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Após o exame dos princípios, valores e das estratégias de al- gumas abordagens, aqui denominadas de alternativas, resta-nos ver como se aplicam no contexto da Educação Musical.

Do mesmo modo que na educação alternativa, procuraram-se referências à expressão “Educação Musical alternativa”.

Ann C. Clements (2010) examina 25 propostas de Educação Musical inseridas em contexto alternativo, entre elas, O Passo.1

Em seu texto, ressalta a constante dificuldade encontrada por parte dos professores em estabelecer uma concepção de Educação Mu-

1. O Passo: proposta de Educação Musical originada no Brasil e desenvolvida por Lucas Ciavatta, em 1996, conecta corpo, ritmo e voz para acessar a lin- guagem musical.

sical e de praticá-la de modo a acompanhar as transformações pe- dagógicas.

A Educação Musical alternativa já era praticada no Brasil desde 1971 – ano de instalação de nova política educacional pela Lei no 5692/71, e ainda convivia em paralelo à Educação Musical

tradicional, como mostra Fonterrada em sua pesquisa de mestrado (1991). Enquanto a Educação Musical tradicional baseava-se em métodos planejados para facilitar a compreensão e aquisição da lin- guagem musical e alcançar a alfabetização e o domínio instrumental por meio da utilização de repertório tradicional, a Educação Mu- sical alternativa se desenvolvia de diferentes maneiras e era deli- neada de acordo com a visão do professor. Tinha a prática, a expressão e a criação como prioridades, ao lado de conteúdos fle- xíveis e uso de repertório que incluía a música contemporânea, mas não apresentavam mudanças estruturais (Fonterrada, 1991, p.88- 109).

A partir dos pensamentos da Escola Nova, introduzidos no Brasil em 1932, protagonista de um ensino democrático com ênfase mais na prática do que na teoria, os modelos tradicional e renovado coexistiam. A Educação Musical não ficou imune à simultaneidade de abordagens e princípios e se desdobrava. Por um lado, dava-se o ensino de instrumento, de canto, a musicalização para crianças pe- quenas e a institucionalização do canto orfeônico, baseado em prin- cípios nacionalistas, sob a coordenação do compositor Villa Lobos, em âmbito nacional a partir de 1942; por outro, mostrava-se pre- sente em cursos experimentais, focalizados na preocupação com a renovação do ensino e voltados para estéticas vanguardistas, em que a criação e discussão eram constantemente buscadas. Esses movimentos não ocorriam apenas na música, mas mostravam-se, também, no ensino de outras artes. De acordo com a profa Ana Mae

Barbosa, nessa época ocorria uma verdadeira colagem de práticas, que abrangiam princípios tradicionais e vanguardistas (Barbosa, apud Fonterrada, 1991, p.23-34). De 1931 até 1961, o Canto Or- feônico era o modelo oferecido nas escolas brasileiras, que mais

tarde, por meio da Lei de Diretrizes e Bases no 4.024, foi substi-

tuído pela disciplina de Educação Musical. Em 1971, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação no 5.692/71, criada durante o re-

gime militar, “a Música deixou de ser uma disciplina autônoma no currículo de ensino de 1o e 2o grau” (Vertamatti, 2008, p.64) e

passou a integrar o componente curricular denominado Educação Artística, considerado atividade e não disciplina. A Educação Ar- tística, constituída por quatros formas de expressão – música, artes plásticas, desenho e artes cênicas – determinou um novo tipo de professor, o chamado professor polivalente, supostamente prepa- rado para trabalhar as quatro linguagens. Em 1973 (Resolução no

23/73, artigo 2o) foram instituídas as licenciaturas em Educação

Artística e as universidades passaram a receber uma grande quan- tidade de professores, que procuravam os cursos oferecidos nos mais diversos horários. Com o correr do tempo, a prática da poli- valência começou a enfraquecer; as fronteiras entre as linguagens foram desaparecendo e a Música, gradativamente, desapareceu da realidade escolar, prevalecendo, então, as atividades de artes plás- ticas. Em 1996, outra Lei de Diretrizes e Bases estabeleceu novos rumos à educação brasileira. Nessa mudança, a Música passou a ser considerada, como as outras artes, uma forma de conhecimento, e não mais apenas uma atividade. Contudo, no currículo, embora já se falasse na necessidade de professor especialista, a prática não mudou tanto assim e a Música continuou a ser pouquíssimo prati- cada, não obstante alguns projetos aplicados na escola, que, no entan to, são exceções que confirmam a regra. Em 2008, a Lei no

11.769 dispôs sobre a obrigatoriedade do ensino de Música nas es- colas, embora não dissesse “como”. Hoje, vive-se um tempo de busca e reflexão a respeito da prática de Música na escola, pois existe a consciência de que a lei precisa ser cumprida, embora isso seja muito difícil a curto prazo, por uma série de fatores, inclusive pela falta de número suficiente de licenciados em Música no país.

Oficina de Música

Durante o período da prática da Educação Artística, surgiu no Brasil o que ficou conhecido como Oficina de Música. Desde o final do século XIX até os dias de hoje, mudanças significativas ocorreram na linguagem musical. O ruído, por exemplo, passou a fazer parte do material composicional. A irregularidade métrica, os acordes dissonantes, o timbre e o silêncio foram amplamente ex- plorados. Os compositores experimentaram diferentes maneiras de tocar os instrumentos musicais, de utilizar a voz e buscaram ma- neiras diversas de organizar o material sonoro e compor música. Ao mesmo tempo, os experimentos da música concreta e eletrônica e a posterior fusão na música eletroacústica contribuíram para a aber- tura de infinitas possibilidades emEducação Musical.

A Oficina de Música serve-se desse material da produção contem porânea surgido das experimentações sonoras realizadas por professores-compositores, que os utilizavam nos encontros que promovia. A Oficina de Música no Brasil foi impulsionada, prin- cipalmente, por Conrrado Silva e Emilio Terraza. De acordo com Terraza, diferentes práticas se juntam sob o nome Oficina de Mú- sica, em que a prática e a teoria estão a serviço da exploração so- nora, isto é, dos parâmetros do fenômeno acústico (Terraza, 1978). As oficinas eram realizadas com a participação de muitos alunos, entre eles, professores, músicos, leigos e crianças. Neles, priorizava-se o fazer musical e a teoria alimentava a prática.

O professor doutor José Nunes Fernandes, docente da Unirio, reuniu vários relatos de personagens do meio musical ligados ao movimento de Oficina de Música no Brasil (2000) que apontam para um procedimento aberto, não padronizado, das oficinas, cuja finalidade era a construção do conhecimento por meio da criação, a qual ocorria pelo contato direto com o universo sonoro. Segundo Conrrado Silva, a oficina era um espaço para aprender música com- pondo, um exercício de fazer música a partir da experimentação, e tinha como referência, principalmente, a linguagem musical con- temporânea (Fernandes, 2000, p.84-5).

De acordo com esse documento, não havia consenso quanto aos objetivos (idem, p.87-92), os quais variavam conforme o profes sor; entre os mais citados, apontam-se: encontrar o equilí- brio do aparelho psíquico; sociabilizar, estimular o trabalho em conjunto, sensibilizar o indivíduo para o fenômeno sonoro; desen- volver a percepção de organizações sonoras incomuns; de senvolver a sensibilidade; aproximar o aluno da música contemporânea; criar; estruturar. Nessa modalidade, o professor não tinha a função de ditar as regras, mas alimentar e dar autonomia a seus alunos (ibidem, p.92-3).

Os relatos contidos no estudo de Nunes Fernandes nos mos- tram que o planejamento era flexível e se adaptava ao público aten- dido e ao seu coordenador, mas ancorava-se na descoberta e fazia uso, muitas vezes, de um roteiro de trabalho. No entanto, era neces sário o conhecimento da disciplina por parte do professor, para evitar a superficialidade do trabalho.

Pelas atividades apresentadas por Conrrado Silva em seu ar- tigo “Oficina de Música” (Silva, 1983, p.14), percebem-se prin- cípios muito semelhantes aos descritos nas escolas apresentadas anteriormente: relação com o meio mediante sensibilização do es- paço acústico; autonomia e autoaprendizado, por meio da explo- ração sonora, conduzida a uma posterior organização; trabalho em grupo, que tem o mérito de desenvolver o convívio com o outro; e a consequente aceitação da diversidade de ideias, de maneira demo- crática e interdisciplinar.

Aos tópicos de análise utilizados nas abordagens alternativas: • reflexão a respeito da própria prática;

• educação a partir da relação homem-sociedade;

• concepção do aluno em sua dimensão individual e social; • trabalho em grupo e por projetos;

• autonomia e debate; • conteúdos flexíveis; • ambiente aberto ao diálogo;

• concepção do professor como orientador e provocador de situações;

• autoavaliação,

aliados ao sentimento de pertencimento e cuidado com o meio, acrescenta-se agora o item exploração sonora, entendida como criação musical.

Abordagens alternativas em