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EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE

No documento LivroPauloFreireeEducPop-10Mai (páginas 91-95)

Elisiane Pasini2

Nestes quinze anos de trajetória, o nuances, grupo pela livre expressão sexual, sempre esteve comprometido com as transfor- mações socioculturais, no combate às discriminações e às violênci- as contra as homossexualidades; no fomento de uma livre expres- são das sexualidades; na promoção do corpo e da saúde; na luta pela garantia de respeito às diversidades, na autonomia e na partici- pação democrática de todas as manifestações culturais, sexuais, ét- nicos, raciais, geracionais, de gênero e de classe. Destes alicerces fundamentais, conduziu sua prática sociopolítica na multiplicação de pedagogias e artes libertadoras; realização e participação de lu- tas pelo fim das violências; atos públicos; Paradas Livres; cursos e oficinas junto a grupos dos mais variados; pesquisas em parceria com universidades; assessorias jurídicas; e tantas outras ações de promoção de direitos humanos e de uma cidadania plena.

A partir de projetos com/de/para as juventudes, de interven- ções e participações em seminários, palestras e congressos em es- colas e universidades, de pesquisas conhecidas que demonstram a homofobia, a lesbofobia e a transfobia e, também, das diversas denúncias que chegam à organização; o grupo começou a construir uma forma de ampliar as possibilidades de impacto e de efetivação de políticas educacionais pautadas na promoção da diversidade sexual e dos direitos humanos. Com este objetivo construiu-se o projeto Educando para a Diversidade . O Projeto está organizado em duas frentes de ações: cursos de formação e uma pesquisa com cunho de intervenção. Em todas estas linhas de atuação há sempre um mesmo objetivo: a problematização e a transformação de uma sociedade normativa e normalizadora, em que padrões das ciênci- as, das religiões e do Estado ditam e marcam os comportamentos, as concepções, os ethos , as performances dos sujeitos sociais.

O projeto Educando para a Diversidade é uma realização do nuan- ces em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabe-

tização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC). Desde o primeiro curso conta com o apoio da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, desde o segundo também com a Se- cretaria Estadual de Educação. Este projeto está no seu segundo ano de execução e foi selecionado juntamente com outros trinta projetos em todo o País junto ao Programa Brasil sem Homofobia.

O Educando para a Diversidade  é um curso de formação para

educadoras e educadores ativos, técnicos e técnicas, gestoras e gesto- res, estudantes da área da educação da rede pública municipal e esta- dual no âmbito da educação pública infantil, ensino médio e funda- mental. Especificamente, pretende contribuir para a efetivação de po- líticas educacionais na promoção dos direitos humanos para gueis, lés-  bicas, travestis e transexuais no âmbito da educação infantil, ensino médio e fundamental. Para tanto, o curso de formação debate temas ainda hoje considerados marginais, buscando que a escola cumpra um papel efetivamente pedagógico. Com um olhar de provocação e refle- xão, facilitadores e facilitadoras compartilham problemáticas sociais sem respostas prontas, mas com o objetivo de compreender as diversi- dades sexuais e sociais, o espírito crítico e coletivo para a efetivação de outro lugar e atuação nas comunidades escolares. Além do curso, está sendo realizada uma pesquisa que tem o objetivo de compreender a formação dos valores associados à sexualidade e à educação junto a escolas porto-alegrenses. Para tanto, a equipe tem andado pelas esco- las organizando grupos de reflexão e provocando discussões transfor- madoras para a construção dos direitos humanos. Neste artigo, o foco está na experiência do curso de formação.

Em outubro de 2005 se iniciou a primeira edição do Educando

 para a Diversidade que contou com cerca de 50 participantes. Já, na

segunda edição, no meio do ano de 2006, com um melhoramento e conhecimento da efetivação do curso o número de participantes au- mentou, cerca de 80. A terceira edição que teve início em maio de 2007, 120 participantes se inscreveram. Sem dúvidas, se fosse possí- vel, teriam se inscrito muito mais. Com este número de procura poderia se afirmar que o Educando é um sucesso e que o nuances é uma organização não governamental de extrema competência. Cer- tamente este também é um dado importante, contudo, não basta lê- lo apenas desta forma, é preciso entender que há em nosso País uma extrema necessidade de construção de políticas públicas no campo da educação, da diversidade sexual, para a concretização dos direitos humanos, de um país mais justo e democrático.

Buscamos uma educação libertária e popular, em que se pre- tende aprender sempre e com todas as diferentes formas de com- preensão e significação de conteúdos. Uma formulação embasada em uma postura dialógica, na busca de uma relativização dos uni- versos simbólicos diferenciados, onde haja uma efetiva troca de experiências entre os grupos de participantes e facilitadores e faci- litadoras. Buscamos cotidianamente no curso provocar-nos a uma práxis de equidade da diversidade sexual e dos direitos humanos.

Para tanto, o curso foi concebido a partir de quatro módulos que abordaram fundamentalmente os temas das diversidades se- xuais e dos direitos humanos, a partir de discussões a respeito das sexualidades, raça, etnia, classe social, gênero, discriminação, aces- so à justiça, comunidade escolar, juventudes, religiosidades, corpo- ralidades, direitos legais, prostituição, entre outros. Quase todos os temas marginais junto a nossa sociedade e a educação tradicional. Desde a primeira edição foi priorizado o lugar e a voz de dife- rentes setores sociais para o lugar das facilitações de ambos os cur- sos. Estiveram presentes militantes, juízes, educadores e educadoras populares, acadêmicos e acadêmicas, especialistas, estudantes, dou- tores e doutoras, enfim, uma diversidade de atuações, as quais de- ram e darão à tônica de um curso vivido pleno de desafios. Com um olhar de provocação e de problematização, temos a preocupação de compartilharmos problemáticas sociais sem procurar dar respostas aos participantes, mas antes, num caminho de construção coletiva para a possibilidade de compreender as diversidades sexuais e soci- ais. É certo que tudo isto se deve ao esforço coletivo de todas e todos que estiveram empenhados na construção e na multiplicação dos conhecimentos e de práticas sociais transformadoras que estão sen- do agenciadas junto às comunidades escolares, construindo assim um espaço para uma educação libertária e democrática.

Podemos afirmar que as três edições dos cursos já realizados foram importantes analisadores da situação das homofobias, lesbofo-  bias e transfobias produzidas nas escolas (e porque não em toda a

sociedade), permitindo-nos formular novas ações e redes institucio- nais para a multiplicação dos direitos humanos e da diversidade sexu- al. E mais, nos mostrou o quanto ainda os educadores e educadoras têm sede por criar espaços de discussão e de formação a respeito de temas que desestruturam as lógicas normativas, as quais constituem uma educação tradicional, que ainda hoje parece construir as políticas educacionais em nosso País. É possível observar isto nas falas de par-

ticipantes do curso. Segundo a fala de uma participante: O curso teve   para mim um papel muito importante, pois antes de tentar mudar os outros,

comecei a mudar eu mesma. Numa outra voz: Inicialmente tive vontade de 

desistir, pois nos primeiros encontros me deparei com os meus preconceitos e  isto me aterrorizava, já que percebi que havia bastante coisa para desconstruir,

e uma longa trajetória na edificação de novos conceitos .

Percebíamos que a cada novo encontro os e as participantes estavam definitivamente num conflito entre construções e descons- truções de conceitos e pré-conceitos, num diálogo consigo e com outros, numa perspectiva de ampliação das diversidades. Interes- sante que tudo isto não permaneceu no espaço do curso, o nuances passou a multiplicar esta experiência junto a outras instâncias da educação: outras cidades, outras escolas, outras entidades, outros grupos. Passamos a compartilhar as nossas idéias transformadoras a respeito de como se pode desejar e construir práticas escolares diversas. Consideramos ainda como efeito positivo dos cursos a constituição de um coletivo implicado na transformação social.

O comum era que estes e estas participantes anunciavam mu- danças em suas práticas sociais a partir da experiência junto ao Edu-

cando para a Diversidade . Inclusive, vários e várias participantes estão

levando para as comunidades escolares questões que refletiram e construíram junto ao Educando; visto que, no decorrer do Curso, fomos construindo projetos, os quais, cada um deles e delas pensava em mudanças estruturais junto aos seus espaços de atuações.

O nuances acredita que a educação é um espaço de construir, de libertar e, além disto, é um espaço de conflitos. Portanto, o Edu-

cando para a Diversidade é uma experiência que nos colocou mais uma

vez frente às representações, às normas e às práticas conservadoras das vidas cotidianas dos sujeitos sociais. Assim, pretendemos en- frentar as normatividades, criticando estratégias essencialistas e in- gênuas. O nuances entende que em nosso País há uma extrema ne- cessidade de construção de políticas públicas no campo da educa- ção, da diversidade sexual, para a concretização dos direitos huma- nos. O Educando para a Diversidade é uma experiência realizada para a construção e transformação da educação porto-alegrense.

1Parte deste artigo faz parte da apresentação do livro Educando para a Diversidade,

nuances, 2007.

2Doutora em Ciências Sociais (Unicamp), Coordenadora do Projeto Educando para a Diver-

sidade do nuances Grupo pela Livre Expressão Sexual. Coordenadora do programa de

ESCOLARIZAÇÃO DE TRABALHADORES E

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