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2.2 Educação Sexual Explícita e Seus Agentes

2.2.1 Papel do Professor na Promoção da Educação Sexual Explícita

Não restando dúvidas quanto à necessidade de efectivar a promoção da E.S. em contexto escolar, resta-nos reflectir sobre o agente educativo privilegiado neste microssistema e neste processo – o professor.

Neste sentido, a par do valor inquestionável das características contextuais promotoras do desenvolvimento (ao nível micro, meso, exo e macrossistémico) estão as características pessoais promotoras do desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1993) do professor, potencializadoras ou inibidoras do comportamento de envolvimento deste agente em processos de promoção da E.S..

A literatura científica disponível sobre a avaliação do perfil do professor que faz E.S. é concordante ao concluir que não é suficiente ser-se professor para realizar uma E.S. efectiva. Para isso, é essencial ser um professor bem qualificado, constituindo-se esta categoria como um pré-requisito para que esta aprendizagem seja adequada (Hedgepeth & Helmich, 1996, cit. Milton, Berne, Peppard, Patton, Hunt, & Wright, 2001).

Um conjunto de competências e qualidades profissionais, nomeadamente, a capacidade de comunicar, a confiança e abertura, o tratamento de assuntos de forma confiante (e.g., Yarber & McCabe, 1981), ser sensível às necessidades e problemas dos jovens e respeitar as suas opiniões (e.g., Milton et al., 2001), ser capaz de estabelecer uma relação positiva e sensível (e.g., Health Canada, 1994; Milton et al., 2001).

Apesar de não ser imprescindível o professor ser um especialista nesta matéria, deve ser um “profissional devidamente informado sobre a sexualidade humana”. Realçando-se também que enquanto educador deve ter tido a “oportunidade de reflectir sobre ela (Sexualidade) ” (M.E. et al., 2000, p.40).

Dillys Went (cit. M.E. et al., 2000, p.40) indica que o perfil desejável do professor que queira8 desenvolver acções de E.S. subentende as seguintes capacidades:

8 A este respeito sublinhe-se a palavra “queira”, pois isto pressupõe que o professor tem liberdade em optar

não fazer E.S., o que efectivamente acaba por ser contraditório no panorama em que se enquadra a E.S., isto é a obrigatoriedade de todos os professores promoverem este tema no contexto das Áreas Curriculares Disciplinares (ACD) e, ou nas Áreas Curriculares Não Disciplinares (ACND).

genuína preocupação com o bem-estar físico e psicológico dos outros; aceitação confortável da sua sexualidade e da dos outros; respeito pelas opiniões das outras pessoas; atitude favorável ao envolvimento dos pais e encarregados de educação e outros agentes de educação; compromisso de confidencialidade sobre informações pessoais que possam ser explicitadas pelos alunos; capacidade para reconhecer as situações que requerem a intervenção de outros profissionais/ técnicos para além dos professores (cit. M.E. et al., 2000, p.41).

Nesta caracterização, é dada saliência ao papel da relação pedagógica, quer no seu sentido restrito9, quer no seu sentido lato10, como potenciadora da intervenção pedagógica e

profissional na formalização da E.S. neste microssistema.

Contudo, não se pode negligenciar o posicionamento ideológico (de cariz religioso, ético, cultural…) do professor relativamente a esta matéria. Aliás, o reconhecimento da sua perspectiva, dos seus conceitos e da sua linguagem neste domínio é de elevada utilidade, na medida em que “conforme o conceito de sexualidade de que se parta, assim será o tipo de E.S. que se implementa” (Zapian, 2002, p.39).

Zapian acrescenta que:

se uma pessoa reduz o conceito de sexualidade à reprodução, a E.S. basear-se-á em lições de anatomia e fisiologia da reprodução. Se a pessoa pensa que a sexualidade se reduz a esse «instinto sexual» tão forte e perigoso que é capaz de corromper a moral estabelecida, a E.S. basear-se-á na doutrinação em função de determinada moral, no nosso contexto geralmente a católica. Se a sexualidade se reduz, de forma laica, aos riscos inerentes ao comportamento sexual, a E.S. basear-se-á na informação sobre a SIDA, as doenças de transmissão sexual e os métodos contraceptivos (Zapian, 2002, p.39).

Assim, afigura-se como factor importante para uma E.S. adequada, a capacitação dos professores em E.S. através de formação específica com um triplo objectivo: de aquisição de um conjunto de conhecimentos, de desenvolvimento de competências e de reflexão de atitudes (Health Canada, 1994).

9 A relação pedagógica estreita “abrange a relação professor-aluno e aluno-aluno dentro de situações

pedagógicas” (Estrela, 2002, p.36). Nesta relação, o professor, além de ser um perito de uma determinada área do saber, terá de ser um assistente e facilitador da aprendizagem, dinâmico, interventivo, moderador do trabalho grupal e “o estimulador do desenvolvimento cognitivo e socioafectivo do aluno” (p.39).

10 “Num sentido lato, a relação pedagógica abrange todos os intervenientes directos e indirectos do processo

pedagógico: aluno-professor, professor-professor, professor-staff, aluno-funcionários, professores-pais” (Estrela, 2002, p.36).

Orientações similares são apresentadas pelas Linhas Orientadoras Portuguesas em E.S. (M.E. et al., 2000), que sugerem que a formação em E.S deve englobar três áreas complementares:

formação pessoal na área da E.S., na qual sejam discutidas as atitudes e os valores face à sexualidade humana; formação técnico-científica sobre o desenvolvimento da sexualidade humana ao longo da vida e as suas diferentes manifestações; formação pedagógica em metodologias participativas e activas (M.E. et al., 2000, p.42).

Destas propostas entende-se, então, como fundamental a construção de um cenário formativo e reflexivo das representações, dos valores e das atitudes de cada indivíduo face à Sexualidade. Assim e com base em princípios orientadores explícitos, buscando consenso entre as diferentes perspectivas, a formação em E.S. permite não só “aferir conceitos e linguagens, mas também planificar a articulação de estratégias de intervenção (M.E. et al., 2000, p.42).

3. Modelos Orientadores da Acção da Educação Sexual

Uma vez introduzido o tema, traçado o quadro conceptual em que se insere na actualidade a E.S., importa definir o modelo de que se parte, evidenciando as suas potencialidades explicativas, bem como algumas das suas implicações no contexto da promoção da E.S. em meio escolar.

Apesar de não ser nosso propósito abordar desenvolvidamente os modelos, fruto de diferentes políticas assentes em diferentes ideologias, faremos uma breve referência aos quadros éticos que orientam esta acção, pois e retomando a ideia já expressa neste trabalho, “conforme o conceito de sexualidade de que se parta, assim será o tipo de E.S. que se implementa” (Zapian, 2002, p.39).

Como referido antes, a eventual ocorrência de situações de discordância de opiniões, tendem a ter por base diferenças nos posicionamentos ideológicos. De facto, verifica-se que ao longo da história, a visão da Sexualidade tem sido profundamente afectada em consequência das mudanças sociais, ideológicas, económicas e científicas registadas, tendo estas implicações ao nível das práticas educativas formais de E.S..

Sánchez (1990) a partir do estudo histórico das práticas educativas propõe um conjunto de modelos de E.S.: “para a revolução sexual e social”; “como educação moral” (que outros autores designam de “modelos impositivos de E.S.” (Vaz et al., 1996), de “modelos de autoridade moral tradicional” (Meredith, 1990)); “para evitar riscos” (designado por Vaz e colaboradores (1996) como modelos médico-preventivos); e “aberto, profissional e democrático” (que outros autores designam de “modelo de desenvolvimento pessoal e social” (Marques, Vilar, & Forreta, 2002), de “modelo biográfico” (Meredith, 1990), de “modelo holistico, erotofilico, democrático e participativo” (Vilar, 2003a)).

3.1 Modelo de Educação Sexual para a Revolução Sexual e Social

A E.S. para a revolução sexual e social surge na década de 30, associada a um conjunto de movimentos sociais que se constituíram em torno de temas de moral sexual. No contexto de uma intensa actividade política e debates ideológicos é criada formalmente a Liga Mundial para a Reforma Sexual que tinha como exigências (Weeks, 1989, cit. Vilar, 2003b, p.98) a “igualdade política, económica e sexual entre homens e mulheres, a reforma das leis sobre casamento e divórcio, o desenvolvimento da E.S., o acesso e informação aos métodos contraceptivos, a reforma das leis sobre o aborto”, entre outras.

Os conteúdos subjacentes a este modelo englobavam: a anatomia e fisiologia do prazer sexual, os métodos contraceptivos, a análise crítica da regulação social da Sexualidade, a defesa das minorias e a crítica à moral dominante. A sua prática em contexto escolar era apenas praticada por professores ideologicamente muito reivindicativos ou por especialistas externos ao sistema.

Sánchez (1990) salienta que este modelo reclama o direito ao prazer sexual sem fins reprodutores, o direito à Sexualidade pré-conjugal, aceitando a masturbação como natural e defendendo as minorias, nomeadamente das pessoas homossexuais.

Apesar dos vários movimentos que emergiram nesta época, a “ascensão dos regimes fascistas e nacional-socialistas e a 2.ª Guerra Mundial vieram interromper bruscamente (…) o percurso de mudança que se tinha desenhado nas primeiras três décadas do século” (Vilar, 2003b, p.105). Em consequência destes regimes, acentuam-se os mecanismos repressivos, sobretudo pela censura de obras consideradas moralmente nefastas,

revogando-se as leis mais permissivas sobre o casamento, o abortamento e a contracepção (Vilar, 2003b).

Todavia, a publicação de estudos empíricos sociológicos de Kinsey (cit. Vilar, 2003b) sobre as práticas sexuais dos homens, das mulheres e dos casais, vieram evidenciar o “fosso existente entre discursos morais dominantes e as práticas sexuais privadas” (p.105).

A par destas constatações, emergiram estudos noutras correntes de pensamento, que vieram também contribuir para o reconhecimento crescente da importância da Sexualidade para o desenvolvimento harmonioso das crianças e dos jovens. Retomam-se, então, as discussões sobre o papel do Estado e das políticas educativas e da juventude, com vista à recomendação de directivas ao nível da E.S.. Segundo Vilar (2003b) “a aposta da E.S. aparece (…) como um investimento para uma visão sexual mais informada na idade adulta e na esfera matrimonial (…). Aposta-se na transmissão de uma ideia positiva da sexualidade como uma componente da vida dos adultos” (p.107).

Um longo e lento percurso de reivindicações, nas décadas de 60 e 70, de igualdade de direitos e de oportunidades (movimentos feministas), do direito ao prazer sexual dissociado das suas funções reprodutivas e do direito à contracepção (movimentos do planeamento familiar), da defesa dos direitos das pessoas homossexuais (movimentos de homossexuais), dão origem a uma nova atitude face à Sexualidade. Em consequência destas mudanças, assistiu-se igualmente “a uma alteração do papel do Estado no campo normativo e legal, nas políticas de saúde, educação e assistência e, finalmente, no nível do próprio discurso público sobre a Sexualidade” (Vilar, 2003b, p.119).