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3.2 Desenvolvimento do Questionário de Educação Sexual em Meio Escolar

3.2.4 Resultados dos Grupos Focais

3.2.4.3 Razões para o Não Envolvimento

Aos grupos foi também pedido que tecessem considerações relativamente às razões do não envolvimento destes profissionais na abordagem da E.S.. De entre os vários argumentos dos professores que identificámos como obstáculos à implementação da E.S. salientamos sobretudo, os seguintes: percepção de desconforto e de baixa auto-eficácia na abordagem do tema, receio das reacções dos pais e dos estudantes, pressão no cumprimento do programa curricular e ausência de conteúdos de E.S. nas ACD que lecciona.

VII. Percepção de Desconforto e de Baixa Auto-eficácia

A partir dos relatos dos professores é possível categorizar, uma vez mais, as características do professor não envolvido, elementos que se constituem como antitéticos ao perfil do professor envolvido em E.S., já anteriormente explanado.

O desconforto e a percepção baixas competências na abordagem da E.S. são dois dos argumentos mais frequentemente referidos para justificar o não envolvimento do professor na abordagem da E.S.

Há colegas, de facto, que não se sentem capazes para abordar a questão… e fogem um bocadinho à exploração. (…) O corpo docente nunca está à vontade, ou porque acha que não é capaz, ou porque acha que não está capacitado, ou porque não tem coragem de falar, não fala…limita-se apenas ao programa e ao aparelho reprodutor e não vai além (P3). Não me sinto capaz, nem com competência para lhes explicar algumas dúvidas que eles apresentam e que não são fáceis de responder e, por outro lado, porque os problemas deles são diferentes daqueles problemas que eu vivi (P14).

Dois professores, de diferentes grupos (GF1 e GF3), chegam mesmo a dizer que não gostavam de abordar o tema com os seus estudantes

Eu acho que nem deveria ser um professor, temos que abarcar com tudo! (…) Eu (…) não gostava nada de dar (E.S.) e assumo perfeitamente, não gosto do tema e não gosto de dar este tema aos miúdos. Não gosto (P4).

Uma vez ou outra lá caiu na asneira de falar. De preferência fujo sempre ao assunto (P14).

Para um dos elementos a variável conforto é a mais importante para o processo de envolvimento dos professores na E.S.:

Se as pessoas estivessem plenamente à vontade, envolviam-se (P19).

VIII. Receio da Reacção dos Pais

A reacção dos pais é apresentada também como argumento para o não envolvimento do professor.

Há perguntas que eu não posso responder, porque se respondo, vêm os pais em cima de mim (P7).

É uma grande responsabilidade, pois as famílias não estão preparadas e não aceitam (P6). É um tema tabu, polémico e não querem enfrentar o touro de frente, estão com medo das reacções desfavoráveis dos pais (P12).

Contudo, outros participantes consideram que a reacção dos pais à abordagem da E.S. por parte da escola é sentida por estes agentes como um auxílio:

Há pais que não reagem dessa maneira (negativa). Poderão ver que o professor lhes pode facilitar essa tarefa, que poderão ter dificuldade em lhe explicar (P19).

A mesma professora é, inclusive, mais cautelosa na forma como avalia a reacção dos pais, referindo desconhecer a sua opinião relativamente à abordagem deste tema por parte da escola:

Eu não tenho informação nenhuma relativamente à reacção dos pais, se é positiva ou negativa (P19).

Assim e de forma a assegurar a implementação da E.S. e de modo a evitar constrangimentos associados à reacção dos familiares, alguns professores consideram a inclusão da E.S. deve constituir uma iniciativa de escola e não uma acção praticada isoladamente por um professor. Neste sentido, propõem a sensibilização das famílias para

o tema. É de salientar também a ausência nestes discursos de uma cultura de colaboração entre famílias e escola, isto é, a escola impõe ou a escola propõe.

Não abordamos, muitas vezes, os aspectos relacionados com a E.S., em minha opinião, pelo receio do que possa sair para o meio, da opinião das famílias. Antes de tratar desse assunto, tem que se sensibilizar as pessoas, a não ser que seja de uma forma imposta. Se formos nós a tomar a iniciativa, acho que é susceptível de levantar alguns problemas (P17). Se a escola propuser esse tema, os pais não vão entrar na escola. É mais fácil os pais demitirem-se de falar sobre isso, que o contrário. Se houver alguém na escola que fale sobre isso, estes (pais) até ficam descansados (P12).

IX. Receio da Reacção dos Estudantes

Outro dos argumentos levantados para o não envolvimento dos professores em práticas de E.S., refere-se à reacção negativa e a postura por parte dos estudantes que, segundo alguns entrevistados, bloqueia as tentativas de abordagem do assunto por parte destes profissionais.

Assim, as características dos estudantes, surgem como barreiras ao envolvimento dos professores na E.S., pois consideram que os estudantes têm pouco à vontade e pouca abertura para discutirem estes temas e que as suas reacções são negativas, de “risota”, de “gozo” e com “conotação muito negativa”, talvez tradutora de desconforto sentido, tanto por parte dos mais jovens, como também por parte dos seus professores.

Até em disciplinas com conteúdos programáticos acerca do tema, os miúdos riem-se, com 15-16 anos, já tiveram relações sexuais e estão fartos de ter e riem-se, não conseguem levar a coisa a sério. Não é fácil falar nisso (P2).

Eu estou de pé atrás porque pode ser que o aluno esteja a abusar (P13).

Aquilo que eles (alunos) têm, é tudo com uma conotação muito negativa. Tudo que está relacionado com sexo é pecaminoso. Quando lhes falo de órgãos genitais, dos nomes que eles conhecem e dos nomes correctos, eles começam logo a rir. A percepção que eles têm não é uma coisa natural, como um braço, uma perna. Não é pila que se diz, é pénis (P18). É mais fácil com meninos mais novos, pois os nossos alunos do 1.º ciclo satisfazem-se facilmente, eles estão a despertar para a sexualidade, para a curiosidade. Ao passo que se for um jovem de 13 anos, se calhar já tem vida sexual activa (…) 14, 15 e 16 anos é muito complicado. É logo motivo para risota (P19).

X. Cumprimento do Programa Curricular

Além disso, e intrinsecamente relacionado com a característica atribuída ao professor que faz E.S., isto é, um professor que lecciona no âmbito de ACD específicas, são salientadas razões subjacentes como o cumprimento do programa e os conteúdos explícitos nas disciplinas.

Tu tens de cumprir um programa. Tu dás Tecnologias e este tema não faz parte do teu currículo” (P6)

Eu tenho pelo menos dois temas em Psicologia em que abordo a questão da sexualidade, não directamente mas, a relação mãe bebé e a adolescência e ao abordar isso, é evidente que a sexualidade vem quase sempre à «tona», é claro que por uma questão metodológica, ou para cumprir o programa, porque os alunos têm que fazer exame no fim do ano, uma vez ou outra lá caio na asneira de falar (P14).

Cumprimento do programa (Filosofia). A razão pela qual não perco mais tempo a esclarecer os alunos sobre estas questões é porque tenho um programa a cumprir (P10). Eu acho que de facto tem a ver com a especificidade dos conteúdos. Ninguém vai abordar assuntos (relacionados) com a E.S. se está a falar de um tema completamente diferente (P21).

É de salientar que apesar de alguns dos entrevistados (maioritariamente professores a leccionarem no ensino secundário) considerarem a abordagem da E.S. importante para a formação pessoal e social do estudante, argumentam não poder prejudicar as notas em prol dessa formação e desenvolvimento.

Fazê-los perder tempo com uma área que é importante para o desenvolvimento pessoal dos alunos mas que entra em prejuízo da nota que eles podem obter naquela disciplina. Acho que estamos todos de acordo que vamos trabalhar para a nota (P20).

A nível do secundário, os objectivos são trabalhar, trabalhar para o sucesso, para o ranking das escolas (…) não há tempo para tratar de coisas que não têm interesse para a própria disciplina (…) a escola está a trabalhar os alunos para o sucesso e para a qualidade do sucesso, para baixar a percentagem das negativas e para melhorar a média geral da turma, do aluno e da escola (P21).

Comentário:

Comunicar sobre Sexualidade, consiste num processo mediado pela avaliação cognitiva do sujeito através do qual interagem entre outros elementos, os conhecimentos, as expectativas de resultado, as influências sociais e as experiências vividas (cf. Capítulo 2). Com efeito, as expectativas de auto-eficácia e de resultados e as crenças normativas

percepcionadas podem constituir elementos favoráveis ao não envolvimento destes agentes na promoção da E.S. em meio escolar.

Um outro elemento que merece ser destacado é que embora seja atribuído valor/ importância à promoção da E.S., este facto não é suficiente para o envolvimento, pois as expectativas que os referentes sociais, nomeadamente, as famílias, estudantes, comunidade em geral têm quanto ao papel do professor centram-se no sucesso educativo, em detrimento do sucesso pessoal e social.