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Ao se analisar as respostas fornecidas a essa pergunta, encon- tra-se um dado surpreendente: as atividades artísticas, esportivas e relacionadas ao audiovisual e à informática, disputam entre si a preferência dos jovens, evidenciando o interesse e a necessidade que têm de se movimentar, sobretudo na forma de jogo, e de traba- lhar a expressão e a criatividade.

Grãfico 1.9 – O que gosta de fazer

A leitura e a escrita, bases do sistema escolar tradicional atual- mente vigente em grande parte das escolas e também no colégio onde foi realizada esta pesquisa, estão entre as últimas neces sidades do jovem a serem atendidas.

O uso da criatividade na atual sociedade é relativizado, pois, do ângulo da indústria de consumo, ela é, de um lado, procurada, e, de outro, padronizada. A cultura de massa, em função de seu objetivo de alcançar grandes massas e, por conseguinte, aumentar o lucro, convive, a um só tempo, com o padrão e com a novidade. A indús- tria de consumo não incentiva a criatividade ao se voltar para o con- sumo, mas depende da criatividade para aumentar as vendas. No entanto, o padrão, dentro de relativa criatividade é a sua garantia de lucro. Isso acarreta uma acentuação das fronteiras entre o culto e o popular, entre a elite e a massa. Paralelamente, o artista, perten- cente ao universo culto, muitas vezes se vê obrigado a se submeter aos mecanismos da indústria de consumo para atingir seus obje- tivos. Aponte-se ainda que, enquanto em alguns setores a criativi- dade é almejada, em outros ela é vista com restrição. Contudo, o objetivo é sempre atingir o consumidor, o lucro.

A escola precisa ter um olhar cuidadoso e crítico a respeito dessa questão, pois, muitas vezes, sob a máscara da criatividade, escondem-se clichês de pensamentos e ações.

Tabela 1.10 – O que gosta de fazer

Fazeres 6o ano 7o ano 8o ano 9o ano

Atividades artísticas 35,7 23,5 20,0 22,9 Jogo/Brincadeira/Esporte 28,6 23,5 25,7 19,0 TV /PC 16,7 33,7 15,7 23,8 Diversos 10,7 14,3 28,6 22,9 Amigos 4,8 4,1 5,7 6,7 Ler/Escrever 3,6 1,0 4,3 4,8

A partir dos dados coletados, foi possível detectar traços do perfil desses jovens, o que deu subsídios para a reflexão e elabo- ração de atividades musicais, seleção de materiais a serem traba- lhados nos encontros musicais, além de servir de facilitador do diálogo entre o professor e o aluno. No entanto, talvez, o ganho mais importante tenha sido o de auxiliar na compreensão da cul- tura jovem, o que contribuiu, no caso desta pesquisadora, para a instalação de um processo de mútuo aprendizado.

Pelos dados apresentados, é possível verificar que o contexto escolar está distante da realidade do adolescente e que é preciso re- fletir a respeito, não só de conteúdos e repertório musical, mas também da escola e da prática docente.

Barbero afirma que, a partir do momento em que o ensino “fa- lhou em sua função” e que o adolescente percebeu que o diploma não é mais garantia de sucesso, ele ressignificou a escola, confe- rindo a ela um “meio de se informar a respeito do que acontece” (Barbero, 2008, p.15). Grande parte das escolas encontra-se presa a modelos tradicionais, sem se abrir para as mudanças que acon- tecem de maneira constante.

Por outro lado, o audiovisual nos remete, em parte, à cultura de massa, que, em muitos campos, é vista como uma cultura uni- forme, homogênea. Entretanto, na visão de Garcia Canclini, o con- ceito de homogêneo é questionável, pois ele não acredita em um público homogêneo e previsível, mas em um corpo que abriga dife-

rentes setores econômicos e educativos, que têm hábitos e costumes diferentes e que, por isso, perceberão e usufruirão de maneira di- versa os produtos a eles apresentados. Não há uma única maneira, ou uma única mensagem a ser recebida. “A relação emissor e re- ceptor é assimétrica” (Garcia Canclini, 2008a, p.150-9). O autor defende a ideia de relativa autonomia da recepção desse público. Canclini reconhece o controle por parte da sociedade sobre os meios de comunicação, mas acredita que existam espaços, fendas nas quais e pelas quais o “público” age de forma autônoma. Can- clini fala da existência de um grande descompasso entre a escola e a era digital, pois, enquanto a primeira separa, a segunda converge.

O conceito de leitor também mudou; hoje, ele é um internauta. O internauta é um agente multimídia, que, ao mesmo tempo, lê, ouve e combina vários tipos de materiais (Garcia Canclini, 2008b, p.22). A escola, por outro lado, já não influencia o jovem como fazia anteriormente. A informação está ao alcance de todos, e cada vez de maneira mais ampla. Mesmo munida de recursos audiovi- suais, a escola não garante a modernização, pois se pauta, muitas vezes, em métodos e modelos tradicionais. Canclini questiona ainda os motivos que levam a escola a manter somente a leitura im- pressa. A leitura da Internet não substitui a leitura tradicional; ambas podem se completar.

Se partirmos do princípio de que o público não é um conjunto de elementos homogêneos e, dessa maneira, apresenta apropria- ções e interpretações diversas dos bens culturais, e se o discur so midiático, apesar de transmitir uma ideologia de mercado, não tem controle sobre a maneira pela qual o público recebe a es tética cul- tural, pode-se pensar, então, em brechas no poder do discur so he- gemônico, as quais fornecem indícios para a atuação crítica por parte do professor e ampliam o leque dos bens culturais do ado- lescente – e que, talvez, seja possível atuar – dentro dessa cultura de massa, midiática ou audiovisual – não de modo atrelado a có- digos, sistemas ou metodologias, mas dedicando-se ao estudo dos fe nômenos sociais do público atual de alunos, e à maneira que atua diante das transformações. É preciso que se reflita a respeito dos

processos hegemônicos e heterogêneos, para repensar a função do professor de Música diante dessas mudanças.

Pergunta-se, então, qual será o papel primeiro da educação? Atualmente, o sistema educacional do país, mas também de outras nações, fundamenta-se em processos que oferecem espaços res- tritos à visão complexa dos problemas. De que maneira pode-se orientar o jovem em seu estar no e com o mundo? Nas palavras de Morin, “a função da educação, é auxiliar os espíritos a enfrentar a vida e suas incertezas, a reformar o pensamento para considerar os problemas fundamentais e globais e a produzir a compreensão hu- mana” (Morin, 2002, p.6).

A reforma da vida se faz necessária e a educação certamente pode contribuir se sair de sua obscuridade e procurar nas ferra- mentas fornecidas pelo contexto social elementos para um novo caminho. Como diz Mario Sergio Cortella (2003), a referência da educação deve se voltar para o futuro, para o incerto, para a crise e dela tirar o germe de uma nova pedagogia. Há, no entanto, que se preocupar em promover um novo professor, não no sentido de ser substituído fisicamente, mas renovado em intenções, em utopias, independentemente de sua valorização perante o Estado.

As palavras de Morin traduzem o pensamento de uma nova visão de educação.

Heidegger diz: “a origem não está atrás de nós. A origem está à nossa frente”. O sentido que dou a essas palavras, como se pode ver, é que temos uma nova origem à nossa frente. Possível, mas incerta. Podemos ir na direção de um novo começo. Podemos pre- parar-nos para a refundação. Devemos esperar pela regeneração. Mas, bem entendido, não se deve mais continuar sobre este ca- minho. É algo enorme, gigantesco, aleatório, incerto que se apre- senta a nossa frente. Mas é talvez a maior missão, a mais nobre de toda a história humana, que é aquela que consiste não apenas em salvar a humanidade do desastre na direção do qual ela vai, mas, talvez, através dessa salvação, preparar, quem sabe, um mundo novo, que não vai resolver todos os problemas automaticamente,

mas que abrirá um caminho, um novo caminho. Também, sem programas, sem planificação, sem discurso sobre o que deve ser feito para a abertura, nossa abertura, que deverá ser criadora. Temos apenas duas ou três tochas, a paixão, o amor e a inteligência e, agora, podemos ir. “Caminante, no hay camino, el camino se hace al andar”,23 como disse o poeta espanhol, caminhante, o ca-

minho se faz ao marchar! (Morin, 2003, p.8)

Essas foram as palavras utilizadas por Morin para encerrar sua palestra no Seminário Internacional de Educação e Cultura. O poema, de Antonio Machado, expressa uma maneira simples e complexa de se relacionar com a vida. Mais do que métodos e me- todologias, a essência está na alegria de aprender, de valorizar as coisas simples e aprender com elas. Um dia uma pedra, outro um diamante, assim se constrói o caminho. No entanto, nada disso im- porta se não se souber, acima de tudo, aprender, nas palavras de Cortella, a “esperançar”, a educação.

23. Poema de Proverbios y Cantares, estrofe XXIX, de Antonio Machado, poeta espanhol do modernismo.

CONEXÕES E PROCESSOS: