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A infância brasileira no âmbito das políticas públicas: breves comentários

Priorizar a infância, no conjunto de muitas outras demandas, é uma estratégia inteligente para obter ganhos sociais e econômicos superiores a qualquer outro investimento. No entanto, para as crianças, mais importante do que preparar o futuro é viver o presente. Elas precisam viver agora e na forma mais justa, plena e feliz. (...) Para elas não podemos dizer “amanhã”: seu nome é hoje (PLANO NACIONAL PELA PRIMEIRA INFÂNCIA, BRASÍLIA, 2010).

Alberton (2005, p. 50) afirma que a infância brasileira até a década de 1980 foi esquecida pelo Poder Público, ficando à mercê do destino de seus pais, estando: longe dos bens de consumo, marginalizada, mal alimentada, muitas vezes fora da escola ou vítima de um ensino de baixa qualidade, sem perspectivas de futuro, sem profissionalização, sem o reconhecimento de direitos fundamentais.

Contudo, a partir da divulgação de normativas internacionais que sustentavam o princípio da universalidade dos direitos humanos, práticas correcionais, velhos modelos educacionais e assistencialistas foram questionados, ocasionando uma forte mobilização social em prol dos interesses de todas as crianças e adolescentes.

Em resposta a este processo de mobilização popular, a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 227, assegurou com absoluta prioridade, direitos fundamentais à população infantojuvenil, determinando a competência do Estado para a formulação de políticas que garantam desenvolvimento integral e vida plena às crianças, complementando a atuação da família.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, Art. 227, 1988).

Sem dúvida, o Estado brasileiro reconheceu a especificidade das crianças e adolescentes afirmando a necessidade de se garantir a todos esta proteção integral para o seu pleno desenvolvimento. Isto consagrou, portanto, a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente em contraponto a doutrina da situação irregular.

Com relação ao referido dispositivo constitucional, Alberton (2005) retrata o avanço na abordagem das determinações legais afirmando que:

Esta foi a primeira vez em que uma lei nacional reconhecia, de forma tão clara e contundente, que a meninada tem direitos! E também, pela primeira vez na história de nosso país, um dispositivo legal incluía como destinatários todas as crianças e adolescentes, sem discriminação por serem pobres ou delinquentes. [...] E pela primeira vez, se disse que a infância teria que ser protegida da ação e omissão dos adultos, que deveria ser colocada a salvo de toda forma de negligência, crueldade e opressão! (ALBERTON, 2005, p. 52).

O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, a serem protegidos e garantidos pelo Estado, pela sociedade e pela família com prioridade absoluta, como deflui deste dispositivo constitucional antes mencionado, implica a primazia de sua garantia, que exige ação concomitante destas três esferas de ação política – Estado, sociedade e família, e não supletiva, subsidiária ou complementar. Por conseguinte, revela-se nítido ser dever de todos salvaguardar os direitos da criança e do adolescente, com absoluta prioridade e por meio de políticas públicas efetivas e jurisdição especializada, assegurando a efetividade do mandamento e da dignidade humana, garantindo às crianças e adolescentes um desenvolvimento pleno e sadio.

A dignidade da pessoa humana ao corresponder a um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, também alcança crianças e adolescentes, tratando-se de um valor supremo, irrenunciável. Para Moraes (2006, p. 16),

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da

própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2006, p. 16).

Contudo, Barbosa (2013) enfatiza que crianças e adolescentes, em função da vulnerabilidade decorrente da sua própria condição de seres humanos física e psicologicamente incompletos, ainda em formação em relação aos adultos, é justificado o tratamento jurídico diferenciado com o objetivo de se alcançar uma isonomia material. Segundo a autora, esta discriminação legal positiva, visa conferir tratamento jurídico diferenciado aos desiguais, tendo início, justamente, sob o manto de incidência do vetor da dignidade da pessoa humana e do respeito à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Assim, tratar as crianças e adolescentes como “sujeito de direitos” significa permitir a composição de sua individualização como pessoa, deixando de tratá-la como objeto e reconhecendo-a como titular de direitos juridicamente tutelados. E, com isto, torna-se necessário o estabelecimento de um sistema especial de proteção por parte do ordenamento jurídico para que as diferentes necessidades apresentadas pelas crianças em relação aos demais grupos de seres humanos sejam supridas.

No bojo destas constatações, em 13 de julho de 1990 foi sancionada a Lei Federal nº 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reconhecendo as crianças e adolescentes como “Sujeitos de direitos” e “Prioridade Absoluta”.

Para Barbosa (2013) este princípio reflete

[...] a ideia de que, em razão de a criança e o adolescente se encontrarem em uma etapa da vida precípua de desenvolvimento e formação, estes indivíduos necessitam de uma atenção especial, imediata, que lhes proporcione absoluta prioridade em termos de proteção e socorro, atendimento em serviços públicos, implementação e excursão de políticas públicas e em privilegiada destinação de recursos financeiros (BARBOSA, 2013, p. 31).

Neste sentido, Kreus (2012) explicita que a prioridade em favor da criança e do adolescente é absoluta, e por isto, deve sobrepor às demais, como é o caso daquela conferida

às pessoas idosas ou aos cidadãos portadores de necessidades especiais. Para exemplificar, o autor expõe as interpretações de Andreia Rodrigues Amin, que afirma,

Se o administrador precisar decidir entre a construção de uma creche e de um abrigo para idosos, pois ambos são necessários, obrigatoriamente terá de optar pela primeira. Isso, porque, o principio da prioridade para idosos é infraconstitucional, pois estabelecido no art. 3º da Lei 10.741/03, enquanto a prioridade em favor de crianças é constitucionalmente assegurada, integrante da doutrina da proteção integral (AMIN, apud KREUZ, 2012, p.71).

Barbosa (2013) argumenta que conferir prioridade absoluta à observância dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes é de fundamental importância para o desenvolvimento sadio destes cujas “necessidades são inadiáveis e prementes”, alegando que negar vigência ao princípio da prioridade absoluta é largar ao descaso seres humanos que, por sua condição de fragilidade, incapacidade e dependência, mais necessitam de amparo familiar e social (BARBOSA, 2013, p. 32). Além disto, a autora ressalta a urgência do tempo da infância e da adolescência, destacando que o não suprimento de necessidades básicas da criança ou adolescente no momento oportuno poderá acarretar máculas que o acompanharão pelo resto de sua vida. Para exemplificar tal assertiva, ela afirma que

[...] a deficiência na alimentação do ser humano enquanto criança lhe implicará problemas de desenvolvimento físico irreversíveis; a não vacinação na idade correta pode importar a contração de doenças que poderiam ser facilmente prevenidas; a impossibilidade de acesso a uma educação básica satisfatória acarretará dificuldades na continuidade da vida escolar, obstando, inclusive, a obtenção de um emprego digno no futuro (BARBOSA, 2013, p.32).

Assegurar proteção integral a todos os indivíduos que ainda se encontram em etapas de desenvolvimento, significa outorgar a todas as crianças e adolescentes, plena observância de seus direitos, assim como a responsabilização dos agentes cujas condutas implicarem violação da nova sistemática legal. Contudo, esta proteção integral implica na implementação de políticas públicas com enfoque prioritário na criança e no adolescente através das linhas de ação da política de atendimento determinadas pelo Art. 87 do ECA.

I. políticas sociais básicas;

II. políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem;

III. serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;

IV. serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;

V . proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

VI . políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

VII. campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos (BRASIL, 1990, art.87, Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).

No que se refere às linhas de ações governamentais e não governamentais de atendimento, Barbosa (2013) salienta que estas representam o sistema de garantias infantojuvenis, e que podem ser divididos em três blocos, sendo eles,

Um sistema primário, que objetiva a implementação de políticas básicas universais, destinadas a todos os indivíduos integrantes do bloco infância e adolescência; um sistema secundário, destinado a atender crianças e adolescentes vitimizados, por meio de políticas de proteção especial; e um sistema terciário que faz incidir políticas e medidas socioeducativas aos adolescentes acusados da prática de ato infracional (BARBOSA, 2013, p. 35).

Tendo em vista a importância dos direitos componentes do sistema primário de garantias, uma vez que quanto maior for o nível de oferta das políticas sociais básicas, menor será a necessidade de políticas de assistência social, proteção especial e garantias de direitos (RIBEIRO; SANTOS; SOUZA, 2010, p.197, apud BARBOSA, 2013, p. 35).

Focamos a seguir, dentre os direitos fundamentais inerentes a todas as crianças, o direito à educação. Tratamos especificamente do direito à educação das crianças compreendidas entre a faixa etária de 0 a 5 anos, objeto de estudo do presente trabalho. Esta

discussão está contextualizada no bojo das políticas sociais básicas como linha de ação da política de atendimento.