• Nenhum resultado encontrado

4 EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO EMOCIONAL

4.1 EDUCAÇÃO POPULAR – MUITAS VEREDAS

Os caminhos da educação popular são vastos, cheios de margens. Decorridos mais de 60 anos, do marco inicial proposto por alguns autores, a educação popular soube resistir e continua atuante. Esses caminhos da educação popular no Brasil e na América Latina trazem consigo uma profunda marca de luta e de sonhos e tem interface com a própria história dos movimentos sociais populares, não a história das elites, dos donos do poder, mas a história dos oprimidos, dos desvalidos, dos torturados, dos poetas sonhadores, que mantêm acessa a chama de tornar nossa sociedade mais democrática, mais humanizada e mais justa.

Tavares (2015) ao situar a educação popular, no Brasil, afirma que esta tem sua certidão de nascimento na cidade de Recife (PE), no ano de 1960, sendo vinculada,

histórica e politicamente, nos movimentos sociais. Trata-se de uma pedagogia, conjunto de princípios políticos, epistêmicos e pedagógicos, que se fundamentam em ações e políticas junto aos movimentos sociais, que têm como predisposição a dialogicidade, compromisso ético e político e as conexões epistêmicas mais transversais.

A educação popular é também resistência, água mole que afia a pedra dura, tem muitas faces, mas na essência é luta que sempre continua. É um rio grande, de muitos afluentes – veredas luminosas des-velando a escuridão. Entre as muitas vozes que alumbram a solidão dos oprimidos, pode-se destacar o encontro das vozes amorosas de pensadores e pesquisadores que se dedicam à luta contra a opressão.

Duas vozes, todas elas plurais e solidárias, podemos destacar: o trabalho da ANPEd (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação), principalmente o Grupo de Trabalho Educação Popular, que desde 1982, busca ―a produção de conhecimento plural, dialógico e polifônico, que se nutre da problematização e da ampliação de paradigmas clássicos da cientificidade‖ (Tavares 2015; Costa; Fleury, 2001).

A outra voz plural é da CEAAL – Conselho de Educação de Adultos de América Latina – que através de sua revista virtual ―La Piragua‖, tem contribuído de forma decisiva e democrática para o enriquecimento e aprofundamento de diferentes saberes e conhecimentos populares.

Sobre a resistência e os novos desafios da educação popular na América Latina e no Brasil, merecem destaque os trabalhos desenvolvidos por dois importantes pesquisadores Danilo Streck e Afonso Carrillo.

4.1.1 Educação Popular e os novos territórios

Streck (2013) destaca a importância do conceito de território na compreensão da trajetória da Educação Popular:

Primeiramente, porque o espaço é essencial para o desenvolvimento da vida. A globalização e as tecnologias digitais descontruíram certa noção de território, mas isto não significa que as pessoas vivam suspensas no ar.‖ (...) a discussão de território é hoje fundamental para compreender os movimentos sociais (...) a sociedade em movimento. (STRECK, 2013, p.356.)

Mesmo considerando a importância do território, Streck (2013), considera que a globalização e as tecnologias digitais desconstruíram a noção de território, o que não

significa que as pessoas ficaram suspensas no ar. As relações sociais que expressam interesses de grupos e classes são também relações de poder, e essas se desenvolvem um determinado espaço, até no virtual. Ao adotar essa compreensão de território, ou seja, o lugar aonde as coisas acontecem, colabora-se com a compreensão dos movimentos sociais e da sociedade em movimento. Com isso, pretende-se refletir sobre quais os lugares onde hoje se realiza a educação popular, que territórios estão sendo abandonados e quais novos territórios estão sendo construído, bem como quais são os seus sujeitos.

Streck (2013), enfatizando a questão territorial, estudou os territórios de onde vêm os trabalhos da ANPEd e constatou que, de 190 trabalhos apresentados entre 1999 a 2010, no GT Educação Popular, 32 são de territórios diferentes, identificando-se que 38 deles se enquadram em questões de caráter teórico, 47, para os campos de educação do campo, gênero, ecologia e grupos étnicos e movimentos sociais.

A questão do território sempre foi relevante para Paulo Freire e para Educação Popular, o que é enfatizado pro Streck (2013) ao citar Freire (1995): ―minha terra é a coexistência dramática de tempo díspares, confundindo-se e no mesmo espaço geográfico - atraso, miséria, pobreza, fome, tradicionalismos, consciência mágica, autoritarismo, democracia, modernidade e pós-modernidade.‖ (FREIRE (1995, p.26).

Outro aspecto relevante, segundo Streck (2013), refere-se ao apagamento de fronteiras, das quais destaca as fronteiras do formal, não formal e o informal; o escolar e não escolar; e entre o saber da experiência e o saber sistematizado. Fato também e que é que se reconhece que a racionalidade lógica-formal pode coexistir com outras racionalidades que levam em conta a subjetividade e a sabedoria acumulada através da experiência. Essas rupturas e atravessamentos de fronteiras não apagam as realidades da existência de conflito entre os de cima e os de baixo, entre os de fora e os de dentro, que são proibidos de ser, seja nas linhas de classes e raças, de gêneros e de gerações.

Entre as marcas sinalizadas por Streck (2013), o que caracteriza a educação popular, nos dias de hoje, é a resistência como a capacidade de colocar-se frente às dificuldades do cotidiano, uma atitude diferente; a outra marca seria a entrega a um destino dado previamente. Outra marca que acompanha a resistência e a entrega é a criatividade para desenvolver estratégias que vão desde a sobrevivência até sofisticados processos de organização e de luta no campo cultural, social, político e econômico.

Streck (2013) aponta que entram em cena outros autores, novos temas, e outras perspectivas teóricas, privilegiando os campos da cultura e da subjetividade. O que confirma a hipótese levantada por Fleury (2001), quando na revisão dos trabalhos

debatidos no GT de Educação Popular da ANPEd, de que os debates apontavam para uma perspectiva epistemológica mais ampla e complexa, na assunção de uma linguagem que indica a abertura para pluralidade, referindo-se a ―racionalidades‖, a ―sentimentalidades‖, ao ser humano como ―sentipensante‖, ou ao romper a dicotomia entre saberes da prática dos conhecimentos elaborados.

Assume-se positivamente, então, uma ―anarquia epistemológica‖, com abertura a outros tipos de olhares e para outros objetos, que conjugam temas como a ética do cuidado, sensibilidades pós-modernas, autopoiese, autorias do saber, arte da inteligência, cuidado de si, teorias intercomunicantes educação popular na era da indeterminação e colonialidade. E o mais importante, é que a prática na educação popular continua fiel às suas origens, na luta em favor da criação de outro mundo, melhor para se viver. (STRECK 2013, p.366).

4.1.2 Novos paradigmas emancipatórios

Carrillo (2013) descreve que, de acordo com pesquisa nas publicações periódicas da CEAAL/La Piragua (2002/2011), existe um avanço em relação aos modos de entender os célebres ―paradigmas emancipatórios‖, sendo um consenso o de assumir a categoria paradigma no sentido epistemológico e também gnosiológico (interpretação crítica da realidade). Cita Raul Leis (2007. p.5) de que os paradigmas são emancipadores ―se acolhem as visões que mostram sua discordância com as desigualdades e assimetrias da ordem imperante, razão pela qual prefiguram uma sociedade justa e humanizada‖.

Carrillo (2013) fala de mais dois consensos: buscar a dimensão emancipatória dentro do campo político-pedagógico da própria atuação da educação popular, que é o campo do pensamento-crítico. O segundo consenso existente é o reconhecimento do potencial emancipatório das práticas e dos saberes gerados sobre elas e a partir delas, proveniente das próprias experiências e das atuais lutas dos movimentos sociais. (Carrillo, 2013. p.16)

Nessa perspectiva, Carrilho (2013) nos convida a refletir sobre as seguintes questões, chaves para o entendimento dos novos caminhos da educação popular: o que é e onde está hoje a educação popular; quais são os contextos e os campos de ação da educação popular; quem são os sujeitos da educação popular; o que é a dimensão política da educação popular; e o que é a sua dimensão pedagógica.

Diante dessas reflexões, Carrilho (2013) apresenta algumas propostas de uma pedagogia para formar pensamentos e subjetividades emancipadoras. Nessas propostas,

observamos que algumas premissas estão entranhadas de elementos integrantes do campo de estudo das emocionalidades das pessoas e das sociedades.

A importância do campo da emocionalidades no processo de aprendizagem não é nova no ambiente acadêmico, mas sempre foi colocado de forma difusa e preterido pela hegemonia do pensamento racional. Para Piaget (2011), entre os fatores primordiais para aprendizagem encontra-se a necessidade e o interesse daquele que aprende. Paulo Freire (2014) assinala que não é possível conhecer sem o desejo de conhecer, se não houver o envolvimento com o quê se aprende, e que conhecer não é uma atividade asséptica, é uma atividade intencional, ligada de maneira densa a um projeto.

Carrilho (2013) reforça que pensar criticamente não se esgota no elemento cognitivo, e que Paulo Freire é insistente em mostrar que assumir uma posição crítica não é uma questão meramente intelectual: que envolve os sujeitos em todo o seu ser. Sendo mais pertinente falar de subjetividades críticas para marcar tantas opções e concessões conscientemente assumidas quanto a valores, as vantagens e as atitudes críticas necessárias para posicionar-se a transformar a realidade.

Para Carrilho (2013), a construção de um pensamento e de uma subjetividade alternativos só é possível a partir do diálogo entre as pessoas, que a partir das suas singularidades e diferenças, compartilhem a vontade e o interesse em transformar a realidade em funções de visões de futuros emancipadores. Ancorando- se em Freire (1998), que afirma que o conhecimento não é algo dado e fechado, mas se reconstrói permanente de forma intersubjetiva, por meio da interrogação, do assombro, do questionamento, do mistério, do diálogo, que são os motores da indagação intelectual, social, artística e moral.

Observa-se, nas propostas elencadas por Carrilho (2013), que assumidamente estão ancoradas no pensamento freiriano, palavras-chave como vontade, desejo, assombro, curiosidades, sensibilidade, mistério, sensibilidade artística. Não seria tolo ou desconexo afirmar que tais atributos para uma pedagogia emancipadora estão diretamente vinculados ao campo de estudo e conhecimento das emocionalidades, que compreende as emoções, os sentimentos e os afetos.

Neste ambiente de profundas transformações e mudanças, um dos campos de enorme relevância para as práticas da educação popular é a questão das emocionalidades, que vem abarcando, num movimento progressivo, os olhares e pesquisas de inúmeros estudiosos, em diferentes campos de estudo e em diferentes regiões do planeta. Sem

pretender um aprofundamento desse campo de estudo, vamos apresentar a seguir algumas considerações, que se fazem necessárias para a realização desta pesquisa.