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A E.S. Implícita, também denominada de informal ou incidental consiste no “processo mais básico de aprendizagem da Sexualidade” (Vaz et al., 1996, p.16), porque assenta e decorre da vivência, das experiências, das representações que são proporcionadas ao longo do ciclo vital nos diversos sistemas envolventes, “de forma espontânea, não consciencializada” por agentes significativos. Ela decorre das vivências do quotidiano de forma natural, uma vez que as pessoas, ao longo do seu desenvolvimento, fazem e recebem E.S. sem disso terem consciência (Machado, 1988), sendo o indivíduo, desde o nascimento, sujeito a influências educativas por parte de vários agentes.

Neste processo, as aprendizagens são produto de influências educativas e modelos subjacentes de valoração, realizados num ambiente ecológico2 de onde emergem atitudes,

comportamentos, informações, instruções e reforços do comportamento em relação à Sexualidade.

A aprendizagem da E.S. faz-se também por modelagem3, através daquilo que se ouve,

daquilo que se observa nos outros e se imita; “incorpora tanto o fazer, como o pensar e o julgar” (M.E. et al., 2000, p.49) e, por isso, é tanto comportamental como cognitiva.

2 O ambiente ecológico é concebido por Bronfenbrenner (1979/2002) como um conjunto de estruturas

(microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema) organizadas de forma concêntrica e interdependente, como uma espécie de jogo de encaixe em que cada peça contém ou está contida na seguinte. Umas, mais próximas da pessoa, são por ela experienciadas directamente; outras, mais distantes, não deixando, todavia, de influenciar as condições do seu desenvolvimento.

3 O conceito de “Modelagem” foi introduzido por Bandura (1961) no âmbito do Paradigma da Aprendizagem

Social, salientando-se que, “embora uma grande quantidade de aprendizagens tenha lugar através do treino e reforço directo, grande parte do repertório comportamental da pessoa pode ser adquirido através da imitação ou daquilo que a pessoa observa nos outros” (p.151).

De facto, a modelagem é mediada por “Modelos Reais” (família, grupo de pares), por “Modelos Intermediários” (nomeadamente, as brincadeiras, os jogos, as roupas, os adornos), por “Modelos Simbólicos” (associados à televisão, à Internet, ao cinema e à literatura) e também através de “Modelos Exemplares” (figuras públicas cuja Sexualidade é revelada pelos meios de comunicação social) (Vaz et al., 1996, p.18). Como resultado, todos estes modelos vão tendo funções diferentes no processo de desenvolvimento e todos eles são relevantes para a construção da Sexualidade do indivíduo.

2.1.1 Modelos Reais de Educação Sexual

Assim como noutras esferas da vida humana, em que o contexto primário considerado como o mais influente e poderoso nas sociedades humanas é, sem dúvida, a família (Bronfenbrenner, 1979/2002), também no âmbito da Sexualidade a família é, fundamentalmente na infância, o “contexto mais básico e primordial de aprendizagem e da vivência da Sexualidade” (M.E. et al., 2000, p.49).

De facto é inquestionável a importância do quadro familiar na E.S., pois é nele que se realizam as primeiras relações afectivas, de vinculação e de sociabilidade. Estas díades4 (pai

ou mãe e filho(a)) de observação e díades de actividade conjunta desempenham um papel fundamental, pois tanto a linguagem afectivo-sexual, como os papéis sócio-sexuais exercidos por cada membro da família são apreendidos pelo indivíduo em desenvolvimento.

Todavia, e apesar do indubitável valor dado às aprendizagens do foro afectivo-sexual realizadas neste microssistema5, Vilar (2003a) chama à atenção para o facto de

a liberalização das normas sociais relativas à Sexualidade das últimas décadas, nomeadamente em relação à Sexualidade dos jovens, traduziu-se (…) mais em ambientes familiares permissivos e menos em práticas educativas parentais que apoiem efectivamente os jovens nas suas dúvidas ou problemas concretos relativos à Sexualidade ou às suas vivências sexuais (p.173).

4 As díades consistem em sistemas compostos por duas pessoas (Bronfenbrenner, 1979/2002).

5 O Microssistema é definido por Bronfenbrenner (1979/2002) como os cenários nos quais a pessoa exibe

comportamentos num determinado momento da sua vida, ambientes onde ocorrem actividades e onde as pessoas se desenvolvem e desempenham papéis particulares.

Não obstante, algumas investigações dão conta de que os jovens continuam a considerar a família como fonte preferencial de informação sexual/ E.S. (e.g., McKay & Holowaty, 1997; Piscalho, Serafim, & Leal, 2000; Reis & Matos, 2008). A título exemplificativo, no estudo levado a cabo por Piscalho e colaboradores (2000) junto de uma amostra de 605 adolescentes, com idades compreendidas entre os 10-13 anos, concluiu-se que os adolescentes consideram que a E.S. compete prioritariamente às famílias. Contudo, enquanto os mais jovens recorrem aos pais quando surgem questões acerca da Sexualidade, já os mais velhos elegem os amigos, seguindo-se as leituras como fontes de informação. Não há dúvida que é no contexto familiar que as crianças desde muito cedo vão confrontando as famílias com questões relacionadas com a Sexualidade, cimentando um canal fundamental para a formulação de questões que serão colocadas numa fase desenvolvimental mais avançada, a adolescência (Cardoso, 1999). Por isso, é sugerido o aproveitamento destas questões e a sua resposta numa fase mais precoce do desenvolvimento e não apenas na adolescência, pois muitos dos adolescentes nesta fase do ciclo desenvolvimental afastam-se dos adultos, vivendo num mundo só seu (Moore, Rosenthal, & Mitchel, 1996). A par disso, frequentemente as famílias ou porque se sentem desconfortáveis para a abordagem do tema, ou porque têm a crença de que os seus filhos já sabem tudo, ou ainda por temerem que estejam a incentivar comportamentos sexuais de experimentação (Moore et al., 1996) também não permitem aos filhos uma aprendizagem mais correcta e adequada das vivências da Sexualidade.

Embora a família se constitua como contexto primário de desenvolvimento, outros sistemas têm impacto no desenvolvimento da Sexualidade como, por exemplo o grupo de pares.

Assim, o grupo de pares apesar do seu carácter instável e, muitas vezes efémero, constitui- se em modelo de identificação onde a aprendizagem da Sexualidade se realiza numa relação recíproca, onde existem experiências, interesses, vivências e até sentires comuns. É no seio deste grupo que se obtém múltiplas informações mas, frequentemente, as narrativas, muitas vezes participadas, são erradas, imprecisas e carecem de consistência científica. Apesar desta imprecisão, este grupo constitui a nível quantitativo o grande suporte informativo na fase da adolescência. Pereira (1993) concluiu que 88% dos rapazes e 84% das raparigas, quando têm dúvidas em termos sexuais, apontam os amigos como principal recurso para se informarem.

De facto, os/as amigos/as surgem como “maior apoio face às incertezas e angústia existencial, a temas relacionados com a «moda», o desafio, as relações com o sexo oposto e suas vicissitudes” (GTES, 2005, p.56).

Na opinião de Fonseca (1996), esta opção como fonte de aprendizagem deriva do facto da escola e da família se demitiram deste papel, não deixando alternativa aos jovens de procurar no território grupal respostas às suas indagações e como consequência, são trocados conhecimentos comummente incorrectos, distorcidos ou incompletos.

2.1.2 Modelos Simbólicos de Educação Sexual

Os mass média, embora incluídos numa estrutura que vai mais além do microssistema são, com toda a convicção, poderosos meios educativos para o indivíduo em desenvolvimento, constituindo-se, frequentemente, como o Modelo Simbólico com maior poder ao nível da modelagem6.

O estudo realizado pelo Deco Proteste (2004, cit. Vilar, 2005/2006), cujo objectivo visou determinar quais os meios pelos quais o cidadão obtém maior informação sobre SIDA, concluiu que a televisão aparece em grande destaque com uma percentagem de 91%, os jornais com 59%, as revistas com 58%, as revistas científicas com 38% e a Internet com 16%.

Também Pereira (1993), a fim de averiguar em que medida é que os meios de comunicação constituem em fontes efectivas de obtenção de informação por parte dos jovens, concluiu que 44% dos rapazes recorrem essencialmente à televisão e a leituras para obtenção de informação, enquanto 34% das raparigas recorrem à televisão e 59% à leitura.

De igual forma, o recente estudo levado a cabo por Reis e Matos (2008) permite comprovar o valor desta fonte, na medida em que a maioria dos jovens inquiridos refere a

6 Veja-se, por exemplo, o impacto que alguns programas televisivos têm no comportamento dos adolescentes,

nomeadamente a Telenovela “Morangos com açúcar”. A forma de vestir, a forma de falar, as músicas que se ouvem (Hip Hop) e as músicas que se dançam. Desta maneira, e associado às representações que se vão modelando, tanto a nível comportamental como cognitivo, também é possível verificarmos que muitas das escolas não ficam alheadas destes interesses e desenvolvem em contexto escolar várias actividades de certa forma identificativas com a realidade televisiva (por exemplo: dinamização de aulas de Hip Hop) (Serrão, 2006).

comunicação social como a principal fonte informativa sobre E.S., ainda que em segundo plano seja destacado o papel informativo do grupo de pares.

Mas este exossistema7, pela sua natureza e características, pode constituir uma fonte de

influência negativa e simplificadora da Sexualidade Humana conforme sugere Vilar (1987, p.170). O autor referindo-se em particular ao papel desempenhado pela televisão, diz que embora esta fonte permita a “divulgação alargada de novos temas”, funciona “como instrumento de homogeneização de padrões culturais”, isto é, se por um lado, as mensagens são, muitas delas, estereotipadas, por outro, estas mensagens adquirem uma dimensão pública, fazendo com que muitos destes temas sexuais façam parte do quotidiano de milhões de pessoas. Porém e como salienta

a T.V. e as revistas, apesar de nelas se poderem descortinar linhas de fundo manifestas em certas orientações editoriais, alteram constantemente os sentidos das suas mensagens e não fornecem (nem podem fornecer porque não é essa a sua natureza) um encadeado lógico de mensagens. Fornecem alguma informação, mas esta informação é parcelar, espartilhada, selectiva, superficial, muitas vezes mistificadora e confusa na sua apresentação (Vilar, 2003a, p.167).

Assim, “delegar nos mass media o papel principal na socialização sexual das crianças e jovens é altamente redutor e perigoso”, pois estes meios “influenciam muito pouco o domínio dos conhecimentos, da literacia e das competências” (Vilar, 2003a, p.168).

Também Zapian (2003) expressa a sua opinião relativamente a esta fonte informativa. Neste sentido, compara a E.S. promovida em meio escolar e as informações difundidas pelos meios de comunicação, defendendo que “face aos disparates difundidos pelos meios de comunicação social” a mensagem poderia ser “na rua ouvirás as coisas mais díspares, na escola trataremos da questão com coerência” (p.35).

Sensíveis a esta aprendizagem da Sexualidade e em referência às mensagens alusivas ao sexo e à Sexualidade a que os jovens estão expostos, Piscalho, Serafim e Leal (2000) clarificam que embora o acesso à informação seja muito fácil, por si só não faz a E.S.. Deste modo, os referidos autores em referência a Sanders e Swinden (1995), consideram que os jovens necessitam de ajuda para aprenderem a processar estas mensagens de diferentes fontes de informação que lhe são transmitidas diariamente.

7 O exossistema envolve os cenários mesossistémicos e define-se como as relações e processos que ocorrem

entre dois ou mais cenários, em que pelo menos um não contém a pessoa em desenvolvimento, mas em que se desenrolam acontecimentos que podem afectar o cenário imediato de vida do sujeito (Bronfenbrenner, 1979/2002).

Em concordância com esta opinião, o GTES (2005) destaca que a E.S. Implícita deve “ser completada por intervenções estruturadas e sistematizadas, com o objectivo de possibilitar aos jovens um conjunto organizado de conhecimentos” (p.7).

Sob este prisma, e tendo em conta as múltiplas influências e experiências realizadas e observadas nos contextos em que a pessoa em desenvolvimento é ou não participante activo (Bronfenbrenner, 2002), assume-se a E.S. como “fazendo parte legítima da missão do sistema educativo” (M.E. et al., 2000, p.51) e, desta forma, como fazendo parte “do processo educativo global” (GTES, 2005, p.7).