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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COMO VIA DE INCLUSÃO NO MERCADO DE

3.2 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COMO VIA DE INCLUSÃO NO MERCADO DE TRABALHO

Desde os tempos mais remotos da história das civilizações humanas, o trabalho é uma atividade social central para garantir a sobrevivência humana, bem como para a organização e o funcionamento das sociedades, motivo pelo qual tem sido objeto de reflexão por parte de inúmeros estudiosos. Desse modo, constitui-se como um dos principais temas-eixo da produção teórica nas ciências humanas e sociais contemporâneas, sendo visto sob diversas abordagens, que retratam diferentes concepções e visuais sobre a sua natureza. Como elemento estruturante, tanto no nível pessoal como no social, o trabalho é definido por Frigotto (2003, p. 31) como “a forma mediante a qual o homem produz suas condições de existência, a história, o mundo propriamente humano, ou seja, o próprio ser humano. Trata-se de uma categoria ontológica e econômica fundamental [...]”.

A despeito de Manfredi (2002) considerar que o termo trabalho normalmente vem associado à ideia de emprego, ou seja, de atividade remunerada, Marx (2008) menciona que, em sua dimensão ontológica, é processo coletivo e social mediante o qual o homem reproduz as condições gerais da existência humana. Ao produzir tais condições em confronto com a natureza e com as suas próprias circunstâncias históricas e sociais, o que envolve atuação em conformidade com as necessidades em que se encontra, o ser que trabalha faz-se sujeito da construção de si, do mundo e das relações sociais, tanto no aspecto de sua produção material, quanto intelectual.

Tal como enunciado por Marx (2008), toda práxis social, de certa maneira, é um trabalho cujo processo de realização desencadeia uma transformação real no trabalhador. Portanto, trabalhar não é exclusivamente transformar um objeto ou uma situação numa outra coisa, é também transformar a si mesmo no e pelo trabalho. Em termos sociológicos, pode-se dizer que o trabalho modifica a identidade do trabalhador, pois trabalhar não é somente fazer alguma coisa, mas fazer alguma coisa de si mesmo consigo mesmo.

Como lembra Tardif (2008, p. 56), a experiência viva do trabalho ocasiona sempre “um drama do uso de si mesmo, uma problemática negociação entre o uso de si por si mesmo

e o uso de si pelo (s) outro (s)”. Para o referido autor, se o trabalho modifica o trabalhador e sua identidade, modifica também, sempre com o passar do tempo, o seu saber trabalhar. De fato, em toda ocupação, o tempo surge como um fator importante para compreender os saberes dos trabalhadores, uma vez que trabalhar remete a aprender a trabalhar, ou seja, a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho.

Contemporaneamente, de acordo com Pastore (2002), as empresas vivem um processo de mutação, assim como as profissões, fazendo surgir novos modos de trabalhar. Nesse sentido, a educação tem sido reforçada como instrumento capaz de conduzir à formação dos indivíduos, no âmbito de uma sociedade que demanda e valoriza o desenvolvimento de uma cultura geral, na qual:

Ensinar e aprender seriam processos que acompanhariam cada sujeito ao longo da vida; que aproximaria a escola da empresa; que mudaria as relações de trabalho e que interferiria mais diretamente na objetividade e na subjetividade do seu indivíduo-trabalhador, a ponto de responsabilizá-lo pelo desenvolvimento ou não de suas potencialidades e de sua empregabilidade, sem, entretanto, assegurá-la (FIDALGO; OLIVEIRA; FIDALGO, 2007, p. 27).

A educação, em suas dimensões conceituais e práticas, tem assumido um papel estratégico para a formação dos trabalhadores, seja do ponto de vista empresarial, que pretende atrelá-la às demandas do mercado, seja para os trabalhadores, que a veem como uma estratégia capaz de potencializar a valorização de sua própria força de trabalho a ser negociada no mercado de trabalho (FIDALGO; OLIVEIRA; FIDALGO, 2007). Mas, as relações entre trabalho e escola, por sua vez, expressam visões ambíguas e idealizadas, pois:

De um lado, estão as representações que denotam negatividade, mediante a subestimação da importância da escola e a supervalorização da experiência, dos saberes e do savoir faire adquiridos no mundo do trabalho; de fato, muitas pessoas ainda acreditam que a imersão em atividades de trabalho constitua “a verdadeira escola”. De outro, estão as visões idealizadas que superestimam a importância da escola como veículo de formação profissional e de ingresso no mercado, ainda que exista um divórcio entre o que é ensinado na instituição escolar e os desafios a ser enfrentados no mundo do trabalho (MANFREDI, 2002, p. 31).

Oferecendo um contraponto nessa discussão, Barato (2002) é de opinião que a tarefa principal de qualquer proposta educacional reside na construção de conhecimentos sólidos e robustos, capazes de garantir desempenhos adequados. Para ele, no campo da Educação Profissional há, de um lado, uso de uma didática que foi produzida para a educação geral e, por outro lado, existe uma tradição de ensino técnico que segue caminhos não escolares e

valoriza a prática, vendo a técnica como saber, por entender seu valor enquanto conhecimento.

Divergências a parte, concorda-se com Barato (2002) quando este afirma que na relação ensino/trabalho deve ser contemplada, entre outros aspectos, a formação científica, a produção de conhecimentos, o desenvolvimento de um saber específico e a formação para a cidadania. Nesse contexto, a escola deve cumprir seu papel formativo de preparar os alunos, nos quais se incluem aqueles com deficiência, para o mercado de trabalho, não importando o campo de estudos cursado por eles.

3.2.1 Oportunidades para Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho

A Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso XXXI, proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência. Nessa direção, a Convenção n.º 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1983, realizada em Genebra e promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 129/91, o qual trata sobre o emprego da pessoa com deficiência, indicando que os países insiram políticas, nos seus ordenamentos jurídicos, para essas pessoas, baseando-se no princípio da igualdade de oportunidades de emprego, ressaltando, também, a importância do trabalho e do emprego produtivo em toda a sociedade. Na Convenção nº 168, ratificada pelo governo brasileiro através do Decreto nº 2.682/98, a OIT estabelece as diretrizes para a criação de políticas para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

A empregabilidade da pessoa com deficiência, no país, é assegurada por normas legais que estão em vigor desde a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, obrigando às empresas a obedecer a um percentual mínimo de contratação de indivíduos com deficiência em relação ao número de empregados efetivos. Na prática, foi estabelecido um sistema de cotas para a inclusão de pessoas com deficiência, conforme disposto na Lei nº 8.213/91:

Art. 93 - A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados... 2%; II - de 201 a 500... 3%; III - de 501 a 1.000... 4%;

Analisando esse sistema de cotas a serem observadas pelas empresas, Neri et al. (2002, p.1) afirmam que eficácia da política de cotas ainda não ter sido alcançada deve-se, em parte, a fatores tais como: a “competitividade exacerbada no mercado de trabalho, as taxas em geral baixas de oferta de emprego no setor formal e, também, a falta de informação dos empregadores acerca da deficiência”. Segundo os autores, tal problema situa-se no fato do sistema de cotas não ter impactado as empresas de grande porte, responsáveis pela absorção de parte considerável da mão de obra disponível no mercado.

Apesar de a lei existir há mais de 20 anos no Brasil, contribuindo para ampliar a participação da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, os números ainda não são favoráveis. De acordo com estimativas do Ministério do Emprego e do Trabalho (MET), em 2010, havia 851mil vagas para pessoas com deficiência, porém apenas 28% delas foram preenchidas. Mas, a interpretação da lei não pode levar ao impossível, devendo a pessoa com deficiência estar habilitada para ser admitida e, assim, cumprir a regra do art. 93 da Lei nº 8.213/91 (MARTINELLI, 2010).

Com base na Relação Anual de Informação Social (RAIS), o Ministério do Trabalho identifica que apenas 306.013 trabalhadores com deficiência, em todo o país, estavam com carteira profissional registrada no ano de 2010, e destes 37.103 tinham instrução superior completa. A despeito do baixo índice de formalização no país, que corresponde a 51,7% do total de trabalhadores, chama a atenção o índice de apenas 1,5% para os trabalhadores com deficiência, assim como para os poucos aprendizes com deficiência, em capacitação para as empresas brasileiras, com carteira registrada: entre os 192.959 aprendizes com vínculos trabalhistas no Brasil, em 2010, somente 1.142 são aprendizes com deficiência.

Pastore (2000) ressalta que, no Brasil, há cerca de 16 milhões de pessoas que possuem algum tipo de deficiência física, sensorial ou mental, e dentre os 9 milhões que estão em idade de trabalhar, apenas um milhão trabalha, ou seja 11%, enquanto nas nações avançadas, isso ultrapassa os 30%. Para o autor, quando trabalham, os portadores de deficiência ganham menos e têm pouca segurança no emprego, observando que, ainda hoje, devido à persistência de desinformação e inadequação das condições de arquitetura, transporte e comunicação, muitas pessoas talentosas e produtivas são afastadas do mercado de trabalho.

Tem-se, portanto, que as pessoas com deficiência ao ingressarem no mercado de trabalho enfrentam, ainda, algumas dificuldades, dentre as quais se destacam o uso inadequado dos recursos disponíveis para desenvolver programas de emprego, elaboração de avaliações através de critérios inadequados e espaços físico e logístico do ambiente de trabalho organizados de maneira excludente (OLIVEIRA et al., 2009). Complementando esse

posicionamento, Souza-Silva et al. (2012) apontam o preconceito entre as razões que fazem com que o empresário não contrate a pessoa com deficiência, ou seja, a dificuldade em acreditar que esta pessoa possa ser bem sucedida e exercer seu trabalho com sucesso.

Em estudos citados por Souza-Silva et al. (2012), fica evidenciado que a baixa escolaridade e qualificação das pessoas com deficiência estão relacionadas com a falta de acesso desta população às políticas públicas de inclusão e programas de treinamento e capacitação profissional. Nessa discussão, de acordo com os autores, as instituições educacionais criticam os processos de contratação adotados pelas empresas, e as empresas apontam que a escolarização, quando é feita, concentra-se no desenvolvimento de habilidades básicas para o trabalho ou capacitação profissional diferente da exigida pelo mercado de trabalho.

Conforme se observa, empresas e instituições educacionais não querem assumir a responsabilidade para si da inclusão social da pessoa com deficiência, reforçando assim a condição sócio-histórica de marginalização e ressaltando a importância das políticas públicas para garantir esta inclusão. Nessa discussão, Pastore (2000) aponta para o fato de que nada justifica tratar os portadores de deficiência como cidadãos invisíveis. Ao contrário, com a elevação crescente do seu nível educacional e o advento das tecnologias de telecomunicações e informática, o número dos que têm condições de produzir com qualidade, aumenta a cada dia, pois a maioria apresenta limitações superáveis mediante arranjos institucionais e acomodações no trabalho.

Sobre isso, Martinelli (2010) adverte que, tão importante quanto preparar a pessoa com deficiência para o mercado de trabalho, é garantir que empresas contratantes estejam preparadas para questões como acessibilidade e entendimento da deficiência. Sem isso, segundo a autora, o trabalho não tem os efeitos esperados. Essa preparação das empresas garante a integração e adaptação da pessoa com deficiência ao mercado de trabalho, o que, certamente, desmistificará a deficiência com a valorização da eficiência das pessoas, repercutindo, em consequência, na inclusão. No entanto, não se pode esquecer que, modernamente, é consenso que a criação de condições adequadas para a vida das pessoas com deficiência é de responsabilidade de toda a sociedade.

4 INCLUSÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Nesta Seção apresentamos, de acordo com a visão dos diferentes participantes da pesquisa, como ocorre a inclusão do aluno com deficiência no IFS – Campus Aracaju – em seu processo formativo. Desse modo, os investigados descrevem e analisam o acesso, o ingresso, a situação do ensino, expondo problemáticas e experiências que permitem visualizar o contexto de inclusão da pessoa com deficiência no Ensino Técnico Profissionalizante, no que concerne à educação para o mercado de trabalho, como estabelece a legislação nacional para este nível de ensino.