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pontos em comum com as pedagogias estudadas

Freire atuou entre a população menos favorecida construindo uma proposta político-pedagógica com um método de alfabeti- zação que obtinha resultados rápidos. A proposta chegou a ser ado- tada pelo Programa Nacional de Alfabetização, mas, com o golpe militar de 1964, foi considerada subversiva, o que levou Freire a ser condenado ao exílio, na Bolívia. Durante esse período, escreveu seus livros Educação como prática da liberdade (2005b) e Pedagogia

do oprimido (2005a), ambos conhecidos pelos profissionais da área

pedagógica. Com o decreto da anistia, em 1979, Freire retornou ao Brasil e, em 1988, durante o governo de Luiza Erundina na prefei- tura municipal de São Paulo, ocupou o cargo de secretário muni- cipal de Educação (Barreto, 1998, p.46).

A partir dos itens aqui trabalhados na análise das escolas, a saber: referencial teórico, concepção de educação, autonomia, con- cepção de aluno, estratégias e dispositivos, conteúdo, concepção de professor e avaliação, pode-se verificar que, além de as três aborda- gens defenderem princípios e conceitos muito próximos entre si, estes também se aproximam das concepções de educação defen- didas por Paulo Freire.

No que diz respeito ao referencial teórico, Freire, do mesmo modo que as escolas anteriormente apresentadas, é partidário do pensamento segundo o qual a teoria só se faz a partir da prática e que esta deve ser, constantemente, objeto de reflexão e questiona- mento. Em sua opinião, o conhecimento deve ser construído a partir da experiência (Freire, 2002, p.11).

Assim como as três escolas, Freire se opõe ao sistema educa- cional vigente em sua época de atuação e o denomina de “educação fechada” ou “sistema bancário”, pois se baseia na instrução e na

memorização de conteúdo, no qual o professor faz depósitos de conhe cimento no aluno, que, por sua vez, recebe o capital que a ele foi entregue. Segundo o autor, a prática bancária “anestesia e inibe o poder de criação dos alunos” (Freire, 2005a, p.66-7).

Com relação à concepção, o modelo de Paulo Freire é o de uma educação humanista, que acredita no homem e o vê como agente transformador de seu tempo. Concebe a educação como um conhe- cimento crítico a respeito de como o ser humano está no mundo e com o mundo e, portanto, defende que a educação só existe com conscientização (idem, p.82).

A proposta de Freire se alinha às das escolas aqui apresentadas, que veem o homem em sua dimensão individual e social. Para Freire, o ser humano é compreendido a partir de suas relações com o mundo. O homem é um “ser de relações”, diz ele. Assim, estar com o mundo é se relacionar com ele, transformar e ser transfor- mado. A relação do homem com o mundo o faz sentir-se partici- pante e responsável pelo seu habitat, por sua comunidade. O estar com o mundo envolve comprometimento. Para que isso ocorra de maneira saudável e equilibrada é necessário que haja reflexão a res- peito dessa relação (Freire, 2005b, p.45-9).

A autonomia também aparece na proposta de Freire, vista como um direito a ser preservado. Para que isso seja possível, as experiências e a cultura do aluno, assim como suas condições de vida, precisam ser não só respeitadas, mas utilizadas como gera- doras de conhecimento. Seguindo esse pensamento, a curiosidade, os anseios, a linguagem e a cultura do aluno devem ser valorizados. Segundo a visão de Freire, o respeito à cultura do estudante diminui a distância entre os mundos do professor e do aluno (Freire, 2002, p.35-8).

Outro elemento comum entre a concepção de Freire e as das escolas da Ponte, Reggio e Jenaplan é a concepção dialógica, prin- cípio fortemente defendido por Freire, também presente naquelas escolas, que pode ser exemplarmente sintetizado no princípio da assembleia, anteriormente descrito.

A ação dialógica é movida por discussões e debates que ocor rem entre os componentes de grupos, entre os grupos e entre professor e aluno. O agrupamento de alunos não obedece a regras fixas, mas se estrutura na heterogeneidade e se estabelece em cír-

culos de debate.

O diálogo depende do conhecimento do universo do aluno, que é feito mediante levantamento da realidade do grupo a ser tra- balhado (vocabulário, situações vividas pelos grupos, interesses, inquietudes). Encontros informais ou entrevistas são estratégias utilizadas para esse fim. A partir das informações colhidas, elegem- -se temas que correspondam à construção do conhecimento ade- quado ao grupo. Os temas são denominados temas geradores, que funcionam como desafio. São eles que desencadeiam os debates dos grupos. Os temas geradores devem ser significativos para os alunos e, por isso, partem, necessariamente, de suas realidades e necessi- dades. Sendo relevantes ao grupo, permitem que sejam percebidos pelos alunos como totalidade significativa. A identificação com o tema, por parte dos alunos, propicia a análise crítica e elaborada e permite que o grupo o perceba e reflita a respeito de suas partes. A consciência das partes, por meio da reflexão e análise, favorece a ressignificação do todo. É um movimento de ida e volta, do todo para as partes que retorna ao todo, construindo a consciência do problema (Freire, 2005a, p.109-12). Todos esses elementos estão claramente presentes nas propostas anteriormente descritas.

Aponta-se, ainda, como semelhança entre a proposta de Freire e as abordagens das escolas alternativas, o conteúdo não fixado nem determinado previamente. Ao contrário, ele nasce e parte do grupo de alunos em diálogo com o professor e reflete os anseios, as esperanças e a maneira de o aluno estar com o mundo.

O professor também é parceiro e sujeito do processo de edu- cação junto com o aluno. É um problematizador e, ao mesmo tempo, facilitador da construção e ampliação do conhecimento. Do mesmo modo que nas escolas descritas, Paulo Freire espera que o professor saiba escutar o aluno – suas dúvidas, incertezas, dificul-

dades. Ao escutar o aluno, o professor aprende a falar com ele. Es- cutar é dar espaço para o aluno se expressar, sem que isso signifique desvalorizar a ação do professor. Toda liberdade deve ser pautada na responsabilidade (Freire, 2002, p.75).

Por último, e de modo análogo, para Freire, a avaliação não é sinônimo de medição de conhecimento, mas consiste na verificação das transformações de pensamento que ocorreram durante o pro- cesso de estudo, pesquisa e debate (Freire, 2002).

Com base nessa apresentação e com o propósito de subsidiar as atividades desenvolvidas com os alunos do Colégio São José, su- blinham-se alguns elementos que sintetizam as abordagens das esco las apresentadas. Acredita-se que os itens assinalados sejam passíveis de ser empregados, mesmo em ensino convencional, de maneira sistematizada ou alternativa na prática pedagógica. São eles:

• reflexão estabelecida a partir da prática, subsidiada pelo estudo teórico;

• conceito de educação fundamentado na consciência da re- lação homem-sociedade;

• concepção do aluno como ser individual e social; • trabalho por grupos e por projetos;

• autonomia e discussão de temas, propostas, conflitos e resul tados;

• conteúdo flexível, estabelecido a partir do diálogo com o aluno;

• ambiente que favoreça o diálogo;

• função do professor como orientador, mediador e criador de situações;

• implantação de processos de autoavaliação.

Durante o processo de busca por significados e sentidos da ex- pressão “educação alternativa”, e numa tentativa de generalizar o conceito de modo a tornar possível sua aplicação em diferentes

ambientes escolares, chegou-se à visão defendida pela consultora de educação ingle sa Fiona Carnie (2003). Contrária à abordagem uniforme de ensino, a autora concebe a educação alternativa como um conceito que significa “diferentes coisas para diferentes pes- soas” (2003, p.2). Para ela, a abordagem alternativa baseia-se nas necessidades do aprendizado individual. É uma educação inclu- siva e holística, que auxilia o desenvolvimento do ser humano como um todo integrado e sustenta-se em valores ecológicos. Uma educação só será inclusiva quando incorporar a gramática do cui- dado de seus membros – adultos e crianças –, da seriedade das re- lações e da valorização dos indivíduos que pertencem à comunidade escolar, independentemente de sua etnia, aparência, crença ou se- xualidade. Se as escolas tornarem-se comunidades sustentáveis, poderão assegurar em seus currículos a prática da integridade. Faz-se necessário resolver as contradições existentes entre o en- sino, a necessidade da prática da sustentabilidade e o desperdício insustentável que existem dentro da escola. Ensinar às crianças as razões que causam o aquecimento global caminha de braços dados, por exemplo, com o tipo de transporte utilizado no trajeto casa- -escola, ou com o uso de energia proveniente de fontes renováveis. É dessa maneira que a criança aprende que a mudança é possível. Para Fiona Carnie, a ênfase deve estar na palavra comunidade, na criação de escolas em que todas as pessoas carreguem o sentimento de “pertencimento” e na possibilidade de contribuição dos seus membros em relação ao meio. Só assim a educação será um pro- cesso dinâmico, significativo e relevante. Este é o desafio das es- colas no século XXI (Carnie, 2003, p.1-14).

Nesse sentido, há que se registrar uma proposta concebida a partir de princípios semelhantes às abordagens alternativas, ante- riormente expostas, mas que agrega a ênfase na sustentabilidade da comunidade. Trata-se do Centro de Alfabetização Ecológica, que dialoga com os dez tópicos sintetizados, mas é singular em sua abordagem.