Art. 30, inciso VI, e Art. 211, caput, §2º e §4º, a responsabilidade dos municípios de atuação prioritária no Ensino Fundamental e na Educação Infantil, bem como o regime de colaboração, especificando que cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios definirem formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino.

Em atenção ao regime de colaboração entre os entes federados, o Plano Nacional de Educação de 2001 expressa a necessidade da atuação da União e dos Estados no apoio técnico e financeiro aos municípios para a implementação da política de Educação Infantil, afirmando que,

Na distribuição de competências referentes à Educação Infantil, tanto a Constituição Federal quanto a LDB são explícitas na corresponsabilidade das três esferas de governo – município, estado e União – e da família. A articulação com a família visa, mais do que qualquer outra coisa, ao mútuo conhecimento de processos de educação, valores, expectativas, de tal maneira que a educação familiar e a escolar se complementem e se enriqueçam, produzindo aprendizagens coerentes, mais amplas e profundas. Quanto às esferas administrativas, a União e os Estados atuarão subsidiariamente, porém necessariamente, em apoio técnico e financeiro aos municípios, consoante o art. 30, VI, da Constituição Federal (BRASIL, 2001).

Diante do exposto, percebe-se que os avanços sociais presentes nos textos das leis são inegáveis: reconhecimento da criança como sujeito de direitos, inclusão da Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica trazendo uma nova concepção de infância e educação, bem como, a afirmação de “prioridade absoluta” destinada às crianças e adolescentes12.

Neste contexto, Moraes (2006) enfatiza que,

12

Assim, como enfatizado por Feitosa (2009, p. 264-265) “Nessa expressão legal, as crianças são inseridas no mundo dos direitos humanos e são definidos não apenas o direito fundamental da criança à provisão (saúde, alimentação, lazer, educação lato senso) e à proteção (contra a violência, discriminação, negligência e outros), como também seus direitos fundamentais de participação na vida social e cultural, de ser respeitada e de ter liberdade para expressar-se individualmente. Esses pontos trouxeram perspectivas orientadoras para o trabalho na Educação Infantil e inspiraram inclusive a finalidade dada no artigo 29 da Lei n.º 9.394/96 às creches e pré- escolas”.

A Educação Infantil vive um momento significativo em sua história: o do reconhecimento de sua importância para a formação humana. Seu grande desafio é possibilitar que as crianças [...] tenham acesso a uma educação de qualidade e possam frequentar as instituições de ensino com a garantia de que encontrarão um espaço adequado para atender às suas necessidades e interesses, tendo respeitadas, dentro do coletivo, suas individualidades (MORAES, 2006, p. 16).

Desse modo, é possível compreender que a oferta da Educação Infantil pressupõe não só garantia de acesso, mas também garantia de um padrão de qualidade que respeite e valorize as especificidades das crianças. Com isto, é importante colocarmos como centralidade a seguinte compreensão:

O objetivo da Educação Infantil, do ponto de vista do conhecimento e da aprendizagem, é o de favorecer experiências que permitam às crianças a apropriação e a imersão em sua sociedade, através das práticas sociais de sua cultura, das linguagens que essa cultura produz, e produziu, para construir, expressar e comunicar significados e sentidos. É evidente que se torna imprescindível oferecer às crianças situações práticas e vivências que possam ser processadas e sistematizadas por um corpo que sente e pensa, desde o nascimento. Por esse motivo, é preciso escolher outras formas de priorizar, selecionar, classificar e organizar conhecimentos, mais próximos das experiências dinâmicas das crianças e não da visão fragmentada da especialização disciplinar, problematizada pela própria ciência (BRASIL, MEC, 2009c, p. 47- 48).

No que tange à garantia de acesso à Educação Infantil, uma breve análise dos dados sobre a temática expõe que a expansão do atendimento ainda é desafiada quanto a sua concretização. Segundo dados do IBGE (2011), apenas 20,8 % da população de 0 a 03 anos residentes no Brasil frequentavam algum estabelecimento de ensino. A realidade do atendimento das crianças de 04 e 05 anos é consideravelmente melhor, alcançando o índice de 77,4 % da população nesta faixa etária. No entanto, os dados demonstram que o Brasil não alcançou as metas previstas no PNE 2001, que tinha como objetivo o atendimento, até o final da década, de 50% da população de 0 a 03 anos de idade em creches e 80% da população das de 04 e 05 anos em pré-escola.

Quanto a dicotomia existente entre a legislação e a prática, Corrêa (2002) diz:

No caso da Educação Infantil, conhecer a legislação é importante não apenas para se buscar a efetivação de direito das crianças de zero a seis anos de

idade, como também para se ter ideia como o nosso país é tão competente para fazer boas leis quanto é para não cumpri-las (CORRÊA, 2002, p. 14).

Logo, percebe-se que mesmo após ter sido incluída oficialmente no sistema de ensino e apresentar uma forte expansão, a Educação Infantil apresentou um crescimento tímido, não avançando para a efetivação desta etapa como direito, tendo em vista que a implementação de uma lei está condicionada a uma série de aspectos que envolvem desde financiamento até vontade política (CASTRO; GONTIJO; PINTO, 2015, p. 337).

Com isto constata-se que, salvo a iniciativa de alguns poucos municípios dirigidos por gestores preocupados com uma política séria em relação à criança pequena e onde a pressão dos marcos social se mostra sistemática, ainda permanece a noção de uma proposta assentada nos objetivos de guarda, assistência e alimentação ou de ensino propedêutico, através da antecipação de conhecimentos, que visam a preparação para o Ensino Fundamental, desconsiderando a função precípua da Educação Infantil estabelecida pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI, 2010).

Ainda hoje, em 2016, em muitos municípios, a Educação Infantil é vista como benevolência dos órgãos públicos e não como um direito da criança. A justificativa apresentada para a negação deste direito está atrelada, na maioria das vezes, ao discurso relacionado à falta de orçamento que possibilite à expansão das vagas e à melhoria da qualidade do atendimento.

Mesmo não podendo desconsiderar as dificuldades relacionadas às restrições orçamentárias que marcam a história do financiamento da educação, têm-se que considerar que muitos municípios, em função do compromisso e da vontade política de gestores públicos municipais, conseguiram delimitar uma política séria em relação à criança.

Ao tratarmos da questão sobre o financiamento da Educação Infantil ressalta-se que apenas com a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica - FUNDEB pela Lei nº. 11.494, de 20 de junho de 2007, é que ficou constitucionalmente assegurado financiamento para as matrículas existentes nesta etapa escolar, resgatando o conceito de Educação Básica como direito. Neste sentido, Militão (2007) nos remete uma crítica à lógica da política de financiamento da educação imposta pelo antigo FUNDEF, nos seguintes termos:

Historicamente marginalizada no âmbito das políticas educacionais, a Educação Infantil sofreu, ainda, duro golpe com o advento do Fundo de 50

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Priorizando o ensino fundamental em detrimento do conjunto da educação básica, o FUNDEF restringiu o financiamento e, consequentemente, as possibilidades de ampliação do acesso e de maior abrangência da Educação Infantil, crescentemente ofertada pelas municipalidades (MILITÃO, 2007, p.1).

Mesmo considerando que a instituição do FUNDEB representou avanços em relação à situação anterior, permitindo que os municípios mantenham etapas de sua responsabilidade, este ainda é insuficiente para que as metas de expansão previstas no PNE 2001/2011 fossem alcançadas, tendo em vista que este Fundo não representa a inclusão de novos recursos para o sistema educacional como um todo, visto que se limita à tão somente à redistribuição de grande parte (80% de 25%) dos recursos já vinculados à educação (CALLEGARI, 2007; DAVIES, 2008, OLIVEIRA, 2007).

Diante da realidade apresentada, constata-se a necessidade da efetiva implementação do Regime de Colaboração entre a União, os Estados e os Municípios, conforme previsto em lei e reafirmado pelo PNE 2001/2011. Sem essa colaboração solidária, as metas e objetivos do PNE 2014-2024 também tornar-se-ão letra morta.

Diante deste quadro histórico de restrição orçamentária para financiamento da Educação Infantil, o Proinfância, criado em 2007, ao alocar recursos extras ao Fundo, destaca- se como uma estratégia eficaz do Governo Federal para o alcance da universalização da Educação Infantil, representando o cumprimento do seu papel no regime de colaboração do sistema federativo brasileiro, no âmbito das políticas de Educação Infantil, conforme veremos a seguir.

Assim, no próximo item analisamos as principais características do Programa Proinfância e seus pressupostos, elucidando e dialogando com os estudos realizados sobre o Programa no Brasil. Isso permitiu contextualizar o Proinfância no universo ampliado das políticas públicas voltadas para a Educação Infantil no Brasil.